Por WhatsApp, por e-mail e através das redes sociais. Esta terça-feira, começou a circular pelos mais diversos canais a informação de que a chefe de gabinete da ministra da Saúde ia ter “direito” a receber “um valor na ordem dos 40 mil euros”. Motivo: O nome de Eva Falcão é um dos muitos que constam de um despacho do secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, publicado no dia 30 de novembro em Diário da República e que oficializa a promoção (ou mudança de grau) de mais de 80 administradores hospitalares. Ora, essas promoções são factuais — o despacho formaliza-as. Mas as alegadas compensações retroativas (algumas com 15 anos) não vão acontecer.

A informação difundida refere que “numa altura em que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) se vê a braços com encargos financeiros insuportáveis, e em que os hospitais do SNS não têm orçamento para pagar os prémios aos profissionais de saúde que estiveram na linha da frente do combate à COVID, o Ministério da Saúde anuncia a subida de grau da chefe de gabinete da ministra (Eva Falcão), com os respetivos aumentos remuneratórios reportados a 2005. 15 anos de retroativos!”

No caso de Eva Falcão, esses retroativos chegariam — pelas contas do autor original do texto, cuja identidade não foi possível apurar — a cerca de 40 mil euros. Mas ainda referidos os casos de dois adjuntos do ministério, Miguel Rodrigues e Fátima Cena e Silva, que seriam também beneficiados com estas promoções. Mais: alega-se que, no momento em que deixar de exercer as funções no Ministério da Saúde, a própria ministra, enquanto administradora hospitalar, poderia também reclamar a “atualização do seu regime remuneratório”, ao abrigo deste despacho.

Com a publicação em Diário da República do despacho assinado por Lacerda Sales, Eva Falcão foi “promovida a administradora do 3.º grau do quadro único, com efeitos reportados a 1 de fevereiro de 2005”. Mas, ao Observador, o Ministério da Saúde e a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) negam qualquer possibilidade de a chefe de gabinete de Marta Temido receber os tais 40 mil euros por uma atualização remuneratória que estava pendente, no caso de Eva Falcão, há 15 anos.

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No âmbito do Despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Saúde n.º 11813/2020, de 30 de novembro, importa…

Posted by Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares on Tuesday, December 1, 2020

Da mesma forma, os adjuntos em funções no ministério, Miguel Rodrigues e Fátima Cena e Silva, também não são “beneficiados” pelo documento,  acrescenta a associação, na linha daquilo que anunciava o esclarecimento publicado na página do Facebook. “Apesar de estes administradores hospitalares verem ser alterado o seu grau na carreira, não têm direito a benefícios remuneratórios”, garante a APAH. A atualização do grau destes administradores poderia ter efeitos remuneratórios, sim, se no futuro os mesmos se candidatarem concursos para a colocação de novos administradores hospitalares. A questão, aqui, é que “não há concursos abertos desde 2004 e nem sequer há qualquer previsão de que eles venham a ser abertos”, diz Alexandre Lourenço, do gabinete de comunicação da APAH. Além disso, mesmo que fossem abertos concursos, que os administradores se candidatassem e fossem colocados, esse “benefício” remuneratório só teria efeitos a partir desse momento, e nunca poderia levar ao pagamento de um tipo de compensação pela ausência de progressões na carreira no passado.

Esse esclarecimento foi também prestado pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), já esta quarta-feira. “Os administradores hospitalares exercem funções em regime de comissão de serviço, em lugares de classe existentes nos mapas de pessoal dos serviços e estabelecimentos integrados no SNS. São os lugares de classe que determinam a remuneração auferida pelos administradores hospitalares, pelo que a alteração de grau não tem impacto remuneratório para estes profissionais”, refere o organismo que gere os recursos do SNS.

No mesmo sentido, os dois adjuntos referidos no texto que foi difundido nos últimos dias também não são visados por qualquer indemnização com retroativos.

No caso da própria ministra da Saúde, alegava-se que Marta Temido poderia reclamar a atualização do seu escalão remuneratório por ser “gestor de carreira”, ainda que o seu nome não constasse — como não consta — do despacho. Ao Observador, o Ministério da Saúde explica que “a senhora ministra da Saúde encontra-se vinculada por contrato de trabalho, logo, a carreira de administração hospitalar não lhe é aplicável”. Daí que também não pudesse constar do despacho que gerou a desinformação.

Mas, como complemento, que despacho é este e por que razão surge agora e logo para fazer as atualizações de carreiras com efeitos a nove e 15 anos mais tarde?

Graça Freitas infetada. Ministra e secretários de Estado com testes negativos

Alexandre Lourenço explica que, no ano passado, foi nomeada uma comissão de avaliação dos administradores hospitalares. Apesar de essa avaliação dever ser constituída todos os anos, isso não acontecia desde 2003. Para serem alvo de uma avaliação por parte dessa comissão, os administradores têm de candidatar-se a esse sufrágio, em que são analisados a prestação profissional e a situação curricular. “Alguns administradores entregaram os seus currícula e candidatam-se ao processo de avaliação, mas muitos nem chegam a fazê-lo porque o impacto que isso tem é zero”, ilustra o assessora da APAH.

O impacto imediato é, de facto, zero, porque a mudança de grau não tem consequência direta nem imediata na sua remuneração mensal. Mas a progressão na carreira é o que permite a um administrador hospitalar candidatar-se a lugares de maior exigência e complexidade nos hospitais do SNS. Uma colocação feita por concurso.

Conclusão

É falso que a chefe de gabinete de Marta Temido possa receber 40 mil euros de “aumentos remuneratórios reportados a 2005”, como alega o autor do texto que incendiou as redes sociais nas últimas horas. Também não é verdade que dois adjuntos do Ministério da Saúde sejam beneficiados pelo despacho do secretário de Estado Lacerda Machado e, por fim, é falso que Marta Temido possa reclamar uma atualização do respetivo remuneratório quando deixar de exercer as atuais funções.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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