Um vídeo com origem no Brasil começou recentemente a circular em páginas de Facebook portuguesas contendo uma miríade de teorias da conspiração sobre a vacina contra a Covid-19. No vídeo, durante cerca de cinco minutos e meio, um homem discursa longamente sobre a ideia de que a vacina contra a Covid-19 seria parte de um esquema global destinado a controlar os passos de toda a população do planeta com recurso a tecnologia sofisticada introduzida no corpo das pessoas vacinadas.

Além de repetir uma série de ideias falsas que se tornaram virais no último ano, o protagonista do vídeo assegura ainda que a farmacêutica Pfizer “patenteou um sistema de rastreamento de pessoas inoculadas por controle remoto”, que teria como objetivo “rastrear seres humanos inoculados com o lixo que ela fabrica, por meio de microondas e grafeno mantidos nos tecidos adiposos das pessoas inoculadas”. Como modo de garantir mais credibilidade, o homem até dá detalhes: o pedido de patente teria sido aprovado a 31 de agosto de 2021.

O protagonista deste vídeo também não poupa na linguagem e faz desfilar um conjunto de termos “técnicos” que servirá, supostamente, para credibilizar as alegações. O homem diz, por exemplo, que a tecnologia teria a “finalidade de rastrear o contacto remoto de todos os seres humanos vacinados em todo o mundo, que agora estão conectados à ‘internet das coisas’ por um link quântico de frequências pulsantes de microondas de 2,4GHz ou mais”.

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E como funcionaria tudo isto? O protagonista regressa à clássica teoria do óxido de grafeno, propagada vezes sem conta desde o início do processo vacinal — e desmentida inúmeras vezes. Segundo o homem, as “torres de telefone ou satélites” são capazes de se ligar “diretamente ao óxido de grafeno mantido nos tecidos adiposos de todas as pessoas que receberam a injeção da morte”. Além disso, esta suposta tecnologia usaria ainda os dados de geolocalização dos telemóveis de cada um para saber onde andam as pessoas e todos estes dispositivos eletrónicos são capazes de comunicar uns com os outros e transmitir as identificações dos seus portadores.

E qual o objetivo de tudo isto? “Basta triangular os seres humanos pelas antenas de telefonia. E aqueles que não estiverem inoculados, automaticamente, podem ser vacinados à força, presos ou até mortos”, assegura o protagonista do vídeo, dando de imediato um salto lógico para dizer que “Bill Gates” quer controlar a população mundial. O vídeo não termina sem uma comparação com o Holocausto, com o homem do vídeo a garantir que estes dispositivos são a “versão moderna das estrelas amarelas entregues aos judeus na Alemanha nazista”.

É muita desinformação junta. Por isso, vamos por partes.

Em primeiro lugar, a suposição que está por trás de toda a teoria é a ideia errada de que as vacinas contém óxido de grafeno na sua composição — e, além disso, que a introdução de óxido de grafeno nas vacinas resultaria na transformação do produto numa espécie de dispositivo eletrónico como um “micro-chip” capaz de controlar o seu portador. Nada disso é verdade e já tem vindo a ser desmentido múltiplas vezes ao longo dos últimos meses. O Observador já publicou vários fact-checks que desmontam um conjunto de variações dessa teoria e que pode ler, por exemplo, aqui, aqui e aqui.

Desmontada a falsidade básica de que as vacinas contra a Covid-19 contém óxido de grafeno na sua composição, praticamente toda a efabulação que se segue no vídeo perde toda a sustentação. Ainda assim, o homem introduz um outro fator de desinformação novo: o de que a Pfizer teria registado a patente de um sistema para rastrear por controlo remoto as pessoas vacinadas.

Trata-se de uma notícia falsa recente que surgiu recentemente nas redes sociais e de que já têm surgido outras variações, incluindo publicações que incluem uma fotografia da suposta patente. Nessa fotografia, é possível ver um registo de patente científica norte-americano, efetivamente com data de 31 de agosto de 2021 (a mesma mencionada pelo homem do vídeo), para um conjunto de “métodos e sistemas para priorizar tratamentos, vacinação, testes e/ou atividades enquanto se protege a privacidade dos indivíduos”.

Nessa publicação é possível ver uma série de outras ideias propagadas pelo vídeo brasileiro, incluindo a referência às microondas, às torres telefónicas, ao grafeno e aos tecidos adiposos dos vacinados. Porém, toda esta história é também resultado de uma interpretação errada da patente — que existe e pode ser consultada integralmente aqui.

De acordo com a agência Reuters, a patente não tem qualquer relação com a Pfizer ou qualquer outra farmacêutica — nem sequer com as vacinas assim. Trata-se, na verdade, de uma patente registada por Gal Ehrlich e Maier Fenster, advogados de patentes israelitas, que diz respeito a um sistema de rastreamento de contactos com base nas ligações entre dispositivos eletrónicos. É um sistema similar àquele usado pela aplicação portuguesa StayAway Covid e usa os dispositivos eletrónicos dos cidadãos para avaliar o risco de terem sido expostos à doença, mas com a diferença de usar mais parâmetros e de gerar uma espécie de “pontuação” para medir o risco de cada pessoa.

Na patente, não há nenhuma referência ao óxido de grafeno, ao 5G, às microondas ou a qualquer outra das efabulações do vídeo. Aliás, a própria ligação entre a vacina e a tecnologia 5G, que está insinuada nesta publicação, também já foi amplamente desmentida (pode ler um fact-check do Observador sobre o assunto aqui).

Conclusão

A vacina contra a Covid-19 não contém óxido de grafeno nem qualquer dispositivo eletrónico destinado a controlar os passos dos cidadãos inoculados com o produto. Nem a Pfizer registou uma patente para um sistema de rastreio das pessoas vacinadas. Tudo o resto que consta do vídeo (incluindo as comparações com o Holocausto ou as absurdas ligações às torres telefónicas) não passa de teorias da conspiração sem fundamento científico.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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