Atravessamos enquanto comunidade uma das maiores crises da nossa história.

O que começou por ser uma crise de saúde pública rapidamente se transformou numa crise da nossa economia, do nosso sistema de saúde e do projeto europeu onde estamos mobilizados e que tem sido uma das mais relevantes alavancas do nosso desenvolvimento económico e social. Mas, pode também tornar-se numa crise social sem precedentes que poderá abalar os valores civilizacionais em que acreditamos.

A crise que enfrentamos e os desafios que dela necessariamente decorrerão, exigem o envolvimento de todos e o empenho de cada uma e cada um das portuguesas e das portugueses. A ideia de que um homem providencial por artes mágicas retirará da cartola a solução para os nossos problemas, significa iludir a realidade e desconhecer ou ignorar a complexidade dos desafios que, em conjunto, teremos de enfrentar.

Caso não mobilizemos a energia e o talento de todos, não seremos capazes de construir uma sociedade em que o elevador social funcione e, na qual existindo igualdade de oportunidades, nenhum português fique para trás.

Não poderemos aspirar a encontrar um novo modelo de funcionamento e organização do Estado se persistirmos em responder aos novos problemas com respostas típicas dos anos 90, não compreendendo a importância da valorização e da qualificação dos funcionários públicos.

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Não podemos aspirar a afirmar Portugal como uma economia competitiva no quadro global, enquanto não assumirmos o desafio da industrialização tecnológica da nossa economia, e enquanto não assumirmos o sistema educativo como um desígnio nacional.

Não podemos oferecer estabilidade e segurança aos nossos pensionistas se persistentemente colocarmos pressão sobre o sistema nacional de pensões pondo em causa a sua sustentabilidade.

Não podemos reclamar das baixas taxas de natalidade quando não somos capazes de oferecer às jovens familias condições para conciliarem a vida profissional e familiar, quando a rede de creches é deficitária e quando a habitação e a mobilidade nas nossas cidades significa um tremendo tormento para quem nelas vive.

O período que se abrirá em Portugal na sequência da crise pandémica global que vivemos, exige novas respostas para os novos desafios que enfrentaremos. Confesso que não espero que as novas respostas que se exigem sejam encontradas pelos atores políticos que ao longo dos últimos 30 anos têm ocupado o espaço público. Acredito, sim, que as novas respostas serão oferecidas através do esforço, da energia e da criatividade combinadas daqueles que compreendem o novo mundo em que viveremos.

Se persistirmos oferecendo a Portugal e aos portugueses as receitas antigas para novos problemas o resultado a que assistiremos será necessariamente o crescimento do desconforto, da ansiedade, da insegurança e da insatisfação com o nosso sistema político. Acrescentar desconforto, insegurança e ansiedade a um sistema cuja credibilidade é já extraordinariamente frágil, significará alimentar os populismos e a polarização do debate político em Portugal, que aqueles que acreditam no Estado de Direito, no Estado Social, no personalismo ético e no humanismo querem a todo o transe evitar.

Assim, decidi desenvolver um conjunto de discussões e reflexões sobre os temas fundamentais que se nos colocam enquanto comunidade. Procurarei convocar o talento, a energia e a criatividade dos portugueses para, em conjunto, iniciarmos o processo de construção das adequadas respostas que teremos de encontrar nos próximos anos para Portugal.

O primeiro desses desafios é a regeneração do nosso sistema político e dos partidos políticos, tendo sido o tema da primeira discussão desenvolvida neste âmbito no passado dia 25 de abril, num espaço aberto à participação cívica de todas e de todos os portugueses.

A democracia portuguesa cujos 46 anos assinalámos no passado dia 25 de abril ofereceu aos portugueses valores civilizacionais de que nos orgulhamos. Ofereceu um sistema educativo de acesso universal, um sistema nacional de saúde que heroicamente tem dado respostas a esta crise pandémica e um modelo de sociedade que coloca a pessoa humana como o vértice determinante do nosso modelo de crescimento.

Mas o equilíbrio em que vivemos é frágil.

A teimosia persistente dos partidos tradicionais em ignorarem as crescentes taxas de abstenção e a indiferença com que a maioria dos portugueses, em especial os mais jovens, encaram o fenómeno político, reforça o descrédito das instituições. A desconfiança dos cidadãos em relação aos órgãos de soberania é sublinhada pelo fato de o nosso sistema eleitoral não promover qualquer capacidade de escolha e de opção dos cidadãos na determinação de quem são os seus representantes.

Os partidos políticos, por seu turno, vivem fechados sobre si próprios sem capacidade de renovação e com dificuldade em captar os portugueses mais talentosos para a causa pública. Os processos de tomada de decisão são opacos, pouco participados e submetidos à vontade dos líderes, que não raras vezes se demonstram indiferentes ao pluralismo de opinião e às reais expetativas dos portugueses.

Numa sociedade cada vez mais exigente não se compreende que os partidos políticos persistam funcionando como se detivessem ainda o monópolio da opinião e da participação política e cívica. Como se vivessem indiferentes às necessidades dos portugueses, ignorando que a sua função é justamente dar resposta aos seus anseios, expetativas e ambições.

Os partidos políticos e os seus dirigentes não podem deixar de compreender o mundo em que estão inseridos e não podem persistir afastados dele.

Têm de assumir que a exigência que os cidadãos hoje colocam aos atores públicos reclama processos de tomada de decisão transparentes, respeitadores do pluralismo e da diferença. Que a riqueza da sociedade portuguesa convoca os partidos políticos a comportarem-se como catalisadores do talento e da criatividade nacionais. Que a diversidade da sociedade portuguesa os convida a segmentarem a sua mensagem em função dos diversos interesses, anseios e ambições dos portugueses e a responderem aos vários desafios que se colocam a Portugal com o mesmo grau de exigência e de qualidade.

Os partidos políticos não podem deixar de compreender que a resposta a um mundo cada vez mais interdependente e global e a desafios extraordinariamente complexos, não é tarefa de um homem providencial ou de um homem salvífico, mas sim tarefa de agregadores de talento, de energia e de criatividade.

A regeneração do sistema político não se processa apenas com a reforma dos partidos, mas não se alcança sem ela.

Os momentos de profunda crise económica e social que tememos que se avizinhem, não podem ser acompanhados de uma crise de confiança nas instituições e nos partidos políticos. Isso significaria um reforço dos populismos e um tremendo retrocesso do Estado de Direito, do Estado Social, do personalismo ético e do humanismo.

Os portugueses têm demonstrado estar à altura das exigências no combate ao COVID – 19, cumprindo escrupolosamente as indicações das autoridades públicas de saúde. Os progressos que temos alcançado na contenção da propagação da pandemia é resultado do esforço, da disciplina, da resiliência dos portugueses.

No momento em que a propagação da pandemia se encontrar controlada, será o tempo de os partidos políticos se desafiarem a si próprios, saírem da sua zona de conforto e demonstrarem a necessária capacidade para se regenerarem, se reorganizarem e se assumirem como os catalisadores da esperança dos portugueses, afirmando os nossos valores civilizacionais e evitando o fortalecimento dos populismos.Pedro Rodrigues