O SNS, a vaca sagrada que sobrou do 25 de Abril, morreu neste ano da Graça de 2020, aos 41 anos de idade. Pouco para um ser humano, mas demais para uma organização que não se soube adaptar à modernidade.

Os fundamentalistas do SNS dirão que morreu de Covid-19, mas não, morreu com Covid-19. A pandemia apenas pôs a descoberto as inegáveis “morbilidades” coexistentes:

  • Subfinanciamento crónico;
  • Baixo número de camas hospitalares do SNS – 2,4/1000 habitantes;
  • Baixíssimo número de camas de cuidados intensivos – 4,2/100 mil habitantes;
  • Poucos programas de Garantia de Qualidade;
  • Internamentos muito prolongados – média de 9 dias;
  • Taxa de infeções adquiridas no hospital típica do terceiro mundo – superior a 10%.

O número ideal de camas hospitalares por mil habitantes depende do tipo de sistema de saúde, mas mesmo que aceitemos que, se juntarmos as camas do SNS com as privadas (24 mil do SNS + 11.300 privadas) estamos dentro da média da OCDE (3,5/1000 habitantes), é por demais evidente que o SNS, só por si, não tem capacidade instalada suficiente; mesmo em circunstâncias normais, quanto mais durante epidemias.

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O número de camas de Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), então, é chocante para um país desenvolvido. Temos 1/5 das camas de UCI da Alemanha e 1/10 das dos EUA (per capita).

Acresce, que os internamentos em Portugal duram o dobro da média nos países desenvolvidos e que, portanto, as camas disponíveis operam, por assim dizer, a metade da capacidade de “turnover”. 24 mil ficam, na prática, reduzidas a 12 mil.

Agora, comecem com este cenário sombrio como ponto de partida, atirem-lhe para cima com as necessidades emergentes da pandemia da Covid-19 e temos o caos.

A Carta Aberta dos Bastonários à Ministra da Saúde, de 14 de Outubro de 2020, expôs este caos de forma brutal, identificando o que “ficou por fazer”:

  • 5 milhões de consultas nos Centros de Saúde;
  • 1 milhão de consultas hospitalares;
  • 17 milhões de exames de diagnóstico e terapêutica;
  • 100 mil cirurgias.

E a respetiva fatura:

  • 7144 MORTOS NÃO-COVID, à data da carta.

Um escândalo inimaginável num país, que até então, tinha apenas sofrido cerca de duas mil mortes por Covid-19.

Na referida carta aberta, os bastonários apelaram ao bom senso e sugeriram que o Governo recorresse a toda a capacidade nacional instalada, SNS + privados + sector social, para debelar a situação. Um apelo que se intui dos números que referi.

A congregação dos apóstolos do SNS não tardou, porém, em ripostar e, noutra carta aberta, tratou de difamar os bastonários (que acusou de mercantilismo) e de condenar o recurso aos privados.

Mas fazer o quê? A capacidade do SNS não estica de um dia para o outro e é intolerável conviver com a atual situação. Os apóstolos do SNS ficam de consciência tranquila com a tragédia descrita pelos bastonários? E que soluções propõem?

Esta miopia estratégica está, aliás, na génese do finamento do SNS. Uma organização coletivista, em que os “meios de produção” são públicos, os trabalhadores são funcionários públicos e é tudo administrado de forma centralizada por “comando e controle”. Uma organização sem capacidade de adaptação à mudança.

Acresce que o SNS está completamente politizado. Os conselhos de administração são constituídos por “apparatchiks” e, de cima abaixo, todas as direções são influenciadas por compadrios indecorosos. A competência conta para muito pouco e ninguém se sente responsável seja pelo que for. Claro que há sempre honrosas exceções, mas são exceções à regra.

Os sucessivos governos, por uma razão ou por outra, também têm sido cegos para esta problemática, preferindo injetar recursos em empresas falidas do que salvar vidas. E o SNS lá foi andando ao colo de uma comunicação social mansa, elogiado como a maior conquista de Abril e um grande exemplo para o mundo. Que exemplo!

Chegados a este ponto e caída a máscara, o SNS, tal como o conhecemos, acabou. Irá transformar-se em algo diferente, embora talvez com o mesmo nome.

O renascimento, contudo, não depende apenas de injeções de pipas de massa, é necessária uma mudança de paradigma. Soluções que permitam liberdade de escolha e em que o respetivo financiamento respeite essas escolhas (Money Follows The Patient – MFTP).

O SNS não pode ser administrado como uma empresa, nem o objetivo do sector privado pode ser apenas o lucro, mas há modelos de gestão privada que podem ser úteis, nomeadamente se olharmos para organizações internacionais, do sector da saúde, com dimensão idêntica.

O Ministério da Saúde deveria concentrar-se apenas em questões de estratégia e planeamento e delegar competências para as suas unidades, que deveriam ser autónomas e responsabilizáveis através de objetivos claros e de auditorias frequentes (estou a pensar numa estratégia chamada “parenting”).

Defender o que resta do SNS passa por não o deixar cair com o estrondo com que caíram todas as organizações coletivistas do passado. Seria confrangedor que os seus principais defensores fossem também os seus coveiros.

HAJA SAÚDE!