É conhecida a distinção em língua inglesa entre as palavras politics – os métodos e meandros através dos quais se pretende alcançar ou manter o poder – e a policy que tem a ver com decisões de políticas públicas que têm um impacto direto na vida das pessoas. Em português essa distinção não existe. Temos apenas uma palavra para realidades distintas, apesar de inter-relacionadas. Comparativamente com os ingleses, damos muito mais importância à primeira do que à segunda. Há muita politics em torno da demissão de Boris Jonhson esta semana. É óbvio que o(a) seu sucessor(a) imprimirá um cunho diferente às políticas públicas (policies) em Inglaterra e isto mostra a relação entre ambas as palavras. Do mesmo modo, entre nós, o recente episódio em torno do novo aeroporto tem ambas as dimensões.

António Costa defronta, na frente doméstica do PS, um dilema essencial que poderá existir até ao dia da sua sucessão. Representa uma esquerda moderada, e gosta da autonomia estratégica do PS quer à sua esquerda quer à direita. Porém, aquele que se perfila ainda como o mais provável candidato à sua sucessão, e porventura que conseguirá um melhor resultado eleitoral face a outros candidatos  – Pedro Nuno Santos (PNS) – não partilha nem uma coisa nem outra. O dilema de Costa, mesmo sabendo que o seu sucessor não vai ter resultados semelhantes ao seu nestas eleições, é este: deixar um PS mais forte, por ter um líder mais carismático, mas mais à esquerda do que desejaria (PNS), ou ter a situação inversa? Por muito mérito que tenham, e têm certamente, os outros candidatos à sucessão de Costa, eles batem PNS sobretudo numa característica: a temperança. Acontece que não é a temperança, em política, que faz ganhar eleições, como os militantes de todos os partidos bem sabem.

Costa defronta um dilema maior se pensarmos no país. Como implementar reformas para o desenvolvimento sustentável económico e social, quando a mão estendida pelo principal partido da oposição, que é o único que lhes pode dar alguma perenidade, foi recusada? Antes e durante o consulado de Rui Rio, defendi neste jornal, que esse diálogo e concertação estratégica entre PS e PSD deveria existir em áreas tão importantes como a saúde, a justiça e o sistema eleitoral, entre outras. Haver um líder do PSD que genuinamente as queria fazer com o PS, foi uma oportunidade de ouro desperdiçada por Costa. Duvido que haja outra oportunidade e certamente que as condições não serão mais favoráveis, antes mais adversas, com o novo PSD de Luis Montenegro.  A estratégia delineada pelo novo PSD, parece assentar em quatro pilares. Um alinhamento e concertação estratégica e tática com a Presidência da República que, naturalmente, verá com bons olhos que exista alternância partidária em, ou antes, de 2026. Uma maior visibilidade nos temas do Estado social que são particularmente caros aos portugueses (saúde, educação, segurança social), desvalorizando os temas das contas certas e das finanças públicas. Uma maior saliência dada à importância do crescimento económico e a redução da carga fiscal. Por fim, políticas dirigidas ao combate ao declínio demográfico, na dupla vertente de políticas dirigidas aos jovens e de promoção da integração de imigrantes.

Aquilo que distinguirá Luís Montenegro em relação a Rui Rio, não são apenas as prioridades estratégicas é sobretudo o modus operandi político. O PSD irá ter, passado este estado de graça inicial, uma postura bastante mais combativa e trabalhar para o desgaste do governo, que estará, à esquerda, também mais pressionado por manifestações de rua.

À partida, as condições para o PS implementar reformas e decisões estratégicas são assim piores do que eram há pouco tempo atrás.  É a politics a condicionar as policies. A menos que Costa dê peso e espaço aos ministros com maior visão estratégica e que Marcelo, através do seu novo ascendente no PSD, seja o catalisador de algumas reformas.

PS: Talvez estejamos condenados a pequenas reformas que, porventura, possam ser transformadoras e impactantes, conforme ponderado por algumas entidades da sociedade civil.  

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