No debate com Rui Rio, a 13 de janeiro, a propósito do futuro da TAP, António Costa disse que, “em 2020, as empresas do senhor [David] Neeleman foram caindo em todo o mundo”. O líder do PS tinha acabado de argumentar que, quando o Estado português compra a participação de David Neeleman, em 2020, avança com essa aquisição para “prevenir precisamente que aquele privado que lá estava, e que não merecia confiança, não daria cabo da TAP no dia em que fosse à falência”. Esta terça-feira, o empresário da aviação respondeu, acusando Costa de ter “faltado à verdade”.

Neeleman contesta a ideia central defendida por António Costa. Nomeadamente, quando assegura que, “apesar de, nos dois últimos anos, a indústria da aviação ter passado pela sua maior crise de sempre [devido à pandemia de Covid-19], nenhuma dessas empresas” em que Neeleman tem participações “foi à falência nem foi sujeita a qualquer tipo de intervenção similar até à presente data”. Quem tem razão?

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A guerra entre o Governo de António Costa e David Neeleman não é nova. Em dezembro de 2020, o ministro das Infraestruturas (que tutela a pasta da aviação em Portugal) acusou o agora antigo acionista privado de “não ter um euro para meter na TAP”. No Parlamento, Pedro Nuno Santos disse que a equipa de Neeleman geria a empresa “de acordo com os seus interesses”, que “não estavam alinhados com os bons interesses do país e dos portugueses”.

Antes dessa audição, mas já depois da saída de Neeleman da empresa — e quando Antonoaldo Neves ainda presidia ao conselho de administração — o ministro foi questionado sobre a saída iminente do gestor brasileiro indicado pelo americano. E respondeu assim: “Já devia ter saído, para que uma nova equipa alinhada com os interesses do povo português possa fazer o mais depressa possível a gestão da TAP ao serviço do povo português. Se [a situação da empresa] puder ser resolvida nestas horas, ficarei ainda mais contente.”

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Essa troca de argumentos em público entre Governo e antigo acionista teve novos desenvolvimentos esta terça-feira. Depois de Neeleman acusar António Costa de faltar à verdade sobre a viabilidade das empresas em que teria participações, durante o ano de 2020, o primeiro-ministro foi questionado sobre se acederia à exigência do gestor e pediria desculpas pelas declarações proferidas no debate com Rui Rio. “Não tenho nada a ver com o senhor Neeeleman.” E pedir desculpas? “Era o que faltava.”

Durante a tarde, o presidente do PSD também tinha alinhado posições com o antigo acionista da TAP, ao dizer que António Costa “faltou à verdade”. Mas o líder socialista optou por não esclarecer a que universo empresarial se referia quando disse que, em 2020, várias empresas participadas por Neeleman tinham falido.

Mas, afinal, a alegação de António Costa está sustentada?

O empresário brasileiro-americano foi o responsável pelo lançamento de várias companhias aéreas e investiu em outras. E, apesar de o seu nome ainda estar ligado a algumas delas, a verdade é que Neeleman opera como investidor que entra e depois vende a participação, em tese com lucro. E, das companhias em que investiu e de que depois saiu, não há notícias de insolvências. Pelo menos, no ano de 2020 e diretamente associadas à pandemia. Aliás na nota enviada à Lusa, o investidor diz que das cinco empresas que lançou nos  Estados Unidos, Canadá e Brasil “nenhuma foi à falência, nem foi sujeita a qualquer tipo de intervenção similar até à presente data”

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A mais conhecida dessas empresas é a JetBlues, a companhia aérea low-cost que lançou no final do século nos Estados Unidos e que fez a diferença pela qualidade do serviço prestado aos passageiros. Em 2007, Neeleman foi despedido da administração da Jet Blues, tendo na sequência vendido ações. Atualmente, não consta como um dos acionistas.

O empresário rumou ao Brasil e lançou a Azul, tirando partido da falência da Varig, uma das companhias aéreas de maior sucesso e que levaram a comunicação social americana a “chamar-lhe o Steve Jobs dos céus”. Foi enquanto acionista e presidente da Azul que David Neeleman aterrou em Portugal, em 2015, com uma estratégia que lhe permitiu ganhar a privatização da TAP, apostando na renovação da frota e no reforço dos voos para o Brasil e Estados Unidos.

Mas já na altura era notícia a intenção de abrir o capital da Azul em bolsa, o que reduziria a participação acionista de Neeleman. Apesar de constar ainda como acionista da transportadora brasileira, David Neeleman reduziu de forma muito substancial os seus direitos económicos na Azul ainda em 2020, na sequência de um empréstimo que contraiu junto da empresa. Atualmente, Neeleman aparece como tendo 4,6% dos direitos económicos da Azul e ainda surge como presidente do conselho de administração da empresa, que se mantém em operação.

Pouco antes da pandemia eram notícia as negociações de David Neeleman para a venda da participação que tinha na TAP à alemã Lufthansa. O processo caiu com a crise do Covid-19, mas o empresário acabou por sair da transportadora portuguesa para resolver um conflito aberto com o Governo sobre a solução financeira para a TAP. Sob a ameaça da nacionalização, Neeleman vendeu a participação em julho de 2020 por 55 milhões de euros e abdicou dos direitos económicos sobre a TAP e dos mais de 200 milhões de euros que colocou para a recapitalização logo após a compra da maioria do capital, em 2015.

Ainda nesse ano de 2020, surge a notícia de que o empresário estava a lançar uma nova companhia aérea regional nos Estados Unidos. A Breeze Airways começou a operar em maio de 2021, ainda em plena pandemia.

Apesar de nenhuma destas empresas ter estado em insolvência, David Neeleman chegou a comprar em 2017 a participação numa empresa regional — a Aigle Azur, que voava entre França e Argélia e que, segundo notícias de 2019, enfrentou um processo insolvência não relacionado com a pandemia. O empresário associou-se também ao conglomerado chinês HNA em vários negócios, incluindo na TAP, onde esta chegou a ser investidora indireta com 9%. Mas teve de vender em 2019, quando já enfrentava problemas de liquidez e uma dívida enorme. A HNA acabou por declarar insolvência.

Conclusão

David Neeleman tem colecionado participações em diversas empresas da área da aviação comercial. Mas, ao contrário do que afirmou António Costa, não é verdade que as empresas onde chegou a investir, ou naquelas em que ainda tem participação social, tenham “caído” em insolvência ao longo do ano de 2020, já durante a pandemia.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

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