A 9 de agosto começou a circular uma publicação no Facebook acompanhada de uma notícia de um jornal antigo — com o título “A 10 de julho de 1876, Sevilha registou 51ºC e Madrid passou dos 44ºC” — e um destaque a vermelho, ambos escritos em castelhano: “O planeta está vivo e vai mudando. Há ciclos solares a cada 50 anos, sempre aconteceu”. Ao partilhar esta imagem, um utilizador reforçou a ideia, em português: “Quando o mundo ainda era civilizado diziam que era verão…”. Trata-se, no entanto, de uma publicação que, com base em alguns dados, chega a uma conclusão que não corresponde à verdade.
Ora, fora aquele recorte de jornal que se apresenta na publicação — cuja origem se desconhece –, pouco mais é dito sobre o referido episódio de temperatura extrema. Mas, se se consultar o arquivo da AEMET, a agência de meterologia de Espanha, num documento meterológico que faz diversas observações entre os anos de 1876 e 1880, percebe-se que, de facto, Sevilha registou aquela temperatura. Ou seja, o recorte de jornal será verdadeiro e já foi citado noutros fact-checks do género. No entanto, é também certo dizer que os parâmetros e métodos da medição da temperatura são, hoje em dia, diferentes, ainda que alguns se mantenham.
Los datos de temperatura de Alicante anteriores a 1920, sin embargo, hay que manejarlos con espíritu crítico, ya que anteriormente a esas fechas los abrigos meteorológicos eran diferentes a los de ahora.
— AEMET_C. Valenciana (@AEMET_CValencia) August 14, 2022
No tweet acima, da conta oficial daquela agência espanhola, de 14 de agosto de 2022, é explicado o seguinte: “Os dados de temperatura de Alicante, anteriores a 1920, têm de ser vistos com um espírito crítico já que, em datas anteriores, as estações meteorológicas eram diferentes”. Existia, por exemplo, a forte possibilidade de as estações meteorológicas sobreaquecerem, o que faria com que o registo das temperaturas fosse mais elevado do que o habitual.
Tal como é defendido noutro fact-check, neste caso espanhol, da Newtral, não é possível apurar, de forma eficaz e credível, em que condições foram registadas as temperaturas daquela época. Ou seja, existe uma forte probabilidade de o método poder ser menos confíável mediante os parâmetros que temos hoje em dia, tal como defende um relatório do ministério do ambiente de Espanha. Existe também outro dado importante que acaba por, mais uma vez, deitar por terra a teoria impressa naquela publicação original: o recorde de temperatura em Espanha, “mediante uma análise minuciosa e um processo de validação rigoroso”, foi de 47,6ºC em la Rambla, Córdoba, a 14 de agosto de 2021.
Também é preciso dizer que este tipo de episódios de temperatura de ar muito elevada é uma característica marcante da Península Ibérica. Ricardo Reis, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, confirma isso mesmo ao Observador: “Faz parte das condições que caraterizam climatologicamente a região, sendo que estes episódios podem ocorrer em qualquer altura do ano, sendo mais notórios e sentidos pelos seus impactos, quando ocorrem os meses de verão”, esclarece.
No entanto, e o que a realidade tem mostrado, é que esses episódios “têm sido mais frequentes”, que “resultam na ocorrência do fenómeno de ondas de calor”. “Desde a década de 90 que se relacionam com a maior intensidade, maior duração e uma maior extensão espacial. Aí podemos relacionar com as alterações climáticas, mas não poderemos dizer que o aparecimento deste tipo de episódios e fenómenos de ondas de calor depende das alterações climáticas”, refere. Portanto, não é o fenómeno em si, mas sim a sua frequência.
Conclusão
Apesar de a notícia que acompanha a publicação sobre temperaturas elevadas da cidade de Sevilha em 1876 ser verdadeira, não se pode dizer que este acontecimento seja a prova de que as alterações climáticas não existem — ou que os seus efeitos são, na verdade, um verão normal. Como está estudado, a Península Ibérica sofreu vários episódios de temperatura muito elevada na sua história. A diferença é que se têm tornado mais frequentes. Também é verdade que, apesar de alguns processos ou ferramentas meteorológicas se manterem ao longo dos anos, não é possível garantir que a medição da temperatura em 1876 tenha sido a mais precisa possível, diferentemente do que acontecer nos dias de hoje.
Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.