A publicação, alvo deste fact check, começa por não ser absolutamente clara: “O Estado esconde uma enorme ratoeira na lei 38/2018, a maioria da população portuguesa nem imagina a enorme maldade (embora seja totalmente ilegal e inconstitucional) para punir os pais que não aceitam este tipo de ensino/ideologia.”

Se não restam dúvidas sobre que lei se aponta ter “uma ratoeira” para os pais — trata-se daquela que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa —, na publicação não se entra em detalhes sobre o “tipo de ensino/ideologia” que, ao não ser aceite pelos pais, os leva a cair numa ratoeira.

Publicação acusa lei de ter ratoeira para pais

No entanto, na página onde se faz a publicação — da Comunidade #DeixemasCriançasemPaz e que se apresenta como um movimento cívico em defesa das crianças — são várias as referências àquilo que é chamado de ideologia de género, sendo esta comunidade contra o ensino de tal ideologia nas escolas.

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Haverá, então, uma ratoeira na lei da autodeterminação da identidade de género para pais que sejam contra o ensino de ideologia de género?

O Observador não encontrou na lei — que pode ser lida na íntegra aqui — nada que possa ser considerado como uma ratoeira para encarregados de educação, nem mesmo no artigo 12.º, intitulado “Educação e Ensino”, e que tem três alíneas.

Na primeira alínea, determina-se que o “Estado deve garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas”.

Para tal, devem ser desenvolvidas medidas “de prevenção e de combate contra a discriminação em função da identidade de género”, assim como “mecanismos de deteção e intervenção sobre situações de risco que coloquem em perigo o saudável desenvolvimento de crianças e jovens que manifestem uma identidade de género ou expressão de género que não se identifica com o sexo atribuído à nascença”.

A lei aponta ainda outras duas medidas: condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das características sexuais contra todas as formas de exclusão social e violência dentro do contexto escolar; e a formação adequada dirigida a docentes e demais profissionais.

Na alínea 2, prevê-se que “os estabelecimentos do sistema educativo, independentemente da sua natureza pública ou privada, devem garantir as condições necessárias para que as crianças e jovens se sintam respeitados de acordo com a identidade de género e expressão de género manifestadas e as suas características sexuais”.

Por último, diz o ponto 3, “os membros do Governo responsáveis pelas áreas da igualdade de género e da educação adotam, no prazo máximo de 180 dias, as medidas administrativas necessárias para a implementação do disposto no n.º 1”.

A lei em causa foi enviada para o Tribunal Constitucional, em julho de 2019, a pedido de 85 deputados do PSD e do CDS que pediam a fiscalização de medidas sobre identidade de género no ensino, ou seja, o artigo 12.º. Os signatários defendem que a lei — aprovada em 2018 com os votos contra do PSD e do CDS — viola a Constituição, porque prevê o ensino de uma ideologia. O socialista Miranda Calha viria, mais tarde, a juntar-se ao grupo.

O Observador contactou o Tribunal Constitucional que ainda não deliberou sobre este assunto, estando o processo “a seguir os seus trâmites”.

E o que alegavam os signatários? “A Constituição da República Portuguesa tem no artigo 43 uma proibição expressa do ensino, por imposição do Estado, de uma religião, doutrina ou ideologia. A lei aprovada pelos partidos da esquerda inclui, no artigo 12, a questão da regulação do ensino desta ideologia de género nas escolas portuguesas. À luz do artigo 43, isto constitui uma violação da Constituição”, explicou, em julho de 2019, o signatário Miguel Morgado (PSD) à Rádio Renascença.

Em concreto, explicava na altura Morgado, o problema levantava-se com o artigo 3.º, já que “deixa por determinar o campo de ação da Administração e do Ministério da Educação na execução das disposições legais”, dando-lhe uma grande “latitude”, “violando o princípio constitucional da determinabilidade da lei”.

Mais de um ano depois, os signatários continuam à espera da decisão dos juízes do Palácio Ratton.

Conclusão:

Uma ratoeira é, segundo a definição do dicionário Priberam, uma armadilha, cilada ou traição. Assim, analisada a lei em causa, artigo a artigo, não é possível encontrar nenhuma alínea que possa configurar uma ratoeira para pais que sejam contra o ensino da chamada ideologia de género nas escolas.

Apesar disso, o diploma que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género suscitou dúvidas sobre a sua constitucionalidade a um grupo de deputados que o enviaram para o Tribunal Constitucional, encontrando-se, mais de um ano depois, ainda à espera da sua decisão. Ressalve-se que, mesmo que do Palácio Ratton venha a sair uma deliberação de inconstitucionalidade, isso não significa que a lei tem uma ratoeira, ou uma cilada para pais, mas antes que viola a lei fundamental e, como tal, terá de ser alterada.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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