Uma publicação no Facebook pede responsabilidades por a Alemanha alegadamente ter admitido que a vacina contra a Covid-19 é 40 vezes mais mortal do que se sabia. Segundo os autores da publicação, “um novo estudo consequente da Alemanha mostra que o número de pessoas que sofrem de complicações graves após receber a ‘vacina’ Covid é 40 vezes maior do que o conhecido anteriormente”.
Esta informação foi partilhada pelo site Tribuna Nacional, que diz ter retirado estas conclusões de um estudo chamado “Perfil de Segurança das Vacinas Covid-19”, liderado pelo médico alemão Harald Mattes. O texto é uma mera tradução de um artigo publicado originalmente pelo Mitteldeutscher Rundfunk (MDR), a emissora pública alemã que entrevistou o cientista e avançou com os resultados do estudo.
É verdade que Harald Mattes, investigador no Charité — um dos maiores hospitais universitários da Europa, afiliado à Universidade de Humboldt e à Universidade Livre de Berlim —, escreveu um relatório acerca dos possíveis efeitos colaterais da vacina contra a Covid-19. Mas as conclusões a que chegou estão a ser colocadas em dúvida pela comunidade científica.
Segundo o Tribuna Nacional, o investigador terá concluído que a vacina contra a Covid-19 seria 40 vezes mais “mortal” do que se julgava, mas não é isso que diz o corpo do texto — nem o que consta no relatório original. Harald Mattes não olhou apenas para a causa do óbito de quem morreu após a toma da vacina, mas sim para quem disse ter desenvolvido efeitos secundários graves.
De acordo com a lei alemã, um efeito secundário não é considerado grave apenas nos casos em que é fatal: as reações adversas graves são as que se revelam “fatais ou com risco de vida, requerem hospitalização ou internamento prolongado, resultam em incapacidade permanente ou grave, deficiência, anormalidades congénitas ou defeitos congénitos”, revela o site do Ministério da Justiça.
É neste parâmetro que o investigador argumenta que as autoridades de saúde — nomeadamente, o Instituto Paul Ehrlich, que monitoriza a segurança e eficácia das vacinas — estão erradas. Os dados oficiais dizem que 0,02% das pessoas vacinadas contra a Covid-19 desenvolvem reações adversas graves, mas Harald Mattes calculou uma percentagem de 0,8%. Quarenta vezes mais do que a versão das autoridades de saúde.
Acontece que a metodologia utilizada pelo investigador para chegar a estes números não é a cientificamente válida. O estudo conduzido por Harald Mattes resume-se a um mero questionário preenchido online — o “ImpfSurv” — em que os internautas são convidados a “registar queixas físicas após a vacinação, doença Covid-19 ou queixas gerais”; e a apontar “reações vacinais e efeitos colaterais da vacinação Covid-19”.
Esta é a descrição que surgia numa página do Charité que entretanto foi eliminada. Sobra apenas um documento PDF com uma página onde se explica como é que os autores do estudo pretendem monitorizar os participantes. Todos os voluntários responderam a um questionário assim que se inscreveram. Foram realizadas entrevistas mensais nos primeiros seis meses e, a partir daí, os voluntários vão ter entrevistas de três em três meses durante, pelo menos, dois anos.
Os potenciais participantes receberão um e-mail a descrever o estudo e a solicitar a oportunidade de participar numa investigação diretamente por meio de um link. Serão respondidas perguntas de um questionário recém desenvolvido sobre reações adversas à vacinação ou reclamações de doentes com Covid-19 ou doença não Covid-19″, prossegue o documento.
O objetivo final do estudo, continuam os autores, seria “construir um banco de dados a documentar o curso de vacinação após a toma da vacina contra a Covid-19 e a possível ocorrência de reações de vacinação”: “Os efeitos secundários da vacinação Covid-19 serão comparados com os sintomas e consequências a longo prazo da doença Covid-19 ou com sintomas gerais na população geral.”
Mas esta proposta de metodologia não convenceu sequer o Charité, hospital onde o estudo foi desenvolvido. O porta-voz da instituição disse à televisão alemã Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF) que “esta base de dados não é adequada para tirar conclusões específicas sobre as frequências na população em geral e generalizá-las”. Ou seja, o próprio Charité distanciou-se deste estudo.
O problema começa ainda a montante: qualquer pessoa pode responder ao inquérito sem que a sua identidade ou os dados que lá coloca sejam confirmados. Segundo o autor do estudo, 40 mil pessoas inscreveram-se como voluntários. Mas Leif-Erik Sander, também ele investigador do Charité, lembra que ninguém faz uma avaliação clínica dos casos para garantir que os sintomas relatados por quem foi vacinado foram mesmo desencadeados pelo fármaco. Ninguém pode sequer assegurar que quem diz tomar a vacina realmente a tomou.
Outro problema é que o estudo de Harald Mattes não tinha um grupo de controlo, isto é, um conjunto de voluntários que não tomou a vacina cujas informações são registadas para serem comparadas com os indivíduos que tomaram a vacina. Todos os estudos por trás das vacinas aprovadas pelas autoridades de saúde europeias tinham um grupo de controlo. E em todos eles se verificou que os sintomas relatados pelos vacinados são os mesmos que os registados pelas pessoas não-vacinadas.
Conclusão
É falso que a Alemanha tenha admitido que a vacinação contra a Covid-19 era 40 vezes mais letal do que se julgava. Há um estudo de um investigador alemão que afirma que as reações adversas graves (letais ou não), embora continue residual, é 40 vezes maior que o apontado pelo Instituto Paul Ehrlich.
Mas esse estudo tem várias lacunas que, para a comunidade científica, colocam em xeque a validade das conclusões dos autores. Tanto é assim que a própria instituição onde o estudo foi desenvolvido distanciou-se da investigação. E nenhum órgão das autoridades de saúde alemãs se pronunciou a favor dos resultados alcançados por Harald Mattes.
Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook.