Quando São Paulo escreveu aos cristãos de Roma que “a esperança não engana” (Rm 5, 5), não estava a fazer uma observação óbvia, mas a negar, em nome da fé cristã, o que parecia ser uma evidência inexorável. Com efeito, os fiéis que viviam na capital do império romano sabiam que, em qualquer momento, se podia abater sobre eles uma impiedosa perseguição. Assim aconteceu quando Nero mandou crucificar muitos cristãos, responsabilizando-os pelo incêndio da urbe que ele próprio provocara. Muitos dos primeiros fiéis foram também pasto das feras, ante uma multidão ululante que fazia do seu máximo sacrifício motivo de ímpio e cruel divertimento.

Ao declarar 2025 um Ano Santo Jubilar, o Papa Francisco quis cumprir com uma antiga tradição eclesial, como expressamente reconheceu na Bula Spes non confundit, pela qual procedeu à sua proclamação: “segundo uma antiga tradição, o Papa proclama, de vinte e cinco em vinte e cinco anos”, um Jubileu. Na sua multisecular história, os Jubileus oferecem ao povo de Deus uma extraordinária ocasião de graça, sobretudo pela remissão dos pecados.

A este propósito, o Papa Francisco, na referida Bula, recordou: “Apraz-me pensar que um percurso de graça, animado pela espiritualidade popular, tenha antecedido a proclamação do primeiro Jubileu, em 1300. Com efeito, não podemos esquecer as diversas formas através das quais se derramou com abundância a graça do perdão sobre o santo Povo fiel de Deus. Recordemos, por exemplo, o grande ‘perdão’ que São Celestino V quis conceder a quantos iam à Basílica de Santa Maria de Collemaggio, em Áquila, nos dias 28 e 29 de Agosto de 1294, seis anos antes de o Papa Bonifácio VIII instituir o Ano Santo. Por isso, a Igreja já tinha a experiência da graça jubilar da misericórdia. E antes ainda, em 1216, o Papa Honório III acolhera a súplica de São Francisco, que pedia a indulgência para quantos tivessem visitado a Porciúncula nos dois primeiros dias de Agosto. O mesmo se pode dizer da peregrinação a Santiago de Compostela: de facto, o Papa Calisto II, em 1122, concedeu que se celebrasse o Jubileu naquele Santuário sempre que a festa do apóstolo Tiago calhasse num domingo. É bom que continue esta modalidade ‘generalizada’ de celebrações jubilares, de modo que a força do perdão de Deus sustente e acompanhe o caminho das comunidades e das pessoas.”

O último Jubileu ordinário ocorreu durante o pontificado de São João Paulo II, no ano 2000, mas o último Ano Santo Jubilar já foi decretado pelo Papa Francisco e insere-se num conjunto de outras importantes efemérides cristãs. Com efeito, “o Ano Santo de 2025 está em continuidade com os anteriores eventos de graça. No último Jubileu ordinário, atravessou-se o limiar dos dois mil anos do nascimento de Jesus Cristo. Em seguida, no dia 13 de Março de 2015, proclamei um Jubileu extraordinário com o objetivo de manifestar e permitir encontrar o ‘Rosto da misericórdia’ de Deus, anúncio central do Evangelho para toda a pessoa e em cada época. Agora chegou o momento dum novo Jubileu, em que se abre novamente, de par em par, a Porta Santa, para oferecer a experiência viva do amor de Deus, que desperta no coração a esperança segura da salvação em Cristo. Ao mesmo tempo, este Ano Santo orientará o caminho rumo a outra data fundamental para todos os cristãos: de facto, em 2033, celebrar-se-ão os dois mil anos da Redenção, realizada por meio da paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus. Abre-se, assim, diante de nós um percurso marcado por grandes etapas, nas quais a graça de Deus precede e acompanha o povo que caminha zeloso na fé, diligente na caridade e perseverante na esperança(cf. 1Ts 1, 3).”

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Como recorda o Santo Padre, “todos esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expectativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã. Porém, esta imprevisibilidade do futuro faz surgir sentimentos por vezes contrapostos: desde a confiança ao medo, da serenidade ao desânimo, da certeza à dúvida. Muitas vezes encontramos pessoas desanimadas que olham, com ceticismo e pessimismo, para o futuro como se nada lhes pudesse proporcionar felicidade.”

É muito portuguesa a crença no destino, ou fado, entendido como o inexorável fluir da vida segundo forças que não só não dominamos como tememos que sejam adversas. Por isso, o Papa Francisco expressa um voto universal, que tem especial pertinência em relação à alma lusa: “Que o Jubileu seja, para todos, ocasião de reanimar a esperança! A Palavra de Deus ajuda-nos a encontrar as razões para isso”. 

Com efeito, São Paulo, na sua carta aos cristãos de Roma, faz um impressionante panegírico do invencível optimismo cristão: “Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? (…) Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores graças Àquele que nos amou. Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Senhor nosso» (Rm 8, 35.37-39).

Se o fado é um vago determinismo que nada tem de cristão, a esperança cristã é, na sua essência, consciência viva de uma predestinação, que Paulo de Tarso refere, com insistência, na introdução da sua epístola aos efésios (Ef  1, 4-5.11). Esse desígnio divino, sem retirar autonomia e liberdade ao ser humano, nem impedir, portanto, a radical possibilidade da sua eterna condenação, dá razão ao fundado optimismo cristão.

A esperança cristã não nasce da vontade humana, mas do querer de Deus, quando opera no coração do crente a graça da salvação. Como virtude teologal, juntamente com a fé e a caridade, a esperança não é uma virtude que se possa adquirir pela repetição de actos, mas uma graça de Deus que opera e antecipa a salvação. Neste sentido, o seu objecto é o próprio Deus, enquanto autor da redenção: não se pede ao fiel cristão que se santifique, mas que se deixe santificar pela acção de Deus na sua alma em graça.

Como esclarece o Papa Francisco, “na verdade é o Espírito Santo, com a sua presença perene no caminho da Igreja, que irradia nos crentes a luz da esperança: mantém-na acesa como uma tocha que nunca se apaga, para dar apoio e vigor à nossa vida. Com efeito a esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino.”

Muito feliz Ano Santo Jubilar!