A queda no preço do petróleo é celebrada por consumidores e diabolizada por produtores. No caso dos países que dependem quase exclusivamente da produção de petróleo como fonte de receita, como é o caso da Venezuela, a queda no preço do petróleo tem agudizado os problemas económicos que o país já enfrenta. Com a queda para os $30/barril, a Venezuela passou de excepção a regra, sendo que todos os produtores de petróleo estão a ser profundamente afectados pela queda no preço de produção.

Embora um grupo significativo de países produtores tente agir em conluio através de uma organização criada para o efeito, a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), a continua queda do preço do petróleo mostra que a estratégia não tem resultado, assim ilustrando a fragilidade dos conluios. Como é que isto acontece e quais as potenciais consequências serão objecto de análise neste artigo.

A origem da OPEP

Fundada, em 1960, por cinco dos maiores produtores de petróleo, a Arábia Saudita, o Irão, o Iraque, o Kuwait e a Venezuela, a OPEP visava criar um oligopólio. Isto é, garantir que os seus membros actuam de forma coordenada, em conluio, assim maximizando os seus interesses, que se resumem a aumentar o lucro. A OPEP teve bastante sucesso a impor a sua força no mercado do petróleo em 1973, na sequência da guerra de Yom Kippur, quando conseguiu que o preço subisse dos $2/barril para os $10/barril, um aumento nada desprezível de 500%. Novamente, em 1979, a OPEP consegue, agindo de forma coordenada, que o preço do petróleo atinja os $30/barril.

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Quando olhamos para a evolução do preço do petróleo, que é vendido, grosso modo, em três variantes distintas: brent, WTI e Dubai/Oman, verificamos que a OPEP teve, com maior ou menor sucesso, alguma eficácia a manipular o preço do petróleo. No entanto, outros factores que não do lado da oferta (i.e. do lado da produção) também condicionam o preço. Em particular, a variação da procura. Um aumento da procura fruto de guerras e conflitos armados ou do crescimento de países emergentes terá também influência no preço.

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Como é que os produtores de petróleo influenciam o preço?

Afinal, o petróleo é vendido em mercados internacionais, não sendo possível fixar o seu preço administrativamente, como faria um governo no seu país. Tal como em qualquer outro mercado, o preço é o resultado do encontro entre oferta e procura. Sabemos, pela própria experiência pessoal, que a abundância ou a escassez de um bem influencia significativamente o seu preço. No S. António ou no S. João, quando a procura por sardinha aumenta, o preço aumenta também. Quando a apanha da sardinha é abundante, o preço cai. O petróleo não é excepção. No entanto, tem uma pequena variação com grande impacto: dado que existem poucos produtores, estes conseguem influenciar o preço de mercado (isto é, são price-makers). Se produzirem mais o preço baixa, se produzirem menos o preço sobe. Num mercado competitivo isto não aconteceria. Um pescador, por muito boa que tivesse sido a apanha, não conseguiria individualmente influenciar o preço da sardinha.

Os produtores de petróleo estão conscientes disto. Sabem que, se individualmente produzirem mais, o preço não baixa significativamente. Contudo, se os outros pensarem da mesma forma o preço acaba mesmo por baixar, reduzindo assim a margem de lucro e conduzindo a um efeito contrário ao pretendido — o preço desce e o lucro desce também. O equilíbrio é altamente instável, pois cada produtor de petróleo tem incentivos a produzir mais individualmente, mas quando todos o fazem, todos saem prejudicados.

O economista Antoine Cournot estudou este efeito no mercado de água embalada em França, onde só existiam dois produtores, e chegou a conclusões interessantes. Percebeu que, antes de mais, cada produtor tentará antecipar o que farão os outros, e reagirá em função disso. Por exemplo, se a Venezuela decidisse reduzir a sua produção, tentando assim causar um aumento no preço, a Arábia Saudita poderia reagir aumentando a sua própria produção diária, capturando a quota da Venezuela. Como a produção se mantém inalterada, o preço não sofrerá grandes alterações. Em resultado disto, a Venezuela terá um lucro menor e a Arábia Saudita capturaria parte desse excedente. Como todos os países sabem que isto pode acontecer, o que resulta é que nenhum país arrisca alterar a sua produção, gerando-se um equilíbrio estável.

Embora possa parecer, esta solução pode não ser óptima para o produtor. Em equilíbrio de Cournot, os produtores acabam por produzir mais, fazendo assim com que o preço caia, como atesta o seguinte gráfico. Se seguissem uma outra estratégia seria possível aos produtores maximizarem o seu lucro, baixando a quantidade produzida.

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Para tal, e admitindo que a procura se mantém constante, teriam de reduzir a quantidade que produzem, o que, como já vimos, acaba por não acontecer. Excepto se os produtores encontrarem um mecanismo de coordenação que lhes permita fixar a quantidade produzida. Esse é precisamente o propósito da OPEP.

Os conluios são instáveis, e a OPEP não é excepção

Este processo, que na literatura se designa de conluio, é então a coordenação das estratégias dos diferentes produtores por forma a maximizar o excedente dos produtores, obrigando os consumidores a pagarem mais. Curiosamente, e ao contrário do que muitos julgam, é altamente instável. Imaginemos que todos os países da OPEP concordam em fixar quotas por forma a que a produção global faça aumentar o preço.

Para alguns países isso implicará reduzir a sua produção diária, o que terá um impacto financeiro até que o preço ajuste, subindo, compensando então a queda de produção. Se nos primeiros meses a situação até é comportável, passado algum tempo as finanças públicas do país poderão ressentir-se. Uma menor receita do petróleo origina uma menor receita fiscal, o que poderá implicar aumentar o endividamento ou cortar na despesa. Ambos com consequências económicas e sociais. O efeito é um enorme incentivo a que os países, individualmente, não cumpram a estratégia acordada no conluio, assim tentando maximizar o seu lucro individual.

Com efeito, quando olhamos para o histórico das quotas oficiais e da produção efectiva, verificamos que existe um gap considerável entre aquilo que os membros da OPEP produzem e aquilo que estes acordaram produzir.

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Até aos dias de hoje

Segundo contas da revista The Economist, para que os diversos produtores de petróleo consigam um orçamento equilibrado, isto é, para que a queda no preço não obrigue a cortes significativos na despesa ou a um enorme endividamento, o preço do petróleo teria de estar a cerca de $70/barril. Países como a Rússia necessitam do petróleo a $100/barril para manterem um orçamento equilibrado, e a Venezuela necessitaria de um preço a rondar os $120/barril. Com o petróleo a atingir os $30/barril, valor muito abaixo do necessário para que os produtores de petróleo tenham as finanças públicas equilibradas (sem recurso a outras medidas de contenção orçamental), interessa perguntar porque é que a OPEP tem sido incapaz de fixar quotas e causar uma subida generalizada dos preços.

Em primeiro lugar, porque, tal como já vimos, o conluio é uma estratégia altamente instável. Países como a Venezuela teriam um enorme custo no curto prazo em parar a produção na esperança que o preço suba, custo esse que não podem comportar, especialmente se uma subida no preço não ocorrer. Como tal, para compensar a queda no preço acabam por produzir mais, o que gera uma queda ainda maior. É um círculo vicioso.

O impacto do fracking

Por outro lado, porque se suspeita que exista uma estratégia deliberada da Arábia Saudita para levar à falência as empresas que têm vindo a surgir nos EUA, que usam uma inovadora técnica de extracção de petróleo, o fracking. À semelhança dos países produtores, estes pequenos produtores precisam que o preço do petróleo seja mais elevado para que a extracção seja rentável. Caso contrário, fica mais caro extrair o petróleo do que a receita que obtêm vendendo-o. Quando assim é, poderá não fazer sentido continuar a produzir durante muito mais tempo. No entanto, e contra os intentos da Arábia Saudita, os mercados de capitais nos EUA têm apoiado estes pequenos produtores, concedendo-lhes crédito até que a situação estabilize. Para infortúnio da Arábia Saudita, durante mais tempo do que aquilo que esta suponha.

Notícias recentes indicam que, pela primeira vez em muitos anos, a Arábia Saudita terá um défice orçamental fruto da queda do petróleo, tendo sido forçada a vender muitas das suas enormes reservas de moeda estrangeira e a recorrer à emissão de dívida pública.

O impacto para Portugal

Portugal importa cerca de 300 mil barris por dia. A $40 dólares o barril, isto significaria um custo de cerca de 4 380 milhões de dólares por ano só para suportar as importações de petróleo. Com o petróleo a $30, os mesmos 300 mil barris custarão 3 285 milhões de dólares, originando uma poupança de 1 095 milhões de dólares, cerca de mil milhões de Euros, 0.5% do PIB. Admitindo que as exportações dos refinados se mantêm constantes, esta queda de 20% na cotação do preço do petróleo poderá originar, via efeito de redução no custo das importações, um acréscimo de 0.5 p.p. na taxa de crescimento do PIB.

Por outro lado, o preço baixo dos combustíveis fósseis funciona como um desincentivo à aposta nas energias renováveis, que ainda têm um custo de exploração bastante superior, dado o seu reduzido rendimento quando comparadas com os combustíveis fósseis. Tudo somado, a bonança de curto prazo proporcionada por uma baixa no preço do petróleo pode ter outras consequências menos positivas no longo prazo.