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Os quinze juízes do Tribunal Internacional de Justiça — o mais importante tribunal internacional, que funciona sob a égide das Nações Unidas e que se dedica a resolver disputas entre países — têm por estes dias em mãos um dos mais importantes casos da história da instituição: decidir se um país pode ser legalmente punido por não cumprir as suas obrigações (e, já agora, determinar que obrigações são estas) de proteger o ambiente e o sistema climático do planeta. |
Como explica a jornalista Mariana Marques Tiago neste artigo no Observador, a história remonta a 2019, o ano em que um grupo de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade do Pacífico Sul disparou cartas para governos de toda a região a propor que o TIJ, conhecido como Tribunal Mundial, analisasse este problema do ponto de vista legal. Afinal, é sobre aqueles países que recaem as mais graves consequências das alterações climáticas: as pequenas nações insulares, longe dos grandes continentes, podem, no limite, correr o risco de desaparecer do mapa com a subida do nível do mar. |
Vanuatu, um pequeno país composto por dezenas de minúsculas ilhas no sudoeste do Oceano Pacífico, acolheu a proposta. O então ministro dos Negócios Estrangeiros de Vanuatu, Ralph Regenvanu, recebeu a carta e levou a proposta a outros governos da região. A partir da pressão política do governo de Vanuatu, a ideia chegaria mesmo à Assembleia Geral das Nações Unidas. Em março de 2023, a Assembleia Geral aprovou a resolução que solicitou formalmente ao TIJ a realização de um parecer jurídico sobre o assunto. |
Os juízes têm duas questões em cima da mesa: quais as obrigações dos países, ao abrigo do direito internacional, no sentido de proteger o sistema climático da ação nociva dos seres humanos; e quais as consequências que podem recair sobre os países que não cumpram as suas obrigações e causem danos ao ambiente e ao clima. Durante duas semanas, o TIJ vai ouvir 97 países e 11 organizações — incluindo alguns dos países mais afetados pelo impacto das alterações climáticas, mas também países cujas receitas dependem da exploração e comercialização de petróleo. |
Nos últimos meses, têm-se multiplicado os casos judiciais sobre as questões do clima — que estão a estabelecer precedentes importantes para o modo como os tribunais lidam com este assunto. Um dos mais significativos aconteceu em abril deste ano, quando o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deu razão às chamadas “Avós do Clima” — um grupo de cerca de duas mil mulheres em torno dos 70 anos que se organizaram para apresentar uma queixa formal contra o governo suíço, considerando que o país violou a Convenção dos Direitos Humanos ao não fazer o suficiente para proteger as suas vidas dos impactos das alterações climáticas. O TEDH obrigou mesmo a Suíça a mudar a sua política climática — e fez jurisprudência para todos os países que são signatários da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. |
Este novo caso, sobre o qual deverá haver uma decisão final no verão de 2025, poderá ter um impacto ainda maior a nível global: apesar de não ter carácter vinculativo, a decisão do TIJ tem uma jurisdição universal e um peso institucional com capacidade para contribuir decisivamente para moldar políticas públicas. Ao mesmo tempo, como nota o The New York Times, poderá ser um instrumento importante à disposição dos ativistas climáticos, que têm recorrido cada vez mais à justiça para obrigar governos e empresas a cumprir obrigações ambientais — e um documento do TIJ poderá ter influência sobre as decisões de tribunais nacionais. |
Mundo dividido sobre tratado global para os plásticos |
Podia ter sido um dos mais importantes tratados internacionais sobre assuntos climáticos desde o Acordo de Paris, mas ainda não foi desta que o aguardado Tratado Global sobre os Plásticos viu a luz do dia. A quinta ronda de negociações (que devia ter sido a última) terminou no último domingo em Busan (Coreia do Sul), mas os países não foram capazes de chegar a um texto consensual — o que adiou para 2025 a continuação destas negociações. |
Em causa está um processo negocial com origem numa resolução aprovada em março de 2022 pela Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, que mandatou um comité intergovernamental (INC) para negociar e conceber um tratado internacional legalmente vinculativo para reduzir a poluição de plásticos em todo o mundo. Delegados de mais de 200 países de todo o mundo reuniram-se em Busan para a quinta ronda negocial do INC com o objetivo declarado de regressar da Coreia do Sul com um texto final, mas não aconteceu. |
Como explica a BBC, foi impossível chegar a um acordo, essencialmente, devido à profunda divisão entre dois principais grupos: de um lado, um conjunto de cerca de uma centena de países “altamente ambiciosos”, que defendem que o tratado inclua o compromisso de abandonar gradualmente o uso do plástico; do outro, os países produtores de petróleo, que consideram que uma abordagem dessa natureza coloca em causa o desenvolvimento do mundo contemporâneo e preferem uma abordagem focada no tratamento dos resíduos plásticos. |
O principal obstáculo ao acordo foi o artigo 6.º do tratado. O primeiro grupo, que incluiu a União Europeia, o Reino Unido e vários países africanos e sul-americanos, defendeu que o artigo devia incluir um compromisso concreto para a redução da quantidade de plástico produzida a nível mundial; o segundo grupo, que incluiu países como a Arábia Saudita, o Irão, o Kuwait e a Rússia, defendeu que o artigo devia apenas incluir o compromisso de reduzir os resíduos plásticos através de um aumento da reciclagem. |
Em algumas décadas, o plástico passou de solução milagrosa a inimigo número um do ambiente. Segundo estimativas da própria ONU, desde 1950 já foram produzidas mais de oito mil milhões de toneladas de plástico a nível mundial, mas menos de 10% terão sido recicladas. Por outro lado, cerca de oito milhões de toneladas de resíduos de plástico vão parar aos oceanos todos os anos — e atualmente é possível encontrar resíduos de plástico em praticamente todo o lado, incluindo na comida que consumimos e nos nossos próprios corpos. Ao mesmo tempo, a própria produção de plásticos, feita a partir de combustíveis fósseis, é responsável por cerca de 5% das emissões globais de gases com efeito de estufa. |
Nota: esta newsletter é enviada, habitualmente, à primeira quarta-feira de cada mês. Uma vez que a primeira quarta-feira de janeiro corresponde ao feriado de Ano Novo, a próxima edição desta newsletter será enviada na quarta-feira seguinte, dia 8. |