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O que faz um chefe de gabinete de um Presidente dos EUA? |
Puxe pela memória e recue até ao dia em que se estreou no seu local de trabalho, que eu faço o mesmo. Quando lá chegou, foi recebido pelos seus superiores (os que o entrevistaram) e apresentado aos seus colegas e, depois, ‘toca a trabalhar’? Comigo foi assim, pelo menos. Provavelmente, consigo também. |
Mas com Rahm Emanuel o caso foi bem diferente. Quando chegou ao seu futuro local de trabalho, no final de 2008, tinha à sua espera uma reunião com 12 pessoas que tinham passado pelas mesmas funções. Um a um, cada um daqueles homens deu-lhe conselhos para o cargo que estava prestes a assumir. |
Não foi assim consigo, pois não? Comigo também não. Mas é que nem eu nem o caro leitor chegámos a chefe de gabinete do Presidentes dos EUA — ao contrário de Rahm Emanuel e daqueles outros 12 homens que, em tempos, tiveram aquele que é provavelmente o segundo emprego mais exigente de Washington D.C., atrás apenas de ser Presidente. |
Mas, afinal de contas, o que faz o chefe de gabinete? |
Faz muitas coisas. |
Por um lado, há as tarefas “da casa”, que passam por escolher e gerir todo o staff político da Casa Branca — entre 26 organismos, que vão desde temas como a segurança nacional às drogas, passando pela economia e pela articulação com a vice-presidência. Depois, há as tarefas ligadas diretamente ao Presidente e à gestão do seu dia, o que implica controlar quem pode ou não entrar na Sala Oval e que informação é que é posta sob os seus olhos ou que lhe chega aos ouvidos. Para lá disso, há também o lado político destas funções, que passa por negociar com o próprio executivo, com as duas câmaras do Congresso ou grupos da sociedade civil. |
Por esta altura, o homem escolhido por Joe Biden para seu chefe de gabinete — Ron Klain, que já fora seu chefe de gabinete enquanto vice-Presidente — já terá lido ou estará para ler o livro “The Gatekeepers”, do jornalista e autor Chris Whipple. É nele que está descrita a reunião acima referida, com Rahm Emanuel a sentar-se lado a lado com chefes de gabinete que foram de Jimmy Carter ao Presidente que então se preparava para sair da Casa Branca, George W. Bush. Ali, num gesto raro naquelas coordenadas, aconselharam o novato de forma sincera e desinteressada. |
Uns falaram-lhe da necessidade de defender o Presidente. Jack Watson, que foi chefe de gabinete de Jimmy Carter, descreveu aquele cargo como o de um “apanhador de dardo” — por dolorosa e perigosa oposição ao olímpico atirador de dardo. John Sununu, chefe de gabinete de George H. W. Bush, disse-lhe que era fulcral criar “uma parede de fogo entre o Presidente e aqueles que lhes querem lançar as garras”. |
Outros sublinharam que, além de defender o Presidente, é preciso saber dizer-lhe a verdade. “Diz-lhe sempre o que ele não quer ouvir porque, com franqueza, muitas pessoas na Casa Branca vão dizer sempre ao Presidente aquilo que ele quer ouvir”, aconselhou Leon Panetta, que trabalhou com Bill Clinton. E Andrew Card, que foi chefe de gabinete de George W. Bush, recordou o que disse ao homem que serviu: “Enquanto for seu chefe de gabinete, não posso ser seu amigo”. |
E houve também quem dissesse a Rahm Emanuel para se proteger a ele próprio. Foi, em parte, esse o conselho de Dick Cheney, homem conhecido por ter sido o vice-Presidente de George W. Bush e o homem mais influente nessas funções, mas que, antes disso, entre 1975 e 1977, foi chefe de gabinete de Gerald Ford. O conselho, vindo de quem veio, levou a mesa a dar uma gargalhada coletiva: “Custe o que custar, controle o seu vice-Presidente”. |
No final de contas, Rahm Emanuel acabou por absorver aqueles conselhos, mas nem por isso escapou à dureza do cargo. A descrição que fez a Chris Whipple para o livro “The Gatekeepers” não é particularmente diferente daquela que fizeram os outros homens que exerceram as mesmas funções, mas, ainda assim, bastante elucidativa: “Estás ao telefone no regresso a casa. Estás ao telefone durante o jantar, estás ao telefone quando lês uma história de embalar aos teus filhos — e adormeces antes de o livro acabar. E depois acordas por volta das 3 da manhã com algo mau que está a acontecer num sítio qualquer do mundo”. |
Rahm Emanuel acabaria por durar 1 ano e 254 dias no cargo, o que até não é um mau registo. Nos oito anos de Barack Obama, outros quatro (um deles interino) seguir-lhe-iam as pisadas — com destaque para Denis McDonough, que conseguiu o feito de se aguentar no cargo durante um mandato inteiro, isto é, o segundo do 44º Presidente dos EUA. |
Com Donald Trump, a conta de chefes de gabinete vai em quatro: Reince Priebus (192 dias); John Kelly (1 ano e 154 dias); Mick Mulvaney (interino, mas que durou 1 ano e 89 dias); e Mark Meadows, que deu entrada a 31 de março e deverá ficar no cargo até à tomada de posse de Joe Biden como Presidente, a 20 de janeiro de 2021. Quanto à demora de Trump para aceitar a própria derrota e permitir um processo de transição ordeiro a Joe Biden, John Kelly pronunciou-se a 14 de novembro, numa rara tomada de posição sobre o seu ex-chefe. “Atrasar a transição aumenta a crise nacional de segurança e a crise sanitária. Não custa nada a atual administração começar a partilhar informação com Biden, Harris, o novo chefe de gabinete e todos os membros de governo já identificados”, escreveu Kelly. Desta vez, Donald Trump não reagiu — mas, quando o seu antigo chefe de gabinete tinha sido citado indiretamente num artigo onde Trump era acusado de chamar “falhados” a soldados mortos em combate, o Presidente ainda em funções descartou-o. “Ele não fez um bom trabalho, não tinha temperamento e acabou por desaparecer”, disse. “Ele estava exausto.” |
Não é, como qualquer pessoa que passou por aquele cargo dirá, um emprego propriamente fácil. A título de exemplo, Dick Cheney atribui à sua passagem pela Casa Branca de Gerald Ford a causa do seu primeiro ataque cardíaco. Outra pessoa que também teve razões de queixa já cá não está para contar essa história: H. R. Haldeman, o chefe de gabinete de Richard Nixon. Aquele sempre se descreveu como “o filho da mãe do Presidente” acabou por ter sido gravado numa conversa com Nixon onde ficou claro que a Casa Branca estava a utilizar a CIA para desviar as atenções do FBI na investigação do caso Watergate. No final de contas, H. R. Haldeman cumpriu 18 meses na prisão pelos crimes de falso testemunho, conspiração e obstrução à justiça. |
No seu livro “The Ends Of Power”, Haldeman tentou passar uma imagem de ingenuidade: “Olhando para trás, devo admitir que decerto havia vários sinais que, se eu lhes tivesse prestado atenção, me levariam pelo menos a pensar no que é que se estava a passar”. Porém, esse é um relato com que poucos alinham. No livro “The Gatekeepers” são vários os ex-chefes de gabinete que, sabendo o que sabem daquelas funções, garantem que H. R. Haldeman sabia o que se estava a passar. E que o problema foi que ele não soube pôr um ponto final a tudo aquilo — outra função importante, e por vezes ignorada, dos chefes de gabinete. |
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O passado de Joe Biden e Kamala Harris |
Quem olhar para Joe Biden e Kamala Harris hoje em dia verá acima de tudo sorrisos — mas a verdade é que os dois protagonizaram um dos momentos mais duros das eleições primárias do Partido Democrata. Tudo aconteceu a 26 de julho de 2019, quando vários candidatos se juntaram para um dos primeiros debates daquela corrida. Ali, Kamala Harris pediu licença para falar sobre “raça”, já que era “a única negra no palco”. |
Harris falou num registo autobiográfico. Primeiro, falou do vizinho que dizia ao filho para não brincar com ela e a irmã — “porque éramos negras”. E depois, inesperadamente, disse: “Vou dirigir isto ao vice-Presidente Biden”. O que veio a seguir foi ainda mais inesperado. É verdade que disse “não acredito que você seja racista”, mas depois recordou como Joe Biden negociou com republicanos que se opunham ao fim da segregação das escolas, que foi possível com o transporte de crianças negras em autocarros escolares para estabelecimentos de ensino até aí exclusivamente brancos. |
“Havia uma menina na Califórnia que fez parte do segundo ano que integrou essas escolas. Essa menina era levada todos os dias de autocarro para a escola”, disse Kamala Harris, virada para os moderadores. Depois, devolvendo o olhar para Joe Biden, disparou, já com a resposta pronta: “E essa menina era eu”. |
Quando ouviu aquelas últimas palavras, Biden fez o que ainda não tinha feito: olhou para a sua adversária. Dali houve várias ondas de choque, repercutidas sobretudo num momento de má imprensa para o ex-vice-Presidente (cujo passado legislativo enquanto senador foi, então, vasculhado) e de impulso nas sondagens por parte de Kamala Harris. O momento “e essa menina era eu” foi até capitalizado pela sua equipa de campanha, que passou a vender t-shirts com essa frase e uma fotografia da vice-Presidente eleita em criança. |
No final de contas, porém, por mais forte que tenha sido, aquele não foi um momento definidor. Kamala Harris viria a suspender a sua campanha bem antes do início das primárias, a 10 de outubro de 2020; Joe Biden sobreviveria àquele mau período e, numa altura de ascensão quando já era, na prática, o vencedor das primárias, chamou Harris para o seu lado. Desde então, tem sido só sorrisos. |
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Michael Rodrigues, senador democrata. “Precisávamos de um centrista” |
Estreamos aqui uma nova rubrica desta newsletter, na qual entrevistamos vozes luso-americanas que estão bem posicionadas para falar de temas fulcrais para os EUA de hoje em dia. Para começar, fui tentar perceber o que pode ser o futuro do Partido Democrata agora que passará a ter a Casa Branca do seu lado. Para responder a esta e outras questões, falei com Michael Rodrigues, senador estadual do Massachusetts. Filho de pai português (com origens lisboetas e em Mangualde), Michael Rodrigues tem 61 anos e é do Partido Democrata. Falámos na sexta-feira, via Zoom, numa conversa totalmente feita em inglês, com duas exceções. Primeiro, quando Michael Rodrigues me disse “eu não falo bem português”. E depois quando disse: “I’m an avô, now”. Parabéns, então. |
Uma vitória de Biden pode unir o Partido Democrata em torno do Presidente eleito ou as divisões entre moderados e a ala mais à esquerda podem dificultar isso?
Vejo o partido unido em torno de Joe Biden. Dito isso, o Partido Democrata é um guarda-chuva muito grande, que abriga desde a extrema-esquerda (de Alexandria Ocasio-Cortez e Bernie Sanders) até aos centristas (como Joe Biden). E vê-se o mesmo no Partido Republicano. Há uma divisão profunda nos EUA de hoje em dia. O Partido Republicano foi tomado pelos populistas de extrema-direita que apoiaram Donald Trump e, felizmente, o Partido Democrata está mais ao centro com Joe Biden. Na minha opinião, com democratas mais esquerdistas seria criada uma animosidade maior no início deste mandato presidencial. Precisávamos de um centrista. |
Assim sendo, o que pensa dos rumores sobre a possibilidade de Bernie Sanders ser escolhido para Secretário do Trabalho?
Não creio que isso seja uma boa ideia, nem creio que vá acontecer. Creio, isso sim, que vá ser alguém próximo dos trabalhadores e dos sindicatos, depois de quatro anos em que Donald Trump fez os possíveis para implodir os sindicatos. Mas o que me parece é que Joe Biden vai escolher pessoas para a sua equipa que são do centro. Depois de ter passado quase 40 anos no Senado e de ter trabalhado com vários presidentes, ele reconhece a importância de trabalhar com o partido que está do outro lado. Até porque há uma probabilidade alta de o Senado continuar republicano, por isso é preciso trabalhar dos dois lados da barricada para conseguir governar. |
E acredita que Joe Biden tem as capacidades para fazê-lo agora? Por um lado, esse tipo de abordagem marcou a sua carreira como senador, mas, por outro, enquanto vice-Presidente de Barack Obama, houve muitas coisas que ele não conseguiu fazer com o Senado.
Eles conseguiram fazer muitas coisas, como a lei para a saúde! Mas não vai ser fácil. Há uma divisão enorme neste país. Olhemos para os votos: Donald Trump teve o maior número de votos de sempre para um Presidente dos EUA, além de Joe Biden. |
Olhando para esses números, diria que foi mais Donald Trump que perdeu as eleições ou acredita que foi mais Joe Biden que venceu? Há muitas sondagens que demonstram que o eleitorado escolheu Biden simplesmente porque ele não era Trump.
Creio que Joe Biden ganhou, mas é verdade que mais pessoas votaram nele só porque ele não era Donald Trump. Os americanos com quem eu falei estavam fartos de ódio, da retórica racista, da política feita com divisões. Não era esta a América que tínhamos idealizado. Os EUA estavam fartos de ser alvo de chacota do mundo e de ver o Presidente dos EUA a ir à cimeira do G8, onde ele devia ser respeitado. Em vez disso, gozaram com ele nas suas costas. |
Tendo em conta a sua perceção, como diria que a comunidade luso-americana votou nestas eleições?
Diria que a comunidade deve estar nuns 60% a favor de Biden e 40% a favor de Trump. Donald Trump teve muito apoio entre a comunidade luso-americana, muito por causa da sua posição sobre o aborto. Muitos luso-americanos são católicos devotos e o aborto é um tema muito importante para eles e o facto de ele ter nomeado juízes conservadores é apoiado na comunidade luso-americana. |
O que aconteceu esta semana |
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- Joe Biden escolhe chefe de diplomacia e outros membros da sua equipa
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O Presidente eleito dos EUA, Joe Biden, continua a escolher a sua equipa, apesar de o Presidente em funções, Donald Trump, não ter ainda concedido a derrota e dado início ao processo de transição. Os nomes escolhidos são em grande parte personalidades que já tinham trabalhado de perto com Biden e com Barack Obama. |
Para o cargo de secretário de Estado, escolheu Antony Blinken, que já fora seu conselheiro de Segurança Nacional, enquanto vice-Presidente, tal como vice-conselheiro de Segurança Nacional e vice-secretário de Estado de Barack Obama. Da administração do 44.º Presidente dos EUA recupera-se também John Kerry, que foi secretário de Estado e agora será Enviado Especial do Presidente para o Clima. Joe Biden nomeou ainda Avril Haines, antiga vice-conselheira de Segurança Nacional de Barack Obama, para liderar a National Intelligence (organização que alberga as 17 organizações de serviços de informação dos EUA), tornando-se assim a primeira mulher naquele cargo. |
Em comunicado, a equipa de transição de Joe Biden disse que os nomes anunciados são “experientes, líderes que já passaram por crises e que estão prontos para entrar em ação”. |
- Recontagem da Geórgia confirma vitória de Biden, equipa de Trump tem nova baixa
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A recontagem no estado da Geórgia confirmou a vitória de Joe Biden, que, depois de uma segunda análise em que os votos foram contados um a um manualmente, foi declarado vencedor naquele estado fulcral. De acordo com os dados oficiais, o democrata venceu com uma vantagem de 12.284 votos numas eleições que, de acordo com as autoridades locais, não tiveram nenhum incidente de fraude. |
Os dados oficiais resultantes da recontagem da Geórgia são mais um elemento contra a investida legal da equipa de Donald Trump, liderada pelo seu advogado pessoal, Rudolph Giuliani, para contestar as eleições. Este domingo foi também noticiado que Sidney Powell, uma advogada com destaque naquela equipa, tinha sido afastada. Sidney Powell destacou-se na semana passada por ter dito, sem apresentar provas, que as máquinas de voto utilizadas nalguns estados funcionavam com um software criado a seu tempo sob ordens de Hugo Chávez. |
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- Barack Obama lançou o primeiro volume das suas memórias políticas
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O ex-Presidente dos EUA Barack Obama lançou esta terça-feira o primeiro volume das suas memórias políticas, intituladas “Uma Terra Prometida”. Ao longo de 784 páginas, neste livro, que em Portugal é editado pela Objectiva, Obama percorre os dias que vão desde o seu nascimento (em 1961) até ao raide que resultou na morte de Osama Bin Laden, a 2 de maio de 2011. Os restantes anos da presidência de Barack Obama, que começou em 2009 e terminou em 2017, serão objeto de um segundo e último volume de memórias. |
Só no primeiro dia em que esteve nas bancas e em que teve estreia mundial, “Uma Terra Prometida” vendeu mais de 887 mil exemplares só nos EUA e no Canadá. Por comparação, as memórias políticas dos seus antecessores venderam consideravelmente menos no dia de estreia: “My Life”, de Bill Clinton, vendeu 400 mil exemplares no primeiro dia; e o livro de George W. Bush, “Decision Points”, ficou-se pelos 220 mil nas primeiras 24 horas. |