Rankings: para quê medir pilinhas? |
Sempre que saem os rankings das escolas, penso na sua utilidade. Dir-me-ão: é uma ferramenta útil para aferir a qualidade do ensino. Muito bonito. Mas… para quê? Desde que existem rankings houve alterações feitas, com base nos resultados? Fez-se uma análise séria e a respetiva reestruturação nas escolas que revelaram médias abaixo do decente? Diria que não, mas sem certezas. Não me lembro de ouvir notícias sobre intervenções de fundo feitas em escolas que estão no fim do ranking. |
Sendo assim, para que serve esta medição de pilinhas, exatamente? Para ficarmos a saber – oh, espanto! – que os colégios privados levam sempre vantagem? Ou que as escolas públicas sitas em bairros diferenciados, nas principais cidades do país, têm melhores médias do que as escolas públicas localizadas em subúrbios carregados de problemas estruturais? Qual é o interesse em saber o que já se sabe à partida? |
Para que os rankings fizessem sentido, era preciso comparar o comparável. Medir escolas similares, em bairros idênticos, com frequências parecidas. Porque, sublinho, comparar miúdos que recebem no aniversário o telemóvel de última geração com miúdos que têm na escola a sua única refeição é simplesmente obsceno. É mais ou menos como se agora alguém decidisse que paralímpicos e olímpicos competiam uns contra os outros, em pé de igualdade. |
Veja-se os rankings deste ano. As primeiras escolas públicas (nos quadragésimos lugares da lista) são, no caso de Lisboa (que é uma realidade que conheço), a Secundária do Restelo, a Escola Básica e Secundária D. Filipa De Lencastre e a Secundária Eça de Queiroz. Uma fica no chique bairro do Restelo, a outra no distinto bairro de Alvalade, e a terceira recebe os alunos do Parque das Nações. A pública seguinte de Lisboa é a Escola Secundária Pedro Nunes, que se situa na Estrela (e recebe os meninos da Estrela, Lapa e Campo de Ourique). Palavras para quê? E estou completamente à vontade, atenção: já tive todos os meus filhos em colégios, e depois transitaram para escolas em Alvalade e no Parque das Nações. Faço obviamente parte dos privilegiados, que veem as escolas dos seus filhos mais ou menos bem colocadas nos rankings. |
O objetivo é mesmo só esfregar na cara de todos que quem tem melhores condições de vida tem crianças com melhores resultados (em média)? Não era preciso a trabalheira dos rankings, filhos. Ou é para os colégios se posicionarem entre si, e verem quem consegue colocar-se no lugar cimeiro para cativar mais pais viciados em contagens Top 5? (já fui a mãe que ia ver em que lugar o colégio dos filhos tinha ficado, porque, sim, no caso dos colégios acho mesmo que a picardia faz sentido – afinal, esses sim, estão em “igualdade” de circunstâncias). |
Desculpem se vos pareço amarga. Mas já levo com isto dos rankings há uns anos e a tolerância de uma pessoa pelas coisas parvas vai-se reduzindo com o passar do tempo (e a redução de algumas hormonas). A verdade é que uma escola com um mau lugar no ranking pode ser uma ótima escola, pode ter excelentes professores, estupendas condições. Uma escola com um mau lugar no ranking pode apenas significar aquilo que toda a gente sabe: é uma escola que recebe miúdos que têm tantos obstáculos à aprendizagem que é quase um milagre conseguirem, sequer, passar de ano, quanto mais estar ao mesmo nível que os betinhos de colégios xpto. |
Há muitos, muitos anos, creio que em 2001 ou 2002, fiz uma reportagem (publicada no DNa) que revela como, já na altura, a ideia dos rankings me parecia idiota. Peguei na última escola da lista, com as piores médias, e fui conhecê-la. Passei lá cerca de um mês. Ia todos os dias. Entrevistei professores, auxiliares, alunos. Assisti a aulas, vi dinâmicas no recreio. |
A escola ficava num bairro complicadíssimo de Setúbal, daqueles que metem respeito a quem não é de lá: chegamos, respiramos fundo, sentimos os olhares perscrutadores, hostis. Mas depois, compreendemos que a hostilidade não passa de uma defesa. É gente que nasceu a ser ostracizada, e que repele os estranhos para se proteger. Habituamo-nos a eles, e eles acostumam-se a nós. Passamos a ser um corpo estranho que aquele corpo aceitou. Na escola, soube de professores que alimentavam alunos. Levavam comida das suas próprias casas, por saberem que tinham estudantes com fome. Outros, levavam roupas, artigos de higiene. Uma professora já tinha levado uma aluna ao ginecologista, outra ao dentista. Tudo com o próprio dinheiro. Também fiquei a conhecer a história de uma professora que levou uma miúda para sua casa, numa altura particularmente complicada da vida dela (e com o conhecimento da família). |
Ali, os professores eram muito mais que professores. Davam colo, ralhavam, ensinavam aquilo que ninguém lhes transmitia em casa. Sabiam histórias do arco da velha: miúdos com os pais presos; miúdos com fome; vítimas de violência doméstica e negligências várias. Ali, os alunos iam para a escola com vontade, por saberem que iam encontrar quem os olhasse como pessoas. |
Mas os rankings não mostravam nada disto. Aquela era a pior escola do país, tendo em conta os resultados dos exames. Mas… e o resto? Quem conta o resto? Quem se interessa? Quem queria saber que ali (como em tantas escolas do país) havia jovens em risco que eram agarrados à vida “normal” por professores que faziam muito mais do que se esperava deles? Quem contabilizava a humanidade e o profissionalismo a toda a prova destes professores? Quem registava o esforço de miúdos marginalizados, a tentarem desesperadamente manter-se à tona? Ninguém. Porque, ao sistema, o que interessa são os números. Sempre os números. Sem contextualização, sem história, sem gente dentro. Os rankings não medem vidas, medem médias. Como se bastasse. Quando terminei de escrever a reportagem, dei-lhe o único título que me parecia justo: “A melhor escola do país”. |
É por tudo isto que os rankings me parecem vazios. Inúteis. Injustos. Estigmatizantes. Falaciosos. Há muito mais para lá dos números. Felizmente. |
Vale a Pena… |
… Ver a exposição “O Peculiar Crime do Estranho Sr. Jacinto”, no CCB |
É uma exposição com vários cenários, adereços e marionetas, mas é também uma curta-metragem que mostra uma Lisboa distópica, mas familiar. Nesta cidade, criada por Bruno Caetano, a natureza foi proibida e um pequeno crime de um homem simples desencadeia consequências inesperadas.
No CCB. De quarta-feira a domingo, até 30 de Junho. 10h00-13h00; 14h30-17h30. Três euros |
… Assistir à peça Branca de Neve, um Conto em Rock, no Teatro Armando Cortez |
Trata-se, está-se mesmo a ver, de uma adaptação moderna do clássico dos irmãos Grimm. Além das personagens do costume, há também damas de companhia que se perdem por rimas e um representante do governo que quer acabar com a diversão de toda a gente. A música mistura o hip-hop, o rock, doo wop, e mais ainda. E como nunca pode faltar uma moral, a desta história é bem velhinha mas sempre real: no fim o que importa é o amor.
Teatro Armando Cortez, sábado 24 Junho, 21h30. Bilhetes: 1250 euros… |
Ler o livro Podes Deixar a Porta Aberta? |
De Celine Person e Berk Ozturk, é um livro fofo para todos os que lutam contra o medo, na hora de ir para a cama. Será que deixam a porta do quarto aberta porque… têm medo do escuro? Porque querem estar mais perto dos pais? Porque têm uma imaginação demasiado fértil? O ursinho desta história não percebe por que fica sempre a porta aberta, e o menino vai contar-lhe o eu segredo. Uma boa forma de ajudar os mais novos a enfrentarem os receios.
(ed. Porto Editora) |
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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