Uma partilha de Facebook sugere que há uma “estratégia dos corruptos do sistema” que “sentem ameaçado o seu feudo” e, por isso, André Ventura, líder do Chega, não terá lugar no Conselho de Estado. A ideia aparece numa publicação com um texto introdutório acompanhado de uma imagem com uma mensagem que, à boleia do princípio da “igualdade de tratamento”, questiona: “Se Francisco Louçã foi convidado para ser conselheiro da Presidência da República pelo facto de o BE se ter transformado na terceira força política, porque o mesmo convite não foi feito a AV [André Ventura] ainda?”

É verdade que o fundador e antigo coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, tem um lugar no atual Conselho de Estado, o órgão de consulta do Presidente da República. Mas isso não aconteceu porque o BE foi a terceira força política mais votada nas eleições de 2019.

A Constituição define qual a composição do Conselho de Estado no seu artigo 142º. É presidido pelo Presidente da República e composto pelo “presidente da Assembleia da República; o primeiro-ministro; o presidente do Tribunal Constitucional; o Provedor de Justiça; os presidentes dos governos regionais; os antigos presidentes da República eleitos na vigência da Constituição que não tenham sido destituídos do cargo; cinco cidadãos designados pelo Presidente da República pelo período correspondente à duração do seu mandato; cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da República, de harmonia com o princípio da representação proporcional, pelo período correspondente à duração da legislatura”.

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Em 2015, Francisco Louçã entrou para o Conselho de Estado precisamente pela quota do Parlamento, e manteve-se naquele órgão para lá de 2019, depois de novas eleições legislativas. Mas não há nada na lei que indique que esta escolha tenha alguma relação com o número de votos ou o lugar conseguido por determinado partido nas legislativas.

A lista de candidatos que vai a votos no Parlamento sempre que começa uma legislatura é fruto de um acordo entre os dois maiores partidos, PSD e PS, e a eleição dos cinco conselheiros é feita “segundo o sistema de representação proporcional”, de acordo com a Constituição. Isto significa que os cinco nomes propostos devem ser proporcionais à representação partidária no Parlamento a cada momento: entre o PSD e o PS, o mais votado apresenta três nomes e o outro dois. Depois, essa lista — ou listas, caso não exista acordo — vai a votos (voto secreto em urna).

O regimento detalha o método de eleição, na secção sobre a designação de titulares de cargos exteriores à Assembleia da República. “As candidaturas são apresentadas por um mínimo de 10 deputados e um máximo de 30 deputados”, determina o regimento sobre estes cargos, onde se incluem os conselheiros de Estado eleitos pelo Parlamento. No caso destes, aplica-se o sistema de representação proporcional, logo, “a eleição é por lista completa, adotando-se o método da média mais alta de Hondt”.

Em 2015, o partido mais votado foi o PSD, mas a maioria dos lugares de deputados estava nas mãos de PS, Bloco de Esquerda e PCP/PEV. Estes partidos tinham votos suficientes para aprovar ou reprovar propostas. A situação política dessa altura inviabilizou que PSD e PS se entendessem sobre uma lista conjunta e os partidos acabaram por avançar com listas separadas. O PSD indicou o nome de Francisco Pinto Balsemão e o de Adriano Moreira (o fundador do CDS entrou ao abrigo do acordo entre PSD e CDS) e o PS entregou uma lista com o nome do presidente do partido, Carlos César, e dois nomes que os socialistas cederam à esquerda, com quem tinham acabado de formar a “geringonça”. O acordo da esquerda acabou por ter também expressão ao nível do Conselho de Estado e foi nesse momento que Francisco Louçã, do BE, entrou neste órgão consultivo do Presidente, além do comunista Domingos Abrantes.

Em 2019, apesar de não ter sido reeditado o acordo para a “geringonça”, o PS continuava a precisar do PCP e do BE para ter uma maioria parlamentar suficiente para viabilizar orçamentos do Estado e o acordo para os nomes a indicar pelo Parlamento para o Conselho de Estado manteve-se. Foram apresentados os mesmos três nomes pelo PS.

Agora, com a maioria absoluta que conquistou nas eleições de 30 de janeiro de 2022, o PS prepara-se para mudar a prática dos últimos seis anos e, além de Carlos César, deverá indicar o histórico do partido Manuel Alegre. Resta um terceiro nome que o partido tem direito de indicar: pode ficar com ele ou ceder, mas apenas a um dos partidos à sua esquerda.

Não há nenhuma regra inscrita que determine que os nomes indicados pela Assembleia da República para o Conselho de Estado tenham de obedecer à ordem das forças mais votadas. Basta até olhar para exemplos recentes, como o de 2011, em que, depois das legislativas (que o PSD ganhou, com o PS em segundo e o CDS em terceiro), a lista de nomes eleita pelo Parlamento não incluiu ninguém indicado pelo democratas cristãos — e o PSD e o CDS até acabaram por formar Governo juntos. Os cinco indicados foram António José Seguro (PS), Manuel Alegre (PS), Luís Marques Mendes (PSD), Luís Filipe Menezes (PSD) e Francisco Pinto Balsemão (PSD).

Conclusão

A Constituição determina que cinco dos membros do Conselho do Estado são eleitos pela Assembleia da República, “de harmonia com o princípio da representação proporcional”. E o regimento da Assembleia da República define que as candidaturas a cargos exteriores “são apresentadas por um mínimo de 10 deputados e um máximo de 30 deputados” e que “a eleição é por lista completa, adotando-se o método da média mais alta de Hondt”. A tradição foi sempre que os eleitos saíssem de uma lista conjunta acordada pelas duas maiores forças políticas, PSD e PS. Isso não aconteceu em 2015, altura em que o PSD foi o partido mais votado, mas a esquerda tinha a maioria do Parlamento e os sociais-democratas recusaram-se a acordar com o PS uma lista que incluísse nomes do Bloco de Esquerda e do PCP (o que os socialistas queriam, no espírito da “geringonça”). A solução foi avançarem com listas separadas e o PS incluiu na sua os nomes de Francisco Louçã (BE) e de Domingos Abrantes (PCP), ao lado de Carlos César (PS). Não é, assim, verdade que Francisco Louçã tenha integrado o Conselho de Estado pelo facto de o Bloco de Esquerda ter sido a terceira força mais votada.

Além disso, não existe nenhuma regra da eleição deste órgão consultivo do Presidente que imponha que o terceiro partido mais votado nas legislativas tenha direito a um conselheiro de Estado, como esta publicação sugere sobre o Chega, que foi o terceiro mais votado nas legislativas de 30 de janeiro. Os cinco conselheiros indicados pelo Parlamento são fruto de eleição.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

 FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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