São várias as publicações nas redes sociais em que os utilizadores alegam que as vacinas contra a Covid-19 não são recomendadas para quem tem diabetes por conterem, na sua composição, açúcar.
Numa das publicações em causa, um utilizador argumenta que “querem fazer das nossas crianças cobaias humanas”, juntamente com um vídeo, sem identificação do canal de comunicação social. No excerto, nenhum dos participantes se identifica. Numa pesquisa, conseguimos perceber que se trata do programa brasileiro “Pingo nos Is”, da rádio jovem PAN. Neste programa de 2022, era tratado o tema da imposição da toma da vacina com a participação de Paulo Faria, advogado e coordenador nacional do movimento Advogados pelo Brasil.
Desde já, a medicina não será o seu campo de estudo e trabalho. Em 2023, Paulo Faria é jornalista, advogado, e eleito Suplente de Deputado Federal pelo estado de Goiás. É abertamente “contra o passaporte vacinal”, como podemos verificar na descrição das suas redes sociais.
Numa entrevista de cerca de 20 minutos, é breve o momento em que o advogado fala da recomendação da vacina contra a Covid-19 para quem tem diabetes. No início do vídeo, o advogado Paulo Faria diz que “estão utilizando a falta de informação das pessoas, inclusive que a vacina da Pfizer contém, na sua composição, açúcar”. O advogado pergunta: “Então, como é que um pai, uma mãe, pode ter a segurança de utilizar um experimento vacinal desses se a própria vacina, na bula, diz claramente que não é recomendada para quem tem diabetes?”
Em causa está, assim, se a vacina para a Covid-19 contém açúcar e se é segura para quem tem diabetes. Vamos por partes. A vacina contra o vírus SARS-CoV-2 contém açúcar? O médico da Sociedade Portuguesa de Cardiologia José Pedro Sousa confirma que sim, que as vacinas contra a Covid-19 contém açúcar – “sejam elas de RNA, como a da Pfizer-BioNTech e a da Moderna, ou de partícula viral, como a da AstraZeneca”. Em concreto, explica que “contêm um tipo particular de açúcar a que se dá o nome sacarose, ou sucrose, e que corresponde, na prática, ao açúcar de mesa. Esta molécula é um excipiente muito utilizado em farmacologia clínica”. O especialista sublinha que o açúcar tem um propósito específico: “O de estabilizar a estrutura molecular da vacina, nomeadamente quando passa por um processo de congelação, essencial para o seu armazenamento”, conclui.
O cardiologista José Pedro Sousa também esclarece que a “diabetes mellitus é uma doença metabólica largamente incurável, degenerativa e potencialmente grave”. Por isso, a presença da patologia “adiciona uma variável de comorbilidade ao doente infetado pelo SARS-CoV-2, contribuindo, sobremaneira, para o maior risco de morbimortalidade a si associado”, explica. “É por este prisma de saúde populacional — o de doentes com maior risco basal terem ainda mais a ganhar com estratégias preventivas dirigidas — que as vacinas anti-SARS-CoV-2 são fortemente recomendadas a indivíduos com diabetes mellitus”.
José Pedro Sousa dá o exemplo de Portugal: “Concretamente, no nosso país, a Direção-Geral da Saúde (DGS) postulou já – por ocasião da campanha de vacinação sazonal para o Outono-Inverno de 2023-2024 – que devem as mesmas ser oferecidas a todos os doentes com diabetes mellitus com idade igual ou superior a 5 anos.” É uma informação também validada pelo imunologista do Instituto de medicina molecular Luís Graça.
Em outubro deste ano, a DGS publicou um artigo de perguntas e respostas sobre a vacinação contra a gripe e Covid-19. De facto, quanto à campanha de vacinação sazonal, a DGS explica que a “toma destas vacinas é aconselhada a pessoas com idade igual ou superior a 60 anos”, a “pessoas com 5 ou mais anos de idade, com patologias de risco definidas, como doença pulmonar crónica, doença cardiovascular ou diabetes”.
Luís Graça explica, desde logo, que, “neste momento, a confiança na segurança das vacinas é muito robusta porque já temos milhões de pessoas vacinadas em todo o mundo, milhões de pessoas vacinadas de todas as faixas etárias e pessoas vacinadas com muitos tipos de doenças diferentes, nomeadamente pessoas com diabetes”. Além disso, explica o profissional, “já existe um tempo de seguimento das pessoas vacinadas de muitos meses.”
O médico explica que a vacinação das pessoas com diabetes decorreu com toda a segurança. “Não só a formulação das vacinas é segura para as pessoas com diabetes, como a vacinação das pessoas com diabetes até foi recomendada numa fase inicial da campanha, justamente por essas pessoas terem um risco acrescido”, conclui.
Ana Gomes de Almeida, professora de Cardiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, confirma que as vacinas contra a Covid-19 podem conter açúcar, mas, para a profissional, “esse é um problema fácil de resolver, apenas necessitando de um ajustamento terapêutico transitório”.
A profissional considera que é legítimo discutir a relação das vacinas com a diabetes: “Uma meta-análise recente mostrou que alguns estudos revelaram risco de elevação dos níveis de açúcar nos diabéticos, enquanto outros encontraram ausência de efeitos a este nível.” Por outro lado, explica, “alguns estudos indicaram menor resposta na produção de anticorpos nos diabéticos em relação à população em geral, mas a vacina não é contraindicada e a diabetes retém as mesmas indicações de vacinação.”
A professora da Universidade de Lisboa sublinha que há ainda muita investigação a decorrer com o objetivo de identificar os fatores de risco para se poder perceber o risco em cada indivíduo, controlar e evitar complicações.
No mesmo sentido vai também Francisco Antunes. Num artigo publicado pelo Instituto de Saúde Ambiental (ISAMB), o Especialista em Doenças Infecciosas do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa explica que “a mortalidade devido às infeções/doenças infecciosas é, também, significativa”. O profissional aponta que as pessoas com diabetes “têm desregulação das defesas contra as doenças infecciosas (…) o que as coloca em risco para as infeções. Por exemplo, a hospitalização e a morte por pneumonia pneumocócica, gripe e, mais recentemente, por Covid-19 são (…) maiores em pessoas com diabetes, do que na população em geral saudável”.
Assim, e quanto à Covid-19, “as pessoas com diabetes têm risco acrescido de desenvolverem doença grave, em particular aqueles com hiperglicemia e cetoacidose, muitas vezes com controlo inadequado da diabetes”. Neste artigo, Francisco Antunes explica que quem tem diabetes deve “reconhecer a necessidade de vacinação contra a pneumonia pneumocócica, gripe e Covid-19”. O ISAMB sublinha que “todas as pessoas com diabetes devem saber da importância da vacinação contra a pneumonia pneumocócica, gripe e Covid-19, em particular aqueles com mais de 60 anos”.
O cardiologista José Pedro Sousa sublinha que as pessoas com diabetes podem registar um descontrolo, “tipicamente ligeiro”, dos seus níveis de glicémia capilar nos dias seguintes à toma da vacina, mas destaca que é pouco frequente. “Em circunstâncias raras, pode mesmo dar-se o caso de se documentar uma elevação dos seus níveis de hemoglobina glicosilada (de um dos melhores marcadores laboratoriais do controlo glicémico recente)”. Tal risco, explica o profissional, “deve levar os doentes com diabetes mellitus a monitorizarem, com redobrado cuidado, a sua glicémia nos dias subsequentes à toma da vacina anti-SARS-CoV-2”.
O cardiologista descansa as pessoas: “No entanto, o real impacto em saúde levantado por esta circunstância não perturba, minimamente, a relação benefício-risco francamente favorável que é imputada à administração vacinal na presença desta comorbilidade. Por outro lado, deverá registar-se que a infeção por SARS-CoV-2 constitui, ela própria, um agente de destabilização metabólica muito mais poderoso do que as suas vacinas, associando-se mesmo a um número superior de novos diagnósticos subsequentes não só de diabetes mellitus como também de dislipidemia e de hipertensão arterial, por exemplo.”
Conclusão
A vacina contra a Covid-19 é segura para as pessoas com diabetes. Sempre foi recomendada para diabéticos, uma vez que têm um fator de risco acrescido. Todas as pessoas com diabetes devem saber da importância da vacinação contra a Covid-19, em particular quem tem mais de 60 anos.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.