A Sociedade Histórica da Independência de Portugal – continuadora da Comissão Central do 1º de Dezembro, a quem, desde 1861, tudo devemos nestas celebrações – e o Município de Lisboa são, desde 1910, desde a instituição do feriado civil, os dois parceiros fundamentais na organização anual das Comemorações Nacionais do 1º de Dezembro. E, nesta crise do feriado, cabe-me começar por agradecer a receptividade com que receberam as iniciativas inovadoras do Movimento 1º de Dezembro e a capacidade organizativa que a Câmara Municipal de Lisboa lhes ofereceu, através da EGEAC, continuando ambas a mostrar-se à altura das responsabilidades patrióticas de que são guardiãs e de que outros, infelizmente, desertaram.

Este é o primeiro dia em que sentimos a falta do feriado. Há um ano, o atentado contra esta data fundamental foi descafeinado, porque esse primeiro 1º de Dezembro não-feriado calhou a um domingo. Neste ano, ocorrendo a uma segunda-feira, dia normal de trabalho, todos nos damos conta dessa falta – e deste absurdo. Por isso, as palavras que, agora, dizemos soarão mais. E serão mais lidas.

Quando eu era adolescente, havia duas marcas de cigarros populares de que gostávamos: havia os “Definitivos”; e havia os “Provisórios” – ambos baratinhos, ao alcance das nossas bolsas, que aviávamos nas tabernas ou tabacarias de bairro, para as nossas primeiras “passas” às escondidas dos pais, que bem sabiam o que escondíamos e financiavam em magras semanadas.

A minha semanada era uma nota de Santo António: 20$00 (vinte escudos) – na moeda de hoje, são 10 cêntimos de euro e, usando o conversor em preços da PORDATA, equivaleria a quase 7,00 € (sete euros) de hoje. Se, então, eu a gastasse toda em tabaco, não chegava para cinco maços normais: “SG”, “Ritz”, “Porto”, “Sagres”, outros. Já nos “Provisórios” ou “Definitivos” dava para quase dez maços, ou seja, dava para o tabaquito e ainda sobrava bastante. E, nas nossas brincadeiras, era corrente dizer-se “mais vale ‘Provisórios’ definitivamente do que ‘Definitivos’ provisoriamente”. Vê-se que não tínhamos noção dos riscos dos cigarros para a nossa saúde, senão antes diríamos ao contrário: “mais vale ‘Definitivos’ provisoriamente do que ‘Provisórios’ definitivamente” – e deixaríamos de fumar na primeira oportunidade.

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Esta outra declinação é que é semelhante àquilo que afirmo quanto à decretada eliminação do feriado do 1º de Dezembro: mais vale uma eliminação provisória do que uma suspensão definitiva.

Temos, na verdade, de continuar a trabalhar, no plano cívico, social e político, para o duplo pleonasmo: a eliminação da eliminação, a restauração da Restauração, tal como nos empenhamos desde o primeiro dia no Movimento 1º de Dezembro. Estamos no bom caminho. É absolutamente claro que vamos ganhar.

A tradição popular, bem enraizada, deste feriado civil e das suas simples e espontâneas manifestações patrióticas continua a exprimir-se e, um pouco por todo o país, a furar o cerco da comentocracia reinante, contra o erro e a
violência da lei que o quis matar.

Ampliámos, e vamos continuar a ampliar, o eco desse carácter popular com o espectacular Desfile Nacional de Bandas Filarmónicas que, celebrando o 1º de Dezembro, Lisboa acolheu de novo, no domingo, já na terceira edição, numa grandiosa festa cívica que, provindo de todo o país, passou a desaguar todos os anos na Avenida da Liberdade e junto ao obelisco da Restauração.

Mas, além disso, nestas coisas da política e seus humores, é sempre bom ver como está o tempo e perguntar aos passarinhos, assim como quem quer ouvir a “trova do vento que passa”.

É sintomático que os spin doctors da maioria e do Governo desde há largos meses tenham colocado a correr a ideia e a palavra de que houve apenas uma “suspensão” dos feriados. Não é verdade.

Todo este episódio de “legislação à paulada”, como lhe chamei na altura, foi desastrado e deplorável quer na substância, quer na forma. A verdade, para quem a ler objectivamente, é a de que a lei, aprovada em 2012, eliminou todos os feriados alvejados: o Corpo de Deus, Todos-os-Santos a 1 de Novembro, o 5 de Outubro e o 1º de Dezembro.

Mas, como tinham feito um erro grave e, tal como denunciei e fui protestando, haviam até violado um acordo com a Santa Sé, o Governo e a maioria aproveitaram uma outra alteração ao Código do Trabalho, um ano depois, no Verão de 2013, para, de forma assaz clandestina e à socapa, para não dar muito nas vistas, aditarem uma norma que é a primeira correcção: “a eliminação dos feriados (…) será obrigatoriamente objecto de reavaliação num período não superior a cinco anos”, ou seja, na minha interpretação, até 2017.

Nestes procedimentos esconsos, percebe-se a vergonha. Há boas razões para isso. É natural que quem quis destruir o 1º de Dezembro sinta vergonha. Não se escreveu ainda “suspensão”, como os spin doctors plantaram na comunicação social. Mas já estamos – foi um passo na boa direcção – no quadro da tal “eliminação provisória”, que pode ser melhor do que uma “suspensão definitiva”.

Agora, temos que o concluir e fazer acontecer.

Temos a rolar uma Iniciativa Legislativa dos Cidadãos para restaurar o feriado, para que convocamos o esforço dos nossos voluntários e amigos e das entidades que se associaram; e pedimos também mobilização e endosso de
Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia junto dos respectivos munícipes e fregueses.

Este é um Dia de todo o Portugal, o Dia de Portugal inteiro ou, como tenho dito e repetido, “o dia mais de todos de entre todos os dias de Portugal”.

Apelo a todos para que nos mobilizemos nesta recta final a fim de concluir e ultrapassar o requisito das 35 mil assinaturas, devidamente identificadas e em papel.

Queremos levar à Assembleia da República a lei da cidadania para eliminar a eliminação, restaurar a Restauração. E queremos fazer assim, porque queremos recordar, repetir, saudar, traduzir, manifestar que este feriado, sendo um feriado do Estado, é um feriado civil, é um feriado do Povo português e da cidadania, um feriado que foi declarado pelo Estado em 1910, mas como consagração legal de uma longa e profunda reclamação da sociedade portuguesa que vinha, pelo menos, desde 1861.

É essa mesma histórica torrente de cidadania, corporizada hoje na Sociedade Histórica, que pretendemos repetir e emular para enfrentar o ataque da lei contra o “feriado dos feriados”, o “mais alto dos feriados patrióticos”, o “mais nacional de todos os feriados nacionais” – e ao emularmos e repetirmos na circunstância de 2015 essa maré cidadã, esse mesmo clamor civil original da base da Nação que somos, não estamos apenas a restaurar o feriado, mas fortalecemos e refrescamos o seu significado e o seu carácter.

Dê por onde der, 2015 vai ser o ano em que vamos restaurar a Restauração. Está marcado! Temos, aliás, que dar descanso a São Pedro. Quando, em 2012, nos lançámos na iniciativa de organizar o Desfile Nacional das Bandas Filarmónicas como um dos novos momentos altos das comemorações oficiais, ficou sempre uma ansiedade, às vezes até angústia à aproximação do dia: «E se chove? E se chove?…»

São Pedro tem sido amigo e tem ouvido as nossas orações, brindando-nos com sol a 1 de Dezembro, como, aliás, é memória antiga dos mais antigos. Mas, neste ano, calhando o 1º de Dezembro a uma segunda-feira e tendo-nos abolido o feriado, tivemos que antecipar o Desfile para domingo e, assim, que pedir a São Pedro o favor adicional de uma antecipatória e alargatória: que nos desse sol também no dia 30. São Pedro, impecável, no final de uma semana de chuva muito intensa, voltou a cumprir e a estar à altura do contrato, no que só confirma o patriotismo com que nos distingue, que é o mesmo que lhe dedicamos.

Porém, a partir de 2015, a proeza meteorológica começa a ficar mais difícil: teríamos que lhe pedir sol no dia 1 e também no dia 29, podendo o outono invernoso desabafar e chover livremente a 30. E, em 2016, ano bissexto, pedir-lhe sol no dia 1 e também no dia 27, não havendo problema com chuva a 28, 29 e 30.

Começa a ser uma empreitada de risco mesmo para santos de alto gabarito, experimentados e generosos. E basta um pequeno erro na pontaria para se nos encharcar e estragar o brilho popular das comemorações de Portugal.

Disse logo no princípio deste processo, tão desastrado e errado, que bastará a mudança de ciclo político para a reparação ser feita e o feriado ser reposto, como outros. E saúdo o Senhor Presidente da Câmara Municipal por, tanto nessa qualidade, como noutras funções que titula, ter já expresso a mesma ideia e declarado um compromisso. Começa a ser uma empreitada de risco mesmo para santos de alto gabarito, experimentados e generosos. E basta um pequeno erro na pontaria para se nos encharcar e estragar o brilho popular das comemorações de Portugal.

Disse logo no princípio deste processo, tão desastrado e errado, que bastará a mudança de ciclo político para a reparação ser feita e o feriado ser reposto, como outros. E saúdo o Senhor Presidente da Câmara Municipal por, tanto nessa qualidade, como noutras funções que titula, ter já expresso a mesma ideia e declarado um compromisso.

Todavia, para isto, não é necessário mudar o ciclo político. É bom haver essa perspectiva e garantia, mas não tem que ser assim. É de bom-tom que cada um limpe o próprio lixo. É regra de educação e até de civismo que eu não faça lixo e, fazendo-o, eu próprio apanhe o lixo que porventura faça, em vez de o deixar para outros. Devemos, por isso, esperar que o Governo e a maioria, de que também sou parte, estejam à altura desse princípio de ecologia
política fundamental: limpar o próprio lixo.

Se o fizerem, o resultado, neste particular, ficará 1 a 1 – menos mal… Meteram o golo na própria baliza; mas corrigiram heroicamente na segunda parte. Se o não fizerem, o resultado, jogando em casa, ficará 0 a 2: ofereceram à oposição o autogolo e, mais ainda, oportunidade de um golaço de belo efeito na segunda parte. Os chefes é que sabem.

Em resposta à iniciativa da cidadania, os chefes decidirão. Eu, que não sou chefe, digo apenas o seguinte: continuarei neste trabalho cívico, independente, entre outros; e não votarei em ninguém em 2015 que, entre outras correções e
ajustamentos que importa fazer, não se comprometa claramente com a reposição do feriado nacional do 1º de Dezembro. Ou já o tenha feito antes.

Nós precisamos do 1º de Dezembro. Portugal precisa do 1º de Dezembro. As comunidades nacionais precisam de momentos e dias de celebração daquilo que são e de cultivo dos valores que as justificam e fortalecem.

Quanto mais difíceis forem os tempos – e eles são-no – mais disso precisamos. Precisamos dessas datas – e dos seus valores e símbolos – que nos alimentam, que nos animam, que nos confortam, que nos reparam, que nos orgulham, que nos levantam, que nos reúnem, que nos mobilizam. E não há data tão nacional, tão colectiva, tão gregária, tão profunda, tão portuguesa de Portugal, tão festiva, tão popular quanto o 1º de Dezembro e, sobretudo, o tesouro moral que guarda e encerra.

O país sente-se perdido, bastante à deriva. Aumentam inquietações e perplexidades. Falta-nos um rumo, um propósito, um destino.

Sim, sabemos que é preciso sacrifícios; mas para quê? E em que sentido?

Pois sim, era a troika. E depois da troika?

Temos destino? Claro que temos destino! Mas qual?

Qual é o futuro e o destino que queremos construir? De que raiz vimos? De que fonte brotamos? Qual é o rumo para que apontamos, à proa, e não apenas aquele que nos empurram, à popa?

Em todas estas questões e outras que nos inquietam, o 1º de Dezembro é uma resposta, uma poderosa fonte de energia e uma belíssima circunstância. Porque é património de liberdade, de independência e de galhardia. Porque nos ajuda a recentrarmo-nos na nossa própria centralidade e na eficácia única da nossa vontade colectiva. Porque nos refresca – e nós estamos a precisar tanto de água fresca e de ar fresco.

O 1º de Dezembro é espiritualmente potente para isso. Tem na longuíssima História portuguesa e na memória que carrega e nos alimenta um valor simbólico único que nos presta precioso serviço enquanto portugueses e como europeus. Sim, nós somos europeus, mas não somos alemães. Nós somos europeus, mas não somos espanhóis. Nós somos europeus, mas não somos franceses. Nós somos europeus, mas não somos finlandeses. Nós somos europeus, porque somos portugueses. E é refazendo-nos sobre nós próprios, recentrando-nos nas nossas capacidades e vocação, vencendo as nossas dificuldades e problemas e reconstruindo a centralidade do nosso papel e destino que superamos o decadente sentimento periférico e desvalido.

Sendo nós mesmos, seguros de nós, fortes e fortalecidos portugueses de Portugal, também nos apetrechamos para ir contribuir para socorrer a Europa da perigosa encruzilhada – da perigosíssima encruzilhada! – em que está e onde nós fazemos falta, fazemos muita falta, para proteger, construir e salvar o destino continental verdadeiramente comum.

Viva o 1º de Dezembro!

Obrigado, Portugal.

<em>Deputado à Assembleia da República, presidente do Movimento 1º de Dezembro</em>

<em> </em>