As consequências das eleições legislativas já começam a fazer-se sentir nos principais cargos de influência política. Com a maioria absoluta e a morte definitiva da geringonça, o PS pode voltar a reclamar os lugares que costuma indicar — e que tinha, nos últimos anos, negociado com a esquerda –, havendo já um regresso em cima da mesa: o do histórico socialista Manuel Alegre ao Conselho de Estado.

A possibilidade de Alegre regressar ao órgão consultivo da Presidência da República estará a ser avaliada ao mais alto nível no PS, estando a decisão nas mãos de António Costa e Carlos César, sabe o Observador. Já Alegre, contactado pelo Observador, não exclui essa hipótese, embora afirme que “nada em concreto” está, para já, fechado. Uma vez que César será, como se recorda no PS, o “elemento fixo” no Conselho de Estado, as maiores dúvidas da cúpula socialista recaem sobre o terceiro nome.

Geralmente, o partido mais votado tem direito a indicar três nomes para este órgão, sendo que em 2015 e 2019, ainda no espírito da geringonça, o PS decidiu acolher as sugestões dos partidos à sua esquerda e indicar o histórico comunista Domingos Abrantes e o fundador bloquista Francisco Louçã para se sentarem ao lado de César no órgão de Belém (do lado direito, ficaram em 2015, por indicação do PSD, Francisco Pinto Balsemão e Adriano Moreira e, desde 2019, Balsemão e Rui Rio).

Geringonça interrompeu tradição de lista única

Até aí, a tradição ditava que PSD e PS chegassem a uma lista de cinco nomes que era, depois, validada pelo voto secreto, em urna, dos deputados. Em 2015, a maioria no Parlamento era de esquerda, embora o PSD fosse o partido mais votado, o que levou a que a lógica mudasse — o PSD teria direito à maioria dos lugares, se a lógica fosse partidária; mas a esquerda teria direito à maioria, tendo em conta a representação parlamentar.

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O PS entendia então que a esquerda também deveria ficar representada no órgão, e tanto BE como PCP manifestaram essa vontade e indicaram os dois nomes para uma lista construída com os socialistas, por oposição da lista desenhada à direita. Em 2019 a lógica das conversas entre PS, BE e PCP foi a mesma, mas regressando ao formato da lista única, consensualizada entre os partidos.

Com o fim da geringonça e o PS absoluto, colocou-se agora a hipótese de os socialistas quererem reclamar para si de novo os lugares no Conselho de Estado, acabados os anos de negociação à esquerda — que tiveram reflexo tanto no Conselho de Estado como na indicação de nomes para o Tribunal Constitucional.

O Bloco de Esquerda tinha esperança de manter Louçã no órgão consultivo, como explicava esta semana o Observador, frisando-se dentro do partido que esta seria uma boa oportunidade para o PS mostrar que será dialogante, apesar de ter conquistado a maioria absoluta. No entanto, a confirmar-se a indicação de Alegre e tendo em conta que César tem o assento seguro, restaria apenas um lugar — mesmo que o PS decidisse cedê-lo a um dos partidos à sua esquerda, o outro perderia a representação que atualmente tem.

Esquerda arrisca perder cargos de influência para PS. BE quer manter Louçã no Conselho de Estado

O histórico socialista e poeta Manuel Alegre já fez, de resto, parte do órgão que aconselha o Presidente da República, tendo saído em 2015 para dar lugar a Carlos César. Na altura, o próprio confirmou ao Diário de Notícias que chegara a ser convidado mas que a “tradição” ditava que o número um fosse ou o secretário-geral do PS — e Costa já tem assento, por inerência, por ser primeiro-ministro — ou o presidente do partido, que já então era César. E Alegre dizia-se “contente” por no seu lugar ir “um representante do Bloco de Esquerda ou do PCP.”

A lei determina que o Conselho de Estado, além das inerências e das escolhas do próprio Presidente, inclua “cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da República, de harmonia com o princípio da representação proporcional”, escolhidos no princípio de cada legislatura. De acordo com o método de Hondt, que o regimento da Assembleia da República impõe, geralmente são os dois maiores partidos — PS e PSD — que conseguem indicar e eleger esses nomes.