A banalização da autoridade que está a acontecer debaixo dos nossos olhos, não é um assunto para ser tratado com leviandade ou brevidade. Deve ser objecto duma profunda reflexão e não deverá ser abandonado até estar corrigido.

Em 1963, Hannah Arendt, baseada nos relatos que escreveu como correspondente do New Yorker sobre o julgamento de Adolf Eichmann, cunha a expressão banalidade do mal. Segundo Arendt, Eichmann, que não apresentava traços antissemitas nem qualquer distorção psicológica, acreditando ser o seu dever limitou-se a dar cumprimento a ordens superiores, sem qualquer questionamento ou reflexão sobre as consequências inerentes às mesmas, apenas motivado pelo seu desejo de ascensão na estrutura hierárquica nazi.

Uma juíza e uma procuradora foram agredidas. É de estranhar que qual tenha acontecido? Ou será mais surpreendente que os titulares dos restantes órgãos de soberania ainda não tenham sido agredidos?

Começou por ser esporádico. Mas actualmente é usual. Uns mais do que outros, funcionários da autoridade tributária, fiscais da segurança social, professores, auxiliares, enfermeiros, médicos e até polícias são ou já foram agredidos. Recentemente assistiu-se ao caso dos bombeiros de Borba e agora o episódio do tribunal de Matosinhos.

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Tendo em conta a panóplia de actividades humanas acima referidas, não é possível afirmar que as profissões são a causa. O que está em questão é a banalização da autoridade do Estado, particularmente, e a falta de respeito pelos agentes públicos que daí advém. Ora, para que o respeito seja observado é imprescindível combater a impunidade. A todos os níveis e de toda e qualquer pessoa. Sem respeito não há autoridade. Sem autoridade não há sociedade. Como tal, a banalização da autoridade é muito pior, pois coloca em causa a ordem social. É, por isso, urgente reafirmar apoio aos agentes da PSP e da GNR e dotá-los das condições e do equipamento necessário ao cumprimento das suas funções.

Que fenómeno originou esta constatação? O alheamento dos órgãos políticos e públicos do cumprimento das suas obrigações está indirectamente a fomentar um sentimento de impunidade. No entanto, a raiz da banalização da autoridade está na aplicação da agenda da esquerda mais extrema – em especial PCP, BE, e satélites destes últimos, nomeadamente o SOS racismo, etc. – cujo principal objectivo é a desvalorização da lei e da ordem pública. Como ocorre essa desvalorização? Apostam muito e há anos na doutrinação escolar, começando no ensino básico e secundário, mas sobretudo nas universidades. Porém, o pináculo dessa doutrinação e simultaneamente o mais agressivo ataque à ordem social, qual braço-armado, são as intervenções públicas do dirigente da SOS Racismo, Mamadou Ba (que convenientemente se afastou do BE), contra os agentes da autoridade. Estas intervenções não são de negligenciar e deviam ser objecto de séria ponderação tendo em conta o que dispõe, entre outros, o art.º 240.º do Código Penal. Note-se que o comportamento de Mamadou Ba é, no mínimo, curioso. Eu olho para ele e vejo um homem ou uma pessoa. Ele olhará para mim e, provavelmente, verá um branco.

Cidadania é a soma dos direitos e deveres. Contudo, a esquerda portuguesa nunca refere os deveres e defende, há anos, os direitos adquiridos. Não deixa de ser curioso que, dois séculos após a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Liberal em Portugal (1820), que acabaram com os direitos e privilégios adquiridos, sejam os partidos socialistas e marxistas quem mais defende esses direitos e privilégios, nada dizendo sobre os deveres. Ora, esta postura abrange todos os portugueses? Não. Os agentes da PSP e da GNR são objecto de críticas contundentes por cumprirem as suas obrigações e de campanhas que os procuram denegrir, visando manipular a opinião pública contra a lei e as forças da autoridade.

Este exemplo anda a circular na internet e nas redes sociais. “Há alguns anos atrás fomos chamados pela PSP para socorrer um detido. Ao chegar encontrámos um homem algemado com as mãos atrás das costas, deitado na entrada da esquadra, que batia voluntária e violentamente com a cabeça no chão enquanto gritava: “Não me batam mais, não me matem!!” Cheguei perto dele, toquei-lhe no ombro e disse-lhe: “Somos do INEM… ninguém te está a tocar, já podes parar com isso”. Envergonhado, sentou-se e deixou ser tratado. Foi apanhado em flagrante a furtar várias viaturas. Ninguém o agrediu. Quando saímos tínhamos dezenas de pessoas à porta revoltadas contra a polícia por terem ouvido os gritos e pelo estado lastimável em que o homem se encontrava”. Não é o único e o caso recente de Cláudia Simões é igualmente exemplificativo.

O paradigma da estupidez pode ser ilustrado pela incapacidade dos agentes da PSP e da GNR se defenderem das agressões que sofrem. Que tipo de postura deve ter um polícia perante alguém que se recusa a colaborar e resiste à autoridade?

Tanto a desobediência, como o abuso de autoridade, estão previstos na lei. Se um agente da autoridade abusar do seu estatuto deve ser inflexivelmente processado. Deve igualmente ser censurado pelos seus pares. A banalização da autoridade também se verifica quando os polícias não cumprem a lei ou quando agem corporativamente na defesa daqueles agentes que excederam a autoridade que a lei lhes confere. Todavia, perante a inevitabilidade duma reacção proporcional, esse mesmo agente deve ser apoiado.

É o Estado, em particular o governo, quem frequentemente não possibilita condições para o exercício da autoridade. É inaceitável que assim seja.