Uma série de publicações e vídeos que correm as redes sociais mostram a recente vaga de protestos de agricultores em vários países europeus. Segundo os textos que acompanham estes registos, está a acontecer algo na Europa que “os média não mostram”: são “protestos contra o socialismo”.

Estes vídeos surgem acompanhados de vários relatos e narrações sobre o que está a acontecer na Europa, e que supostamente não estará a ser noticiado no Brasil. É comum a vários desses vídeos ouvir-se em pano de fundo, por vezes ilustrada com imagens de agricultores a bloquear estradas ou a provocar incêndios, a voz de Alexandre Garcia, jornalista, apresentador e comentador, que saiu da Globo em 2018 e foi, no final da ditadura militar do Brasil, porta-voz do último Presidente do Brasil nesse período, o general João Batista Figueiredo.

É Alexandre Garcia que faz em vários desses casos um relato sobre os protestos dos agricultores, que descreve: os manifestantes estão a “soltar o gado, rebanhos de ovelhas e vacas no centro da cidade, a atirar dejetos (…), fezes de animais nas prefeituras”. Além disso, estão a “bloquear estradas, ferrovias, portos com milhares de tratores”, inclusivamente com “violência”.

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Estarão a fazê-lo, diz, para “protestar contra os governos socialistas da França, da Alemanha, da Bélgica”. E segundo o jornalista, mas não só — há muitos relatos nas redes sociais que defendem o mesmo –, estes acontecimentos não estão a chegar ao Brasil através dos média tradicionais: “Isso não sai aqui no Brasil, imagino que os chefes de redação recomendem: não vamos noticiar isso para não dar o exemplo, deve ser isso”. A “velha imprensa” esconde o assunto, sugere.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que não é verdade que a imprensa “tradicional” brasileira esteja a esconder as notícias relativas ao assunto. Numa pesquisa rápida, é possível encontrar notícias de vários meios do país, da Folha de São Paulo à Veja ou à CNN Brasil, que escreveram e emitiram várias peças sobre o assunto (que está a acontecer no continente europeu e não no Brasil).

Em segundo lugar, não é verdade que os protestos sejam exatamente contra governos socialistas. Desde logo, e pegando nos exemplos dados por Garcia, nos Países Baixos continua a não haver governo formado depois de em novembro o partido da extrema-direita, liderado por Geert Wilders, ter sido o mais votado, continuando a precisar de formar uma maioria para governar. Em França, o partido de Emmanuel Macron define-se como centrista — nem de esquerda nem de direita –, mas este mês até foi notícia o facto de o seu primeiro-ministro, Gabriel Attal, ter ido buscar nomes mais associados à direita para o seu elenco governativo. Na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander De Croo, do partido Liberal e Democrata flamengo, lidera uma coligação de sete partidos, onde cabem democratas-cristãos, socialistas, entre outros. E na Alemanha o governo de Olaf Scholz é liderado pelos sociais democratas, de centro-esquerda, em coligação com outros partidos.

É, por isso, falso, que os protestos se dirijam a governos socialistas, uma vez que nenhum deles corresponde a essa designação e alguns até se aproximam mais do lado direito do espectro político.

Por outro lado, as reivindicações dos agricultores não são contra o “socialismo”, mas, como os próprios explicam, têm variações de país para país e têm a ver com políticas para a agricultura, em vários casos até a nível europeu (o que levou a que também paralisassem ruas em Bruxelas, junto das instituições europeias).

Como explica aqui a Euronews, num vídeo usado nas redes sociais para dizer que os protestos são contra o “socialismo” — afirmação nunca feita no próprio vídeo –, as mobilizações de agricultores têm a ver contra problemas como os cortes nos subsídios ao gasóleo agrícola, na Alemanha; as “enormes” margens de lucro praticadas pelos supermercados, na Suíça; ou, no mesmo sentido, as magras margens de lucro, na Grécia.

Existem outras queixas, como os custos da energia e dos fertilizantes, especialmente desde que começou a guerra na Ucrânia. Em vários países há protestos contra a eliminação de subsídios ou de impostos mais reduzidos para os agricultores sobre o diesel, enquanto os agricultores se queixam de estarem a ser sufocados por políticas de proteção ambiental.

Em Portugal, os protestos surgiram depois de terem sido conhecidos cortes em apoios que os agricultores estavam à espera de receber, embora o Governo já tenha entretanto anunciado um pacote de 500 milhões de euros em apoios para estes profissionais.

Conclusão

Não é verdade que os protestos sejam contra o “socialismo”. Não só os governos europeus que estão a ser alvo dos protestos não são socialistas, tendo várias cores políticas, como há uma variedade de reivindicações que têm a ver com motivos diversos, do aumento de políticas ambientalistas que podem prejudicar os agricultores às margens de lucro da grande distribuição.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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