No Facebook, circula o alegado relato de uma médica sobre uma situação envolvendo um jovem que esteve de férias nos Açores com um grupo de amigos. Depois da estadia no arquipélago, terá realizado seis testes à Covid-19, cada um deles apresentando um resultado diferente do anterior, variando entre o positivo e o negativo. O segundo teste terá tido um resultado inconclusivo. De acordo com o utilizador que partilhou esta informação na rede social, esta história será a prova da elevada margem de erro dos testes, que será superior a 80%. Será assim?

Em Portugal, os testes realizados para detetar o novo coronavírus são os recomendados pelas autoridades de saúde internacional, isto é, pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças e pela Organização Mundial de Saúde. No guia de testes à Covid-19 publicado no site do Serviço Nacional de Saúde, é garantido que estes são “seguros e fiáveis” e explica-se que, para o diagnóstico da doença, “está indicada a colheita de: amostras do nariz e garganta (trato respiratório superior)”. “É recolhida uma amostra do produto (exsudado) nasal (nasofaringe) ou da parte posterior da garganta (orofaringe), ou ambas, usando uma ‘espécie de cotonete’ (zaragatoa)”. Estes testes podem ser feitos em hospitais, em “pessoas com indicação para avaliação clínica hospitalar”, ou em “postos de colheita disponíveis na comunidade”.

A publicação do Facebook que alega que os testes à Covid-19 têm uma margem de erro superior a 80%

De acordo com um artigo publicado no site da revista Science, que dá conta de alguma desconfiança por parte de alguns cientistas relativamente aos testes rápidos, a maioria dos testes têm uma sensibilidade de 50% a 90%, o que significa que, segundo a revista, uma em cada duas pessoas pode receber um diagnóstico errado. Por altura da notícia de que os testes feitos pela Unilabs aos jogadores da Primeira Liga de futebol tinham dado falsos positivos, o laboratório, que refutou a existência de qualquer falha nos procedimentos, lembrou que não há nenhum teste com uma fiabilidade de 100%, mas que os falsos positivos são apenas cerca de 3%. “O teste tem 97% de especificidade e 83% de sensibilidade”, adiantou a Unilabs em maio.

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A sensibilidade é importante, porque permite concluir com maior exatidão se um indivíduo está ou não infetado com o novo coronavírus. Esta pode ser comprometida, nomeadamente se o teste for defeituoso, como o lote de 340 mil testes rápidos que o governo espanhol teve de devolver em março, à China, porque não funcionavam (em vez de uma sensibilidade de 80%, laboratórios concluíram que tinha uma de 30%), ou um conjunto de testes do fabricante Biocan Diagnostics, cuja venda o Infarmed se viu obrigado a suspender, em junho, depois de terem sido detetados dois falsos negativos.

Uma colheita mal feita pode também afetar a sensibilidade. “A técnica tem de ser feita corretamente, pois a sensibilidade com que nós detetamos depois o vírus depende muito de como a colheita foi feita”, explicou à RTP João Gonçalves, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. “Se a colheita for feita de uma forma em que traz pouca amostra, então, no final ,não conseguimos dar um resultado fidedigno”, adiantou ainda, apontando que “os profissionais de análises clínicas, enfermeiros, ou médicos têm já uma experiência de colheitas”.

Os falsos negativos são uma preocupação dos cientistas e um dos problemas apontados pelo post do Facebook. Ricardo Mexia, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, explicou ao Público que “é possível que haja um falso positivo se houve uma contaminação de amostras”, ou se o teste não foi realizado corretamente, por exemplo, se “a zaragatoa for usada de forma muito verticalizada, o que não permite que ela atinja a mucosa da nasofaringe”. Segundo João Gonçalves, “os testes bem feitos e fidedignos são aqueles que (…) trazem o material suficiente para fazer a análise”.

De acordo com um estudo da John Hopkins University, nos Estados Unidos da América, testar doentes no início da infeção pode também aumentar as hipóteses de obter um falso resultado negativo. “Independentemente de uma pessoa ter ou não sintomas, um teste negativo não garante que essa pessoa não esteja infetada”, afirmou,por altura da publicação da investigação na revista “Annals of Internal Medicine”, a médica Lauren Kucirka, uma das autoras do estudo, lembrando que “como reagimos e interpretamos um teste negativo é muito importante, porque colocamos outras pessoas em risco quando assumimos que o teste é perfeito”.

Apesar de todas estas condicionantes, muitos cientistas acreditam que não existem razões para se desconfiar dos resultados dos testes à Covid-19. Esta é também a opinião de Ricardo Mexia. Para o também presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, não há “razões para uma desconfiança generalizada quanto à fidedignidade dos resultados”, porque os testes são realizados em Portugal por laboratórios certificados.

Conclusão

Os testes realizados em Portugal à Covid-19 não têm uma fiabilidade de 100% – nenhum tem em nenhuma parte do mundo -, mas não é verdade que a margem de erro seja superior a 80% (será, antes, ao contrário). É sempre possível a existência de falsos negativos, pois existem algumas circunstâncias que podem afetar o resultado final dos testes. Muitos especialistas, no entanto, como é o caso de Ricardo Mexia, do Instituto Doutor Ricardo Jorge, estão confiantes de que não existem razões para “uma desconfiança generalizada”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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