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Gaza e a Ucrânia. Oitava paragem: Los Angeles e como a política externa pode afetar a eleição |
Imensos estudantes em tendas. Protestos e até distúrbios nos campus. Nas melhores universidades dos Estados Unidos da América (EUA), milhares de jovens protestaram contra o apoio militar norte-americano a Israel. As autoridades norte-americanas detiveram mais de três mil alunos entre abril e maio, mas as manifestações acabaram por se estender a outras partes do Ocidente, num gesto de defesa à causa palestiniana. |
O assunto ganhou inevitavelmente mediatismo. O Presidente Joe Biden, e na altura candidato à Casa Branca, tentou acalmar os ânimos, assinalando que existe o “direito aos protestos”, mas não o “direito de criar caos”. Donald Trump foi bastante mais crítico, prometendo acabar imediatamente com aqueles protestos. Mas nenhum colocou sequer em causa terminar com o apoio dos Estados Unidos a Israel. |
Em cidades mais progressistas dos Estados Unidos, as que concentram o maior número de população que professa o islamismo, têm sido lançadas várias críticas à administração Biden pelo fornecimento sem limites de armamento a Israel. É num desses locais que o Observador faz a sua oitava paragem pela Route 66: Los Angeles, na Califórnia. |
A Califórnia, Estado natal de Kamala Harris, é hoje um bastião democrata. Desde as vitórias de Ronald Reagan e George Bush pai, os republicanos nunca mais venceram as presidenciais aqui. Aliás, a diferença foi aumentando ao longo das décadas. Enquanto Bill Clinton em 1992 obteve 46%, Joe Biden angariou, 28 anos depois, 63% dos votos. Assim, os eleitores muçulmanos, por muito que estejam frustrados com a gestão do conflito na Faixa de Gaza, não terão qualquer impacto no resultado californiano. |
A situação é diferente em outras partes do país, principalmente nos swing states. O Michigan é o exemplo mais paradigmático. Com 2,1% de população muçulmana, esta minoria pode decidir se é Kamala Harris ou Donald Trump quem sai vitorioso no Estado. “Em estados como o Michigan, a Pensilvânia ou o Wisconsin, em que as eleições foram decididas por uma margem pequena em 2016 e 2020, mudanças modestas no eleitorado podem ter um impacto enorme”, afirmou à Newsnow Chris Borick, professor de Ciência Política na Universidade de Muhlenberg. |
Tipicamente, o eleitorado muçulmano vota no Partido Democrata. Em 2024, existe o risco de isso não acontecer por causa da gestão da guerra em Gaza. “Há um segmento da população nesses Estados em que o assunto é muito importante”, continua Chris Borick. E não é que haja uma transferência de voto desses eleitores para os republicanos, já que o partido de Donald Trump ainda é mais vocal no seu apoio a Israel. Mas os eleitores preferem abster-se ou votar num terceiro candidato, o que acaba por ser uma vantagem para o Partido Republicano. |
“A eleição presidencial deverá ser renhida, como têm sido as últimas. O sucesso de um candidato vai depender, em larga medida, da taxa de participação”, corrobora Michael Traugott, professor de Ciência Política na Universidade do Michigan, à Newsnow, acrescentando que quem está contra a política da administração Biden não deverá votar em Trump. Porém, “podem ficar em casa e isso causar um efeito na proporção dos votos”. |
Ciente desta possível perda do eleitorado, a democrata tem-se desdobrado em apelos para um cessar-fogo em Gaza e no Líbano, assim como tem defendido a solução de dois Estados. Numa das últimas ações de campanha na Universidade do Michigan este domingo, Kamala Harris reconheceu que o último ano tem sido “difícil” para a comunidade árabe-americana, por causa da “escala da destruição em Gaza”. |
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“É devastador e, como Presidente, farei de tudo ao meu alcance para acabar com a guerra em Gaza, para trazer os reféns de volta a casa, terminar o sofrimento em Gaza, assegurar que Israel está seguro e o povo palestiniano pode concretizar o seu direito à dignidade, liberdade, segurança e autodeterminação”, frisou Kamala Harris. O discurso é equilibrado e tenta conjugar o desejo securitário israelita com a aspiração da independência do Estado Palestiniano. |
Se isso agrada aos eleitores de centro, talvez seja menos cativante para os mais progressistas. Muitos democratas da ala esquerda demonstram insatisfação com as políticas da administração Biden em relação a esse assunto, da qual Kamala Harris faz parte. Um dos representantes da fação mais à esquerda, o senador Bernie Sanders, até gravou um vídeo a apelar ao voto, mesmo que se “discorde da posição” da candidata presidencial na guerra de Gaza. |
Com Donald Trump, o discurso é menos crítico das ações de Israel. Um especialista israelita em política norte-americana, Shmuel Rosner, considera, em declarações à NPR, que, caso o republicano vença as eleições, Israel “vai sentir-se mais livre” para levar prosseguir a guerra “da maneira que quer”. Por isso, é difícil que os eleitores muçulmanos estejam tentados a votar no Partido Republicano. |
Há outro assunto na política externa que também pode levar à perda de votos — mas afeta mais Donald Trump do que propriamente Kamala Harris. A questão ucraniana. O antigo Presidente prometeu que vai terminar com a guerra da Ucrânia em 24 horas, não precisando de que forma o vai fazer. Isso, juntamente com alguns elogios que tem feito a Vladimir Putin, indicam que o magnata poderá obrigar Kiev a fazer cedências territoriais, terminando o conflito com uma vitória para a Rússia. |
No debate a 10 de setembro entre Kamala Harris e Donald Trump, que decorreu na Pensilvânia, a democrata aproveitou para questionar: “Porquê é que não diz aos 800 mil norte-americanos com origem polaca na Pensilvânia o que rapidamente cederia [na Ucrânia] em favor do que pensa ser uma amizade com um ditador que o comeria ao almoço?” Com este ataque, a democrata queria aproveitar-se do sentimento de animosidade face à Rússia que muitos polacos sentem e que se exarcebou após a guerra na Ucrânia. |
Kamala Harris tem prometido, contrariamente ao adversário, manter o apoio militar e financeiro à Ucrânia. Já com Donald Trump, existem várias incógnitas, como assinala o analista político ucraniano Oleksandr Kovalenko ao New York Times: “Donald Trump é completamente imprevisível — de forma negativa ou positiva. Trump pode bloquear totalmente a ajuda à Ucrânia, ou pode de forma imprevisível tomar um posicionamento em que que ajuda a Ucrânia de uma forma que nem Joe Biden, nem Kamala Harris fariam”. |
Se Donald Trump é mais imprevisível, o seu vice-presidente, JD Vance, é menos. Bastante crítico do auxílio norte-americano a Kiev, o número ‘dois’ dos republicanos não tem pudor em apoiar o seu fim e a defender que a Rússia deve manter os territórios ocupados na Ucrânia, sob condição de manter uma zona desmilitarizada. |
Embora sendo um tema que está a ser olhado com grande atenção pelo resto do mundo, os eleitores norte-americanos não dão grande importância à política externa — e não será isso que, em princípio, definirá o seu sentido de voto. Uma sondagem da YovGov, publicada no final de outubro, mostra que apenas para 15% dos eleitores de Kamala Harris e 24% dos votantes em Donald Trump esse é o tópico que mais importa. Assuntos como a economia, a saúde, o crime, o ambiente e a educação são assuntos com maior peso no momento em decidir em que se vai votar. |
Mas apesar de não ser um fator determinante para a maioria dos eleitores, para alguns, em particular os eleitores de origem muçulmana, o assunto pode definir se vão ou não votar. Em Estados como a Califórnia, essa dinâmica não tem relevância. Mas em swing states, em que todos os votos fazem a diferença, a gestão da política externa pode ser fulcral para a vitória de um dos candidatos. |
O que aconteceu esta semana? |
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- Kamala Harris distancia-se de Joe Biden — e faz questão de enfatizar que os eleitores do magnata não são “lixo”
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Figura praticamente ausente da campanha democrata, Joe Biden cometeu uma gaffe que obrigou Kamala Harris a distanciar-se do atual Presidente. Numa entrevista em que defendeu os habitantes de Porto Rico após um comediante ter apelidado o território de “ilha flutuante de lixo” num comício de Donald Trump, o Chefe de Estado apelidou os apoiantes do republicano como “lixo”. |
Tentando conter os danos e evitando que o adversário ganhasse um trunfo, Kamala Harris reagiu e disse “discordar totalmente” em destratar as pessoas com base em quem é que elas votam. |
“No trabalho que faço tento representar todas as pessoas, quer me apoiem, quer não, e como Presidente dos Estados Unidos serei a Presidente de todos os norte-americanos, quer tenham votado em mim ou não”, disse Kamala Harris. |
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- Donald Trump aproveitou a deixa, vestiu um colete e conduziu um camião
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Para mostrar a sua indignação com os comentários de Joe Biden e aproveitando a onda mediática, Donald Trump conduziu um camião do lixo e vestiu um colete fluorescente numa ação de campanha. Depois, num comício, o republicano também vestiu a mesma indumentária. |
No comício, Donald Trump fez questão de realçar que “250 milhões de norte-americanos não são lixo”. “Esta semana, a Kamala tem comparado os seus oponentes políticos aos mais malvados assassinos na História e, agora, o desonesto Joe Biden finalmente disse o que ele e Kamala pensam sobre os nossos apoiantes. Ele chamou-os de lixo”, disse o republicano. |
“A minha resposta ao Joe e à Kamala é muito simples. Não se pode liderar a América se não se ama os norte-americanos. Não se pode”, sublinhou. |