Há exactamente 47 anos, voltei a Portugal, como tantos companheiros, depois de mais de dez anos de exílio em França, onde me tinha refugiado graças a uma série de coincidências que me permitiram escapar à PIDE. Entretanto, abandonei o PCP, ao qual aderira após a campanha Delgado em 1958; acompanhei por pouco tempo a «cisão pró-chinesa»; e em Maio de 1968, conheci as novas formas de contestação daquela época. Regressado a Lisboa, tive a fortuna de entrar como professor na universidade e abandonar os tiques dos políticos profissionais.
A minha visão de Portugal é conhecida. O primeiro facto a notar, como historiador e antigo exilado, é que Portugal, país de migração secular, não é dado a revoluções. Quando nos sentimos mal, a nossa tendência é ir embora, «votar com os pés» contra o descontentamento, segundo o leque de «opções» concebido pelo economista político Albert Hirschman: «Exit, voice and loyalty» (1970). A maioria de nós mais depressa escolherá a «saída» do que fará ouvir a sua «voz»!
Não deixa de ser curioso que uma recente sondagem revele que só 10% da população considera Portugal um país «democrático». Isso mostra como é complexa a noção de democracia. A verdade é que, além das eleições estarem manchadas entre nós por um abstencionismo maciço, quem tudo decide são os políticos profissionais.
A Constituição de 1976, bem como as suas revisões mais importantes dos anos ‘Oitenta’, caracterizam-se por nunca terem sido referendadas pelo eleitorado. Do mesmo modo, nenhum dos tratados assinados com a UE foi referendado apesar de afectarem os direitos nacionais. Daí o distanciamento dos cidadãos em relação às decisões domésticas e às comunitárias. A falta de democraticidade vem, contudo, de muito mais longe do que a pandemia ou a disputa entre «direita» e «esquerda» acerca da dívida pública… Com efeito, 47 anos depois, pretende-se hoje glorificar uma revolução de Abril que não só nunca existiu como constitui uma forma de excluir os cidadãos que não conheceram a Ditadura mas, pelo contrário, conhecem bem o actual regime!
Na realidade, há porventura mais de um século que não há revoluções em Portugal. Hermínio Martins deixou isso claro na sua obra póstuma, «As Mudanças de Regime em Portugal no Século XX» (2018). Com efeito, a «revolução republicana» de 1910 não passou de um golpe militar, seguido de sangrentas escaramuças entre militares desavindos, até ao golpe final de 28 de Maio de 1926, o qual derrubou então o Partido Republicano, modelo perfeito dos partidos que só pensam em manter-se no poleiro seja de que modo fôr!
Os republicanos seriam, por sua vez, afastados pelo golpe de 28 de Maio de 1926, o qual abriu o terreno a um regime militar cujo comando Salazar tomaria com base na crise financeira de 1928. Demorou mas acabou por criar um «Estado Novo» ditatorial, corporativo e repressivo QB em 1933. Este só caiu, depois de Salazar já ter morrido, às mãos de novo golpe militar, o qual pôs finalmente termo a 13 anos de uma guerra colonial de baixo teor à qual Caetano não tivera coragem de pôr termo!
Não é este o momento de analisar o golpe de 25 de Abril mas não se pode deixar de chamar a atenção para a composição política abrangente da Junta de Salvação Nacional e do primeiro governo provisório, os quais se comprometeram a estabelecer um regime livre e pluralista. Este acabou por vingar com a difícil proclamação de uma Constituição favorável ao PS… que assim tem andado de crise em crise até à actual! Antes disso, porém, a falta de maioridade política dos partidos facilitou o reforço do PCP e dos grupos «esquerdistas» até à nacionalização da banca com o golpe de 11 de Março de 1975 e com a «reforma agrária».
Dito isto, o papel do PCP era sobretudo entregar as colónias à URSS, como efectivamente aconteceu. Contudo, bem me recordo de os militares do «Grupo dos Nove» avisarem na RTP: quem tentar desequilibrar a relação de forças, perde! E assim foi. A 28 de Setembro do mesmo ano, a ala anti-democrática foi afastada do poder, a Constituição avançou e pouco tempo depois o PS tomava conta do governo… com as primeiras manifestações de clientelismo que hoje constituem a sua especialidade!
Revolução não chegou a haver nenhuma. Nem então nem muito menos depois. As colónias foram parar aos «soviéticos» e, quando a «cortina de ferro» acabou, sabe-se em que deram os novos países. Graças a Mário Soares, Portugal acabou por aderir à futura UE contra a vontade das «esquerdas» e das «direitas», salvaguardando contudo o que hoje nos resta de esperança. Uma coisa é certa: o PS está cada vez mais parecido com o Partido Republicano de 1926 e o menos fadado dos partidos para continuar a celebrar «revoluções que nunca houve»!