Parece que já há quem tenha decidido – sobretudo à direita — que a presente situação não dura quatro anos, que é só o presidente da república ser reeleito ou os juros da dívida subirem. Percebo de onde vem esta ideia: foi assim em 2009, quando o PS ganhou com uma percentagem igual à deste ano, para cair em 2011, com os juros a trepar e Cavaco Silva reeleito. Talvez a história se repita. Não sei. Aliás, ninguém sabe. Mas vale a pena examinar algumas das diferenças entre 2019 e 2009.

A primeira diferença tem uma sigla: BCE. Sim, o Banco Central Europeu de Mario Draghi. O BCE foi a verdadeira condição da geringonça que nos governou entre 2015 e 2019. Sem a opção de Draghi, contra o que estava estatuído, de pôr o BCE a financiar os Estados falidos da zona Euro, não teria provavelmente havido “saída limpa” em 2014, mas também não teria havido “reposição de rendimentos” em 2015. Portugal não tirou simplesmente partido de juros baixos, mas da política de orgia monetária do BCE, que aproveitou o aparente fim da inflação na Europa para imprimir dinheiro e manter a flutuar os náufragos do Euro. Enquanto o BCE tiver esta atitude, a oligarquia portuguesa estará à vontade para as geringonças que entender. Nem precisará de ser muito hábil.

A segunda diferença tem um nome: José Sócrates. Em 2009, Sócrates não era frequentável. Mas com António Costa, por mais casos que sujem o governo, toda a oligarquia deseja aparecer na foto, assinando ou não papéis. Até no CDS já surgiram apelos à “conversa com o PS”. Percebe-se porquê: em 2009, todos os partidos, menos o PS, tinham aumentado os votos em relação à eleição anterior. Em 2019, todos, menos o PS, perderam votos. Em 2019, Costa tem perante si partidos desmoralizados, ameaçados pelo despontar de novos movimentos, e cujo principal plano, a começar pelo PSD, parece ser agarrarem-se ao PS para se reforçarem com os ares do Estado. Enquanto for assim, não vale a pena contar demasiado com a reeleição do presidente: sem partidos decididos a fazer mais do que “conversar com o PS”, o presidente, só por si, não mudará as coisas, a menos que esteja disposto a romper com os costumes do regime.

Admitamos, no entanto, que a economia continua a arrefecer. Não acabará isso por comprometer a situação? Talvez, mas haverá sempre o BCE. E mesmo que a generosidade do BCE diminua, nem por isso a porta de saída ficará mais aberta. Aqui, teremos de entrar em linha de conta com uma possível semelhança entre 2019 e 2009. Em 2009, com todos os seus fracassos e rabos de palha e no meio de uma recessão, Sócrates ainda conseguiu ganhar as eleições, aumentando os funcionários e subestimando o défice, e pôde depois usar a pressão europeia para ver os PEC aprovados até 2011. Ou seja, se as coisas piorarem, é provável que isso comece por favorecer o governo, tornando Bruxelas mais opressiva a favor do poder que está, com os habituais apelos à “responsabilidade”.

O maior risco, neste momento, não é um colapso como em 2011, mas um declínio gradual. Há vinte e cinco anos que Portugal não converge com a Europa, e há quatro anos que os serviços públicos se degradam. O regime, que sempre dependeu dessas duas coisas, descola-se a pouco e pouco dos cidadãos. Em 2019, votaram quase menos 700 000 mil eleitores do que em 2009. Já fora de pé, os partidos começam a confundir-se em “conversas” de bastidores uns com os outros, cada vez menos capazes de conversar com os cidadãos. Sabem que só o Estado, incluindo o sistema eleitoral, os protege, e que o BCE protege o Estado. Neste contexto, quem quiser mudar a situação e reformar o regime não pode esperar por que aconteça isto ou aquilo. Terá de encontrar maneira de mobilizar força dentro do país. É muito difícil? Não há outro caminho.

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