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A economia e os operários. Segunda paragem: Saint Louis, uma exceção democrata num estado agrário e industrial |
“It’s economy, stupid!” A frase ficou cunhada na política norte-americana por Jim Carville, membro da campanha de Bill Clinton que ajudou o antigo Presidente a preparar-se (e a vencer) as eleições presidenciais de 1992. A expressão aponta para uma realidade já há muito conhecida por quem ambiciona chegar à Casa Branca: durante a campanha, não podem fugir dos assuntos económicos. Entre promessas e dados como a taxa de inflação, os candidatos esforçam-se para mostrar aos eleitores que o seu bolso vai sair beneficiado se votarem neles. |
Nestas eleições de 2024, os candidatos partem de pontos muitos diferentes, mas com algum em comum: o legado. Como parte integrante da administração Biden, Kamala Harris é o seu rosto — e o seu nome está inevitavelmente ligado às políticas económicas do Presidente norte-americano. Ainda assim, a democrata pretende mostrar que também tem ideias próprias e insiste num plano ligeiramente diferente do de Joe Biden. Já Donald Trump tem recordado os tempos do seu mandato, alegando que geria melhor a economia que o seu sucessor. O magnata apresenta como exemplos a subida dos preços dos combustíveis, dos alimentos e até da roupa para provar que os democratas — em particular a sua rival — não fizeram um bom trabalho. |
Estes argumentos de Donald Trump não deverão ser ouvidos com atenção em Saint Louis, a segunda paragem da nossa viagem pela Route 66 nesta newsletter “Até à Casa Branca”, em que o Observador se deterá em várias cidades norte-americanas travessadas pela mítica estrada que cruza os EUA, analisando vários temas que marcam esta campanha. A cidade de Saint Louis, a que tem mais habitantes do estado do Missouri e uma das principais na região do Midwest, é um bastião democrata desde os anos 50. Nas últimas presidenciais, Joe Biden venceu com 82%, o segundo melhor resultado de sempre para o partido. Apenas Barack Obama, em 2008, tinha conseguido um pouco mais: 83%. |
Em 2023, Saint Louis acolhia sete sedes das 500 empresas mais lucrativas dos Estados Unidos da América, como mostra a tabela da Forbes. Além disso, empresas como a Boeing tem lá escritórios, empregando cerca de 15 mil pessoas. A população da cidade é urbana, de classe média e a maioria frequentou a universidade. Além disso, Saint Louis tem quase o mesmo número de habitantes brancos e negros. É neste tipo de localidades que Kamala Harris é mais popular e, por tudo isto, a democrata não deverá ter grande dificuldades em repetir as vitórias esmagadoras de Barack Obama e Joe Biden. |
Contudo, a cidade de Saint Louis é uma das exceções dentro de um estado que vota no Partido Republicano. Nas últimas décadas, o Missouri tinha a fama de ser um swing state, mas, recentemente, os republicanos ganharam terreno, principalmente desde que Donald Trump se candidatou à Casa Branca. O magnata venceu o estado em 2016, infligiu uma das piores derrotas de sempre aos democratas e, quatro anos depois, ainda obteve mais votos. Mas as atuais sondagens, como esta realizada pela Universidade de Saint Louis em agosto, dão a vitória ao ex-Presidente no Missouri com 54% dos votos, ao passo que Kamala Harris se fica pelos 41%. |
Fora das grandes cidades e dos setores de serviços, a população do Missouri trabalha no setor primário ou secundário da economia — os grandes motores económicos destas regiões mais agrárias e industriais. É maioritariamente branca, não frequentou a universidade e geralmente é mais pobre do que a média do país. É, portanto, mais suscetível de mudar o seu sentido de voto consoante o estado da economia. Muitos eleitores ‘colarinhos azuis’, como são conhecidos no jargão político, votaram em Donald Trump há quatro e há oito anos, podendo fazê-lo novamente em novembro. |
Como explica Arlie Russell Hochschild, professor emérito de Sociologia na Universidade de Berkeley na Califórnia, as mudanças recentes na economia — fortemente dependente do setor terciário — trouxe desânimo ao eleitorado ‘colarinho azul’. “O que quer que eles façam, eles sentem-se em declínio em relação ao seus parceiros urbanos e que andaram na universidade”, lê-se num artigo daquele docente universitário publicado na revista Time. Mais: a qualidade de vida dos seus pais era melhor do que a sua atualmente. |
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Por exemplo, no Missouri, a sondagem já referida, da Universidade de Saint Louis, revela que, em agosto, 45% dos inquiridos fez uma avaliação negativa da economia norte-americana. Apenas 31% tem uma perceção positiva sobre a situação económica. Já 24% diz que é razoável. Muitas destas ideias estão associadas inevitavelmente ao aumento de custo de vida: o preço dos alimentos aumentou 28% em apenas cinco anos, os medicamentos 20% e as roupas também 20%. |
Aproveitando-se destes dados, Donald Trump tem frequentemente acusado Kamala Harris e Joe Biden de terem sido os responsáveis pelo “pior aumento da taxa de inflação da história norte-americana”. Mas o Presidente norte-americano também recorda que herdou uma situação económica complicada (até fala numa taxa de inflação de 9%, algo que foi desmentido), devido aos últimos meses do mandato de Trump. |
Outro dos pontos da campanha do Partido Republicano para estas presidenciais consiste em questionar a política externa de Joe Biden, principalmente num tom específico: os pacotes de ajuda militar e financeira que o Presidente norte-americano cedeu à Ucrânia. Em termos militares apenas, foram mais de 55 mil milhões de dólares (cerca de 49 mil milhões de euros). Perante estes números, os republicanos têm passado a ideia de que é um “cheque em branco” e Donald Trump chegou, recentemente, a criticar: “Acho que Zelensky é o melhor empresário da História. Quando vem aos Estados Unidos, sai sempre com milhões de dólares”. |
Neste passa-culpas constante entre republicanos e democratas, há que ter em consideração a conjuntura internacional vivida por ambos. Como recorda Mark Zandi, economista-chefe na Moody’s, nem “Trump, nem Biden são culpados pela inflação elevada”. “A culpa vai para a pandemia e a guerra da Rússia na Ucrânia”, sinalizou, em declarações à CNBC. Ao mesmo órgão de comunicação social, Stephen Brown, vice-diretor da Capital Economics, lembra ainda que as “taxas elevadas de inflação” se devem “às tendências globais do que propriamente ações específicas políticas de qualquer governo”. |
Apesar da conjuntura claramente desfavorável, a economia não deixa de ser uma arma de arremesso nesta campanha das presidenciais. Para Donald Trump, a ideia é mostrar que, durante o seu mandato, a gestão da economia era mais eficiente e o custo de vida não aumentou, seduzindo os que estão a sofrer mais com o aumento de custo de vida, como as populações rurais e industriais do Missouri. Para Kamala Harris, o objetivo é mostrar que a administração Biden conseguiu dar resposta e incentivos à economia, como se vê pelo dinamismo económico de Saint Louis, e revelar um plano que a distinga — nem que seja ligeiramente — do atual Presidente. |
O que aconteceu esta semana? |
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- Kamala Harris aceita convite para novo debate a 23 de outubro. Donald Trump fecha a porta
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O debate de 10 de setembro deverá ter sido mesmo o único e último entre Kamala Harris e Donald Trump. Embora a democrata tenha aceitado o convite da CNN para um frente a frente com o republicano a 23 de outubro: “Espero que Donald Trump me acompanhe”, escreveu a vice-presidente na sua conta pessoal do X. Mais tarde, disse, num evento organizado e apresentado por Oprah Winfrey, que debater com o rival à Casa Branca foi uma experiência “divertida” e que era importante que os norte-americanos tivessem outra oportunidade para ver o confronto de ideais entre os dois. |
Porém, Donald Trump fechou a porta a essa possibilidade, escudando-se na justificação de que é “demasiado tarde para organizar um novo debate”. O republicano lembrou que a votação antecipada “já começou” e que seria injusto para os eleitores que já votaram serem agora expostos a um novo frente a frente. |
Dias depois do primeiro debate entre os dois (sendo que Donald Trump já havia debatido com Joe Biden no final de junho, no frente a frente que levou à desistência do democrata da corrida à Casa Branca), o republicano já havia esclarecido que não enfrentaria mais Kamala Harris, acusando a adversária de querer uma “desforra” porque, segundo o magnata, tinha perdido o debate de 10 de setembro. |
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- Donald Trump recusa corrida à Casa Branca nas eleições presidenciais de 2028
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O candidato republicano desvendou os seus planos para o futuro a longo prazo. Em 2028, Donald Trump não vai participar na corrida à Casa Branca. “Não, não me vejo lá, não me vejo lá. Não consigo imaginar de todo”, frisou. |
Mas se Donald Trump vencer as eleições do próximo dia 5 de novembro, isso obriga mesmo que a não se possa recandidatar. O republicano atinge o limite dos dois mandatos e, por conseguinte, uma reeleição seria, à luz da atual Constituição norte-americana, impossível. |
A situação é diferente, caso perca. Poderia concorrer. Mas ao ser derrotado nas urnas novamente pelos democratas, Donald Trump anunciou que fecha a porta à possibilidade de voltar a concorrer à Casa Branca. Na verdade, se em 2028 decidisse novamente ser candidato, o republicano teria 82 anos. |