Alerta: hormonas em queda livre
Até há relativamente pouco tempo, nunca tinha ouvido falar em perimenopausa. Só conhecia a menopausa, e nada de peri (sufixo do grego perí, que significa “à volta de”; “em redor de”). Sucede, porém, que é justamente nesta fase de transição do corpo da mulher para o fim da idade fértil que se dão a maior parte dos sintomas que ouvimos associados à menopausa propriamente dita. Em suma, é o caminho que nos trama, não propriamente a meta. O pior é que pode levar-se dez anos a fazer o caminho. Dez (10!) anos. |
Alguns leitores poderão, neste momento, estar a pensar o que raio tem este assunto que ver com “coisas de família”. Esses leitores, claramente, não têm ninguém próximo a passar por esta fase. É que é (ou pode ser) um período tão desafiante para toda a família que é imperioso falar cada vez mais sobre isto, e vale a pena ler este artigo do The Guardian, em que uma mãe na menopausa explica todo o processo, físico, psicológico e familiar. Ao mesmo tempo, os leitores homens poderão também considerar que esta newsletter não lhes é destinada. Mas, a menos que não conheçam uma única mulher (o que é manifestamente difícil), diria que talvez não fosse mau de todo perceberem um pouco sobre o tipo de montanha-russa do demónio por que passam as mulheres nesta fase da vida. Talvez desse modo conseguissem entender melhor as mulheres, mães, irmãs, amigas. Interessante este artigo de um médico americano, que escreveu especificamente para os companheiros de mulheres a passarem por isto. Mais ou menos como um “guia prático”: o que é, o que esperar, como lidar. |
No verão passado tive, sem saber, os meus primeiros suores noturnos. Acordava naquilo que parecia uma onda inesperada de um calor que vinha sabe Deus de onde, e que, em segundos, me deixava literalmente ensopada, para, segundos depois, e do mesmo modo como tinha chegado, a onda desaparecer e levar consigo todo o bafo. Ora, como isto aconteceu nas férias do verão, em que há sempre mais refeições regadas a vinho, sangria, e parentes alcoólicos, pensei que seria alguma reação nefasta do organismo. Acho que até passei os jantares seguintes a tentar refrear-me, para não sentir aquela coisa estranha. |
A verdade é que, até há seis meses, as análises não apontavam para nenhuma quebra hormonal que levasse o médico a dar-me aquela palmadinha caridosa no ombro, seguida de um benevolente discurso sobre as alegrias desta nova etapa da vida. Aliás, até exclamou, quase com orgulho: “Nem sinal disso, pelo contrário!” Como quem diz: estás aí para as curvas, miúda! |
Mas, na verdade, as curvas têm sido cada vez mais apertadas e, ainda que não saiba o que me dirão as próximas análises, não preciso delas para saber que estou no caminho. Um caminho que, para muitas mulheres, é uma autoestrada tranquila, bem sinalizada e com um tapete de alcatrão lisinho, mas, para tantas outras, é uma estrada de terra batida sem placas, com altos e baixos, por onde andam perdidas que tempos e, pior, sem rede, pelo que enfrentam todo o percurso sem comunicar com ninguém que lhes explique: 1) que é tudo normal; 2) que não estão sozinhas; 3) que podem fazer terapêutica hormonal (quando são saudáveis e não têm história familiar que o contra-indique); 4) que vai passar; 5) que não é vergonha falar do assunto; 6) que não é o fim de mais do que da fertilidade: não é o fim da sexualidade, não é o fim da sensualidade, não é o fim do desejo (bom… pode ser mas tem que lutar para que não seja), não é o fim da vida (apesar de, vá, ser mais um passo nessa direção). |
Mas, afinal, o que traz, ou pode trazer, essa tal de perimenopausa? Cá vai: tudo começa, geralmente, com a irregularidade menstrual (ciclos mais curtos, maior abundância de fluxo, a seguir começam as falhas). Depois, não há propriamente uma ordem, nem todas as mulheres têm a mesma sintomatologia (e há as que têm tudo e mais um par de botas). Têm tempo? Vamos lá: irritabilidade, suores noturnos, insónias, diminuição da libido, afrontamentos (ondas súbitas de calor que desaparecem com a mesma rapidez), diminuição da lubrificação vaginal, secura dos olhos, queda de cabelo, cansaço, sintomas depressivos, perda de memória, perda da capacidade de concentração, infeções urinárias de repetição, dores de cabeça, aumento de peso, palpitações, dores musculares e nas articulações, pele seca e com prurido, tonturas. |
Cada vez que vejo a lista, penso que ser mulher é, de facto, um desafio permanente. Como é que aguentamos isto tudo e ainda o peso que a sociedade nos coloca em cima, que é tão grande que, muitas de nós, acabamos a passar por tudo isto sozinhas, num silêncio envergonhado, como se perder hormonas fosse culpa nossa, ou como se isso ditasse o nosso fim como seres humanos válidos e interessantes. |
Há uns dez anos, fui almoçar com uma amiga mais velha do que eu ao refeitório da empresa dela. A certa altura, ela sacou de um leque e começou a abanar-se furiosamente. Como se precisasse de se justificar, disse num sussurro quase inaudível: “Esta porcaria dos calores da menopausa…”. A frase apanhou-me de surpresa, eu que ainda estava longe, tão longe que creio, até, estaria grávida, e exclamei, uns decibéis acima do que aparentemente devia: “Estás na menopausa?!” Ela ficou paralisada, olhou em redor e fez-me um “shhhhh” pouco amistoso. Foi a primeira vez que percebi que aquela palavra era como um palavrão. Não se diz em voz alta, em locais públicos. |
Nunca mais pensei naquele dia até ter chegado aqui e ter percebido que, de facto, há um peculiar tabu à volta desta fase. É como se tivéssemos um prazo de validade, como os iogurtes. E, com o fim da nossa capacidade reprodutora, o nosso prazo tivesse expirado. Mesmo quem há muito não queria ter (mais) filhos, acaba a sentir o peso social da mulher-que-nasceu-para-a-maternidade e que, sem essa função, fica como que esvaziada de sentido. Assim, as mulheres preferem fingir (até para si mesmas) que continuam tão “capazes” como antes, tão inteiras e válidas e frescas como sempre foram. |
Não sei porquê, nunca tive vocação para viver as coisas em silêncio. Tendo a partilhar os vários estados de alma e momentos diferentes da vida (melhores e piores) porque essa partilha me ajuda a normalizar o que sinto. Não só porque não fico sozinha a ruminar pensamentos e neuras ou a festejar conquistas, mas também porque, na maior parte das vezes, encontro quem já tenha sentido ou esteja a passar exatamente pelo mesmo que eu. Pensando especificamente nas coisas menos boas, diria que a comunhão não nos livra do mal, mas faz-nos sentir mais acompanhadas e “normais”. Ámen. |
É por isso que tenciono falar disto sem qualquer problema. Não sinto que o meu prazo tenha expirado e quero fazer a minha parte para mostrar que não temos de ter vergonha ou tristeza pela chegada a este estágio da nossa vida. Acho fundamental falar, partilhar, afugentar fantasmas. E explicar a quem vive connosco por que razão estamos insuportáveis, deprimidas ou letárgicas ou tudo ao mesmo tempo. Além disso, aconselho todas as mulheres a falarem com o seu ginecologista e a procurarem soluções que lhes deem uma maior qualidade de vida nesta fase tão exigente. Com a mesma naturalidade, digo sem qualquer problema que, no meu caso, me foi sugerido e receitado um medicamento para melhorar o meu humor, que tem estado completamente esfrangalhado, e que só não comecei a terapia hormonal de substituição (um tema que continua a dividir médicos) porque ainda não vieram os resultados das análises. Mas se isto já estiver pelas ruas da amargura, ah, sim, venham elas, as hormonas que o meu corpo deixou de produzir. Ele só quer que eu deixe de ter filhos, o que é biologicamente sensato, mas não tem de tolher todas as outras funções da minha vida, era o que mais faltava! Coragem, mulheres maduras. Coragem, famílias das mulheres maduras (bem precisam, também). |
Vale a Pena… |
… Assistir à peça A.norm@l, em Sintra
Quando li a descrição desta peça, pensei que parecia ser feita para as mulheres de que falei no texto acima. Claro que não é. É sobre uma menina e a sua vitória sobre os medos. De certo modo, passamos mesmo a vida nisto. Ora vejam lá a descrição da peça: “Ela sente que não se encaixa. Parece que nunca faz nada certo, até que um dia, ela ouve a montanha a chorar. Anormal é a história de uma viagem ao fundo da terra. Como poderei partir nesta viagem se tenho medo do escuro? Será que existe luz debaixo da terra? Nesse mergulho ao desconhecido, iremos encontrar seres que precisam de silêncio e de escuro para crescer. Iremos até ao fundo da terra para descobrir o que dizem as raízes, umas às outras!”
Em suma, levem as vossas crianças, que verão a peça sob a sua perspetiva, e as mães podem sempre fazer uma leitura metafórica personalizada, porque nisto de vencer medos e de ultrapassar obstáculos… estamos juntas.
Casa de Teatro de Sintra, Sábado, 8 (às 16h00), Domingo, 9 (às 11h00). Bilhetes a 7,5 euros |
… Assistir ao Tributo a Coldplay, no Tivoli BBVA, em Lisboa
Não conseguiu bilhetes para ir a nenhum dos concertos de Coimbra? Ficou mortificado a ver as reportagens sucessivas sobre quem foi e achou que foi o momento mais épico da sua existência, e o melhor concerto da história dos concertos, e mimimimi? Teve um filho adolescente a matraquear-lhe a cabeça por ter falhado esse momento histórico? Pronto. Quem não tem cão, caça com gato. A Academia Vocal Emotion apresenta o seu tributo aos Coldplay. No palco, mais de 120 cantores e uma orquestra de cordas que se juntam a uma banda rock, vão revisitar os grandes hits do grupo. Tenho lá uma amiga a cantar, pelo que estou a contar os dias para assistir a este espectáculo. Ah, e eu fui uma das que não conseguiu bilhetes para os Coldplay. Pelo que, lá estarei a tentar redimir-me. |
… Ler o livro Nano, A espetacular ciência das coisas muito (mesmo muito) pequenas
As ilustrações de Melissa Castrillon são lindas. Verdadeiras obras de arte. A história, escrita por Jess Wade, é sobre… átomos. O ar que respiramos, a água que bebemos, todos os seres vivos, incluindo nós próprios, tudo é feito de átomos. É uma belíssima introdução à ciência, de forma muito simples e delicada, como uma autêntica obra-prima. Vale a pena descobrir a magia por detrás das pequenas coisas.
(ed. Liliput) |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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