As alterações climáticas continuam a ser um dos temas quentes nas redes sociais.
A Organização Meteorológica Mundial e o serviço Copernicus anunciaram, no início de Setembro, que a Terra viveu este ano “o verão mais quente jamais registado no Hemisfério Norte”. Ásia, Europa e América do Norte foram atingidas por ondas de calor, secas, incêndios e inundações em “proporções dramáticas e muitas vezes sem precedentes“.
Mas o debate continua. Há publicações no Facebook que mostram uma página de jornal antiga, de 2 de setembro de 1930, com o título “O calor em Portugal” e onde se pode ler que “os termómetros do Observatório Central Meteorológico marcaram 37º,8 à sombra e 68º,2 ao sol“. O texto dá ainda conta de que “o asfalto chegou a derreter” e que o “contraste entre a frescura constante dos últimos dias e a atmosfera abrasada de ontem foi súbito e violento“. E, como legenda, o autor da publicação diz que com esta notícia fica provada a “falsidade das alterações climáticas”.
Mas afinal, o que aconteceu em 1930? A Sapo 24 recuou no tempo e fez uma recolha dos artigos de jornais desde 1884 e a 1949 a dar conta de ondas de calor em Portugal. Em agosto de 1930 são várias as referências ao “calor insuportável” sentido na capital, com “59 graus ao sol e 40 à sombra” e, a 2 setembro, “O Jornal” escrevia sobre os tais “37º,8 à sombra e 68º,2 ao sol“. Anos depois, em 1949, uma nova onda de calor em Lisboa causou “tremendo pânico” que levou “centenas de pessoas a desmaiarem nas ruas”.
No mesmo sentido, o Diário de Notícias recorda a primeira página de 21 de junho de 1939, com o título: “32,6 graus à sombra” em Lisboa, com imagens que mostravam um burro a beber água de um chafariz. Mas será isto suficiente para concluir que as alterações climáticas não existem? Não. O mês de julho de 2023 foi o mais quente de sempre. O serviço europeu Copernicus sobre alterações climáticas relacionou as temperaturas altas com as ondas de calor na América do Norte, Ásia e Europa, aos grandes incêndios florestais no Canadá e na Grécia. Estes dados levaram o secretário-geral das Nações Unidas a anunciar que “a era do aquecimento global acabou e a era da ebulição global começou”.
July has already seen:
The hottest three-week period ever recorded.
The three hottest days on record.
The highest-ever ocean temperatures for this time of year.
It is still possible to avoid the very worst of climate change, but only with dramatic, immediate #ClimateAction.
— António Guterres (@antonioguterres) July 27, 2023
Os dados acumulam-se. No dia 3 de julho, o planeta Terra atingiu o dia mais quente desde que há registo. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos registou, pela primeira vez, a temperatura média mundial de 17,01 graus, quando o máximo anterior era de 16,92.
E em Portugal? Lisboa bateu o recorde de temperatura em 2018. Desde que há medições, nunca Lisboa tinha registado mais de 43ºC, mas em agosto de 2018 a estação meteorológica do IPMA Gago Coutinho registou 44ºC. No resto do país, a temperatura mais alta alguma vez registada foi na Amareleja, a 1 de agosto de 2003: 47,3ºC e se tivermos em conta apenas o mês de julho, a temperatura máxima do ar mais elevada foi registada no dia 14, no Pinhão.
E o que dizem os especialistas? Ao Observador, Ricardo Trigo, climatologista e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa é rápido a apontar que “ondas de calor ocorreram sempre“. “Não apareceram agora de repente, sempre houve ondas de calor fortíssimas“. Ou seja, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa e considerar que ondas de calor “sempre existiram” não desmente a existência de alterações climáticas.
Aliás, o climatologista sublinha que o que as alterações climáticas estão a fazer é “aumentar a probabilidade” de virem a ser registados “valores que nunca ocorreram no passado” e com uma maior frequência do que aquela que se registava até este momento.
Ricardo Trigo elenca dois exemplos: Lisboa, que atingiu a temperatura mais elevada de sempre em 2018, ressalvando que a temperatura que deve ser tida em conta, na notícia de 1930, é a que foi registada à sombra, de 37ºC; e, como segundo exemplo, o Reino Unido, que ultrapassou pela primeira vez os 40ºC no ano passado. “Inglaterra mede temperaturas há 300 anos, até há cinquenta nunca tinha registado mais de 37,5ºC, nos últimos cinquenta anos o valor foi subindo e chegou aos 40ºC pela primeira vez no ano passado”.
Conclusão
“Ondas de calor sempre existiram.” É desta forma que Ricardo Trigo, climatologista, desmente a conclusão que é tirada nas redes sociais: de que a onda de calor registadas em 1930, há quase cem anos, prova a “falsidade das alterações climáticas“. As alterações climáticas fazem com que fenómenos como as ondas de calor sejam mais recorrentes e mais intensos. Em 2003, foi registada a temperatura mais elevada de sempre em Portugal, em 2018 foi registada a temperatura mais elevada de sempre em Lisboa, e em 2023 foi registada a temperatura mais elevada de sempre em Portugal durante um mês de julho. A 3 de julho, o planeta atingiu o dia mais quente desde que há registo.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.