No primeiro e único debate com todos os candidatos às eleições presidenciais de 24 de janeiro, todos os ataques estiveram centrados em Marcelo Rebelo de Sousa, o atual ocupante do Palácio de Belém. E um dos temas puxados para o atacar foi o alegado favorecimento de Marcelo aos grupos privados do setor da Saúde, em detrimento do investimento no Serviço Nacional de Saúde.

No decorrer da discussão, o candidato apoiado pelo PCP, João Ferreira, afirmou que é preciso acabar “com uma mistificação”: “Não está em causa, nem nunca esteve em causa, recorrer a privados [pelo contexto, o candidato está a referir-se a unidades hospitalares privadas] para satisfazer determinadas necessidades” do SNS. E, logo a seguir, recorre a um valor de 750 milhões de euros em pagamentos do Estado a privados.

Nos últimos meses – isso foi público na semana passada –, o Estado pagou 750 milhões de euros a unidades privadas para assegurarem respostas que o Serviço Nacional de Saúde não estava em condições de dar.”

Ora, João Ferreira estava a referir-se a um relatório do Tribunal de Contas, divulgado a 6 de janeiro (na quarta-feira da semana passada), que dá conta do montante gasto em contratos públicos para o fornecimento de bens e serviços no âmbito da pandemia (de meados de março até ao final de setembro).

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De facto, nesses meses, o Estado pagou 750 milhões de euros: 375 milhões de euros de 12 de março a 31 de maio e outros 375 milhões de junho a julho de 2020. Só que esses valores não foram para unidades hospitalares privadas, como deixou entender João Ferreira no debate.

Estes 750 milhões de euros identificados pelo Tribunal de Contas dizem respeito a adjudicações a várias empresas, nacionais e estrangeiras, sobretudo fornecedoras de equipamentos e bens médicos (ventiladores comprados a empresas chinesas, máscaras, máquinas de radiologia, luvas e fatos de proteção, por exemplo), companhias farmacêuticas (medicamentos) e empresas de construção civil (obras de expansão e requalificação em hospitais).

Estado já contratou 750 milhões pelo regime excecional para a Covid-19, mas persistem falhas no reporte ao Tribunal de Contas

Ainda de acordo com o relatório do Tribunal de Contas, a lista de entidades que receberam os maiores valores é liderada por uma construtora, a Embeiral — Engenharia e Construção, que venceu uma empreitada do IPO de Coimbra. Destaque ainda para a empresa chinesa Guangdong, que faturou 21,5 milhões de euros (contratos que incluem ventiladores).

Seguem-se farmacêuticas como a Guilead Sciences (11,1 milhões de euros), a Roche Sistemas Informáticos (9,9 milhões de euros) e a Uniself Sociedade de Restaurantes Públicos. No top 10 dos maiores valores constam, ainda, a Merck, a Janssen, a Sanofi, ITAU (Instituto Técnico de Alimentação Humana) e a GlaxoSmithKline. Não há unidades hospitalares privadas neste top 10.

Uma última nota. O SNS não está, como diz João Ferreira, em condições de dar resposta aos bens e serviços que constam destes contratos do Estado com empresas nacionais e estrangeiras. O Serviço Nacional de Saúde não se consegue abastecer a si próprio de medicamentos porque não os produz – pelo que tem de os comprar a empresas privadas. Nem fabrica luvas, equipamento de proteção, máscaras, máquinas de radiologia ou ventiladores. Por isso, tem de os comprar a privados. E também não tem vocação para executar as obras de construção ou requalificação das suas unidades. Ou seja, não tem alternativa senão abastecer-se junto de empresas privadas ou contratar quem execute esses serviços.

Conclusão

Portanto, João Ferreira está errado quando – no decorrer de uma parte do debate sobre a inclusão ou não de hospitais privados no combate à pandemia – diz que, nos últimos meses, o Estado pagou 750 milhões de euros a “unidades privadas”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

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