“Absurdos do politicamente correto”, exclamou uma utilizadora no Facebook. “Não gostam do Natal, mas recebem o subsídio de Natal”, escreveu outra. “Atitude ridícula e injustificável”, acrescentou um terceiro. A indignação reporta-se a uma notícia do site brasileiro Conexão Política, intitulada “Para não ofender muçulmanos, supermercado Lidl substitui a palavra ‘Natal’ por ‘festa’ em seus produtos na Holanda.” Alegadamente, isto aconteceu com um catálogo recente que a cadeia de supermercados publicou na Holandaaquele país. “No novo catálogo de produtos, não será mais encontrado a palavra Natal e muito menos um presépio”, escreveu o Conexão Política.

Se é verdade que a palavra “Natal” não está na capa do catálogo, é preciso sublinhar contudo que ela aparece escrita por 88 vezes nas páginas interiores. Além disso, um porta-voz da empresa garantiu, antes de o Conexão Brasileira ter publicado a notícia, que o catálogo criticado não é sequer de Natal.

A origem do equívoco pode estar num vídeo de um utilizador holandês do Facebook, partilhado a 3 de novembro por um outro holandês – um homem que se descreve como “politicamente incorreto” e tem um blogue onde constam vários textos contra a imigração de muçulmanos. O nome de ambos é aqui omitido por razões de proteção da privacidade.

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No referido vídeo vê-se um catálogo verídico dos supermercados Lidl da Holanda, enquanto alguém o folheia e faz comentários em holandês. Sobre o vídeo, o segundo utilizador holandês escreveu no Facebook: “Aparentemente, para não magoar um certo grupo de pessoas, o Lidl substituiu a palavra ‘Natal’ por ‘ festa’ no seu novo catálogo” (tradução automática do Facebook).

O site do jornal Algemeen Dagblad (AD), um periódico muito conhecido na Holanda, pegou naquela publicação (com informações falsas) e fez uma notícia a 4 de novembro, citando o utilizador. A notícia dizia inicialmente que a nova brochura do Lidl não continha a palavra “Natal”, mas o texto foi depois corrigido, passando a dizer que a brochura “não inclui a palavra ‘Natal’ com destaque” – uma correção que o próprio jornal assumiu em rodapé.

A notícia teve inúmeras partilhas, uma das quais no Twitter de Geert Wilders, deputado holandês e líder do Partido da Liberdade, considerado de extrema-direita. No Brasil, o Conexão Política noticiou o assunto a 5 de novembro. Milhares de partilhas têm sido feitas por falantes da língua portuguesa.

À data de hoje, o Conexão Política tem cerca de 25 mil seguidores no Facebook e mais de 293 mil no Twitter. Diz ter sido criado em 2017 (embora o registo no Twitter seja de 2013) e descreve-se como um “portal atualizado com as principais notícias da política nacional e internacional e seus bastidores”, com base em “trabalho 100% voluntário”. Há poucos meses, o site publicou um texto assinado pela redação em que classificava a verificação de dados como “censura” e descreveu a “imprensa mainstream” como “um covil de mimados, de frouxos, de gente de uma potência moral vergonhosa e de virilidade nula”.

Entretanto, o site holandês de verificação de factos Nieuwscheckers publicou uma ligação direta à página do Lidl onde consta um catálogo aparentemente igual ao que surgia no vídeo que originou o equívoco. Uma pesquisa automática pela palavra “kerst” (“Natal”, em neerlandês) mostra que ela aparece escrita por 88 vezes no catálogo – que, curiosamente, tem nada menos do que 166 páginas. O Nieuwscheckers fez notar que a versão inglesa da palavra, “Christmas”, também consta, o que o Observador agora comprovou.

Uma das páginas do catálogo, que faz referência a “Christmas Cookies”. Em português, bolachas de Natal

O catálogo diz claramente que “esta campanha decorre entre 7 de novembro e 8 de dezembro” e um porta-voz da empresa declarou que a palavra ‘festa’ aparece em destaque porque a campanha abrange feriados de novembro e dezembro, incluindo o Sinterklaas, ou Dia de São Nicolau, que os holandeses assinalam a 5 de dezembro. O Natal será objeto de uma campanha publicitária posterior, após o Sinterklaas, sublinhou o porta-voz, citado pelo próprio Algemeen Dagblad.

Conclusão

Notícias segundo as quais um recente catálogo holandês de uma cadeia de supermercados teria evitado incluir a palavra Natal, numa suposta cedência a uma presumível vontade de crentes de outra religião, não têm base factual, uma vez que o catálogo, não sendo natalício, inclui a palavra Natal dezenas de vezes.

De acordo com o sistema de classificação do Observador este conteúdo é:

Errado

De acordo com o sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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