Aquilo que é mais difícil para indivíduos, organizações e países, é distinguir o que é essencial do que é acessório. O que deve ser uma prioridade e o que deve relegado para segundo plano. Aquilo em que nos devemos focar e o que apenas nos distrai face aos objetivos que estabelecemos querer atingir. No fundo, o que vai ser mais difícil em 2023 é o que é mais difícil todos os anos. Saber definir prioridades com realismo, orientadas e alinhadas com o que se pretende alcançar, e políticas para alcançar esse objetivo.
Para ilustrar, vou aflorar duas áreas das políticas públicas muito diferentes que têm sido notícia, que poderão contribuir para um mesmo objetivo simples e relativamente consensual: melhorar o bem-estar dos portugueses e as suas condições de vida… em Portugal.
A semana dos quatro dias de trabalho tem sido e está a ser testada sobretudo em países bem mais desenvolvidos que Portugal em projetos piloto e ainda com poucos resultados. É uma ideia sem dúvida atraente, sobretudo para os trabalhadores pois permite conciliar melhor o trabalho com a vida familiar. Tem sido defendida por vários sindicatos, sobretudo na modalidade de reduzir o tempo de trabalho sem diminuição de salário, esperando que o aumento na satisfação dos trabalhadores, e a transformação nos processos produtivos, possa levar a um aumento de produtividade que compense a diminuição do tempo de trabalho. O governo português decidiu avançar com um projeto piloto junto das empresas tendo para isso o apoio financeiro do IEFP. As empresas, que ouviram a proposta do governo na concertação social, e que são os atores mais importantes para se poder implementar a semana dos quatro dias não se mostraram muito receptivas. Há condições para se avançar de forma significativa neste domínio nos próximos anos? Não creio. A menos que os empresários portugueses fossem todos como Robert Owen, não se vislumbra de que forma é que os ganhos de produtividade poderiam compensar a redução de um quinto do horário de trabalho. Não compensando ou as margens de lucro diminuiriam ou o Estado, leia-se os contribuintes (portugueses ou europeus), teria de entrar para compensar essas empresas. Não tenho dúvidas que caminharemos, dentro de algumas décadas, para a redução do horário de trabalho, mas terá de ser um processo à escala global. Não é propriamente aquilo em que nos devemos focar para já.
Há uma outra área das políticas públicas que, essa sim, nos deve preocupar de imediato, pois é algo que mais cedo do que tarde nos vai explodir em cima e que é o problema do acesso à habitação. É um ingrediente essencial para a qualidade de vida em Portugal e é algo que explica muitas dificuldades no mercado de trabalho e a emigração de jovens. É um problema estrutural da sociedade portuguesa, que está a ser agravado de forma conjuntural, pelo efeito conjugado da inflação (e seu impacto potencial nas rendas) e da subida dos juros (e seu efeito nos encargos com empréstimos à habitação). Neste campo o governo tem uma série de políticas dirigidas a vários públicos-alvo: às pessoas mais carenciadas e vulneráveis (o 1º direito), aos jovens (a Porta 65), à classe média-baixa e média (o programa de arrendamento acessível). Este programas têm sido insuficientes e não têm tido o impacto desejável e necessário. Adicionam-se medidas temporárias de mitigação de custos com o crédito à habitação, ou o travão ao aumento de rendas anunciado para 2023. A estas, adicionam-se os fundos do PRR destinados à habitação e as políticas municipais de habitação, nomeadamente a construção de nova habitação social. Temos variadas politicas de habitação, mas falta a sua coordenação com a política fiscal, e com a política de incentivos a não residentes e outras políticas que afetam a procura e a oferta de habitação.
Por mais apelativo que seja não é a semana de trabalho de quatro dias que nos deve ocupar. A acessibilidade à habitação é certamente um dos mais graves problemas da sociedade portuguesa em que nos devemos focar nos próximos anos. O difícil, neste como noutros domínios, é definir uma estratégia integrada que torne todas as políticas setoriais coerentes.