Em primeiro lugar, os 50 pela “reforma da justiça”. O grupo lançou-se em Maio, quando 50 senhoras e cavalheiros redigiram e assinaram um manifesto que considera a justiça “o sector público que mais problemas tem vindo a evidenciar”. Não é a saúde, nem sequer a educação. É a justiça. Para dizer a verdade, não é bem a justiça que aflige os subscritores daquilo: é a justiça aplicada à classe política, que ocasionalmente se vê incomodada a meio de uma trapaça qualquer.

Os 50, que incluem faróis de rectidão do calibre de um Rio Rio, um Augusto Santos Silva, um Ferro Rodrigues, um Proença de Carvalho, um Vítor Constâncio e duas irmãs Beleza, acham mal que os esforços para treparmos aos píncaros dos índices de corrupção no Ocidente estejam dependentes de juízes independentes. Mas não é esse o ponto. O ponto é que, dois meses e meio depois, os 50 continuam por aí, a pedir (e a conseguir) audiências nos guichés do poder, a despejar o catecismo nas televisões e, em suma, a manter uma camaradagem gira.

Em segundo lugar, os 50 jovens pela “reforma da justiça”. O adjectivo, que os próprios assumem, descreve tudo: são jovens, não gostam das interferências do Ministério Público na política, gostaram do manifesto dos crescidos, copiaram uns pedaços, encheram o resto com sabujice e apresentaram-se às massas em finais de Junho. Embora a ausência de sumidades prejudique a repercussão, nada impede que a rapaziada conviva com frequência e prazer.

Em terceiro lugar, os 50 contra o “racismo institucional”. Esta agremiação, cujo destaque inevitável é Joacine Katar Moreira, é fresquíssima. Surgiu no passado Domingo, através de um protesto no Cais das Colunas, em Lisboa. A desculpa foi o caso de Janeiro de 2020 em que uma mulher, Cláudia Simões, e um homem, Carlos Canha, se engalfinharam à pancada, e ela perdeu. Dado que a mulher é negra, o caso tornou-se automaticamente “racial”. Dado que o homem é polícia, o racismo subiu logo a “institucional”. Podia argumentar-se que um agente violento não define a corporação, ou que a cor da pele não legitima a que se morda o próximo, ou que o tribunal até deu razão ao sujeito. Porém, essas miudezas somente serviriam para retirar o pretexto do protesto e a alegria da confraternização. “De punho em riste, Cláudia resiste”: já há slogan, falta marcar um almoço.

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Em quarto e por enquanto último lugar, os 50 “pela liberdade de escrever, de publicar, de ler”, agrupamento acabadinho de nascer por via de uma carta a três ministras divulgada na segunda-feira. Aqui, os signatários são editoras e indivíduos, revoltados face aos “ataques da extrema-direita a autores e bibliotecários”. Dito assim, parece tratar-se de sucessivos atentados da Al-Qaeda, com um número crescente de mortos e feridos. Felizmente, que me lembre, aconteceu apenas que duas ou três apresentações de livros infantis foram verbalmente perturbadas por um punhado de criaturas avessas ao conteúdo LGBTEtc. dos mesmos. Não morreu ninguém, salvo a coerência: uma das editoras da carta, por exemplo, é a concessionária local da Penguin, empresa que tem reescrito e rasurado diversas obras literárias. A “liberdade de trucidar o trabalho alheio” não soa tão heróico, nem possui efeitos gregários como encontros informais, “sunsets” e jantaradas em geral.

Está visto. A principal tendência do Verão 2024 não são os ombros assimétricos, os calções curtos ou a necessidade de dar palpites sobre a carreira de Cristiano Ronaldo. A tendência é juntar uma pandilha em volta de uma “causa” e produzir chinfrim. Notaram o critério comum? Além do ócio dos envolvidos, claro. Falo, evidentemente, da quantidade de convivas: sempre 50. Compreende-se. Por um lado, manifestos, cartas e protestos de alguém sozinho exige que o dito tenha autoridade e prestígio (matérias em que os acima implicados são mais ou menos deficitários), sob pena de comparações ao Unabomber ou maluquinhos similares. Por outro lado, 50 pessoas é a maralha ideal para dar nas vistas e fingir relevância “cívica”. E reservar uma sala inteira do restaurante. E encher um autocarro para agradáveis excursões a Torremolinos ou às sedes de entidades oficiais e oficiosas.

Não pensem que desvalorizo a moda. Pelo contrário: invejo-a. Também eu gostaria de integrar um rancho de 50 cidadãos empenhados numa “causa”. Sucede, admito-o com mágoa, faltarem-me duas coisas. Não disponho de 49 amigos, ou no mínimo de 49 conhecidos com quem partilhar uma “causa”. Pior ainda, não disponho de uma “causa”. Disponho de esperança, e a paráfrase do filme Field of Dreams, constrói e eles virão. Talvez se arranjar a “causa”, os amigos, ou 49 alminhas com vocação de rebanho, apareçam. A questão é: qual “causa”? À semelhança das lojas no fim dos saldos, está tudo muito escolhido e só sobram monos. A erradicação dos pepinos frescos? A semana de dois dias? A urbanização da ilha Sentinela? Tenciono passar o resto de Julho a reflectir. Em Agosto falamos.