Campos de férias: aventura, diversão e educação |
Os meus filhos começaram a frequentar campos de férias desde cedo. Creio que o Manel teria 9 anos e o Martim 6. A partir desse ano, em que vibraram loucamente com aquela semana de aventura, nunca mais deixaram de ir, até já sentirem que eram crescidos demais para voltar. É verdade que se tinham um ao outro, o que facilitou na hora de os deixar entregues a estranhos e rodeados por outros miúdos que nunca tinham visto mais gordos. Sei que há crianças que rejeitam a ideia do campo de férias justamente por esse incómodo de não conhecerem ninguém, mas… não é essa, também, a ideia? Conhecer novas pessoas, fazer novos amigos, experimentar coisas novas? Ao cedermos à sua (natural) rejeição pelo desconhecido, não estaremos a aceitar que se mantenham, desde tenríssima idade, apenas na sua bolha de segurança (queria à força evitar a insuportavelmente batida expressão “zona de conforto”), em vez de os estimular a enfrentar os seus medos? |
A Madalena ia todos os anos, desde que nasceu, levar os manos ao Sniper, que organiza atividades destas. Como é evidente, das primeiras vezes não percebia nada, do alto do carrinho onde dormitava, mas aos 3 anos já perguntava porque é que não podia ficar também e, quando fez 4, dei por mim a tentar convencer o dono do campo de férias a deixá-la ficar. Ele riu-se, consciente de que aquela despachadona não lhe iria dar problemas, mas explicou-me que, legalmente, só era possível aceitar crianças a partir dos 6. Claro que, logo no ano em que completou os 6 (em Junho), teve guia de marcha para frequentar o campo. E nem preciso dizer o quanto amou aquela semana. Tanto que continuou nos outros verões e quis experimentar outros campos, de que guarda as melhores recordações. |
O campo de férias onde mais vezes deixei os meus filhos tem uma panóplia de atividades que sempre me fez pensar que até eu gostava de me inscrever: escalada, matraquilhos humanos, piscina, laser tag, passeio a cavalo, atravessar um rio a pé (com água umas vezes pelos tornozelos, outras pelo pescoço, todos agarrados uns aos outros com uma corda), rapel, slide, arborismo, orientação (são deixados na serra, divididos em equipas, com rádios, bússolas e mapas e ganha a equipa que chegar primeiro ao campo), karaoke, construção de um abrigo na serra e dormida lá, exploração noturna de uma gruta, além da noite de discoteca, acho que para a despedida. Conseguem imaginar melhor? Tudo isto sem telemóveis (têm uma hora por dia, talvez nem tanto, para aceder ao aparelho e ligar aos pais) e com monitores muito habituados a lidar com crianças e adolescentes, a mediar conflitos, birras, dramas em geral. |
Lembro-me de um ano em que um dos meus filhos estava mergulhado em plena adolescência, com uma atitude de desafio permanente, a roçar a insolência. Veio de lá novinho em folha. Tudo porque o Nuno (fundador e CEO do parque) tinha uma maneira de conversar com os miúdos que era verdadeiramente notável (tenho os verbos no passado porque há uns anos que não o vejo, ainda que suponha que não tenha perdido o jeito). Militar de formação, fez mais não sei quantos cursos que lhe permitiram saber a coisa certa a dizer a cada criança, sem que parecesse um raspanete, ou uma lição de moral, mas mais uma aula de filosofia. |
Naquela semana, além de se abalançarem em empreitadas físicas de monta, desafiavam os seus medos (imaginem uma ponte de não sei quantos metros, da qual descem por uma corda, só para dar um exemplo), conviviam, geriam conflitos, aprendiam. Há (ou havia, como digo, não sei se ainda é assim hoje) uma personagem chamada “Zé Chunga” que andava pelo campo a verificar se alguma coisa estava fora do sítio. Se encontrasse uma meia, uma camisola, um fato de banho desarrumado, pedia ao seu proprietário para se identificar e, depois, mandava-o “encher” (fazer abdominais ou flexões ou uma dessas atividades que, de facto, mais parecem castigo). Bestial: manda-se putos desarrumados, petulantes, e com energia a mais, e eles voltam organizados, cordatos e exaustos. Vão leões e voltam cordeiros. Bom, pelo menos por uns dias. |
Os meus rapazes mais velhos nunca experimentaram outro campo. A Madalena, claro, já foi a vários. Prefere ir com amigas, mas também já foi sozinha. Está sempre pronta a ir, que é o seu verbo preferido. Volta sempre cheia de histórias para contar, toda partida, e ainda mais desenvolta. Já voltou de campos de férias com Covid, com piolhos, rouca, engripada, e com ténis pretos em vez de brancos. |
Nas muitas conversas que tive com o Nuno ao longo dos anos, fui-o ouvindo dizer que os pais estavam cada vez mais protetores, e os miúdos cada vez mais dependentes dessa proteção. Que muitos consideravam impensável uma caminhada à chuva (mesmo que com o equipamento adequado) e que um telefonema em que os filhos deixassem a emoção vir ao de cima era suficiente para os irem buscar a correr. Isto já para não falar daqueles que simplesmente não eram capazes de os deixar, depois de saberem do nível de aventuras radicais envolvidas. |
Compreendo os medos, compreendo que os filhos são o nosso bem mais precioso, e que, naturalmente, queremos protegê-los de todo o mal. Mas também acho que lhes infligimos um mal maior ao não os deixar voar. Ao mantê-los sempre debaixo da nossa asa. É óbvio que há casos e casos. Há crianças com terríveis angústias de separação que talvez devessem ser trabalhadas antes. E há aqueles que já foram e que não gostaram de ir. Talvez os campos não sejam, efetivamente, para eles, tal como se exemplifica neste artigo da revista Time. |
Mas, na maioria dos casos, é só questão de experimentar. De vencer aquela dor de barriga inicial. O medo do desconhecido. E digo-o até a mim própria: o Mateus tem 8 anos e ainda nunca ficou num campo de férias. É muito diferente dos irmãos e tem-me feito pagar pela soberba que muitas vezes mostrei para com pais relutantes em deixar os miúdos, pela simples razão de eles não mostrarem abertura para isso. Este também não mostra, e eu tenho cedido (também por uma razão de saúde, e não apenas por ele ser um “Zéquinha”). |
Mas estou convicta de que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Hei-de conseguir que ele encha aqueles pulmões de ar, cerre os dentes, e diga “bora lá”. Se não acontecer, em princípio, vai na mesma. Sabem porquê? Porque tenho a certeza de que vai acabar por dizer que foram os melhores dias de sempre. E nisto dos filhos, não há nada como seguir o exemplo das águias que, quando as crias não demonstram interesse em sair do ninho, sobrevoam-no com alimento no bico, para lhes dar aquele estímulo que faltava. Se ainda assim não resultar, podem mesmo não as alimentar, até que ganhem coragem. É o chamado “não vais a bem, vais a mal”. O importante é ir. |
Vale a Pena… |
… Assistir à peça A Alegre História de Portugal em 90 Minutos
No Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, parece-me uma excelente sugestão ir ver e ouvir de que modo as 75 personagens representativas da História de Portugal (escolhidas pela Companhia de Teatro Bocage) nos contam o passado que nos trouxe até aqui. Uma divertida comédia que há 14 anos faz as delícias de miúdos e graúdos.
Teatro Bocage, Lisboa. Sábado às 16h00. 7,5 euros |
… Escutar a Orquestra Metropolitana de Lisboa no CCB
A Metropolitana existe há 31 anos, e lá aprende-se e pratica-se todos os dias do ano, de manhã à noite. No dia 10 de Junho, a programação vai animar os espaços exteriores e os palcos do Pequeno e Grande Auditórios, com jovens promessas das escolas e os profissionais da Metropolitana. Por um dia, as paredes do Centro Cultural de Belém voltam a ser a Casa da Metropolitana. |
… Ler o livro O Quarto do Bebé, de Anabela Mota Ribeiro
Não é para crianças, não é sobre crianças, mas é um livro imperdível para ler quando as crianças estiverem num campo de férias, por exemplo. O Quarto do Bebé é um romance autoficcional em forma de diário. Fala de confinamento, de cancro, de escrita, de corpo, mutilação. Fala da relação com a mãe, a ligação a uma amiga que morre. O Quarto do Bebé é um espaço que nunca receberá, efetivamente, um bebé, mas sim os bebés que são as criações literárias da narradora. Um livro muito intenso, denso e em carne viva.
(ed. Quetzal) |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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