Recomeça a «guerra do Orçamento», como li já não sei bem onde, por entre notificações e demais lixo electrónico. O dr. Montenegro reunirá com o dr. Pedro Nuno e o país, em já avançado estado de ansiedade, não consegue mais suster a respiração pelo respectivo resultado, e permanece, suspenso, aguardando pelo momento final em que possa, por fim, bocejar. Resolvido o problema dos incêndios, voltemos, pois, agora ao problema do Orçamento, que se resolverá da mesma forma: com o passar do tempo, até ao ressurgimento do mesmíssimo problema, tempos depois.
É, de resto, notável a rapidez com que os temas desaparecem do chamado espaço público. O caso dos incêndios só é mais interessante do que todos os outros porque é um dos que mais comove as massas e mais mobiliza o jornalismo, e porque tem o dom de desaparecer do debate mais depressa do que o tempo que ocupa o incêndio propriamente dito.
Ontem, Henrique Pereira dos Santos publicava aqui, no Observador, um texto alertando para o que provavelmente acontecerá daqui a meia dúzia de anos se mantivermos esta disciplinada inércia no que diz respeito à política de gestão do fogo. Terá sido, talvez, o remate final na exposição mediática do tema. Pereira dos Santos, lamentavelmente, regressará, como outros, ao lugar de sempre, e para onde se remete quem ainda sabe alguma sobre os temas, que é o deserto, onde poderão continuar a pregar.
Daqui a tempos, cá estaremos novamente, os que estiverem, para nos indignarmos, vociferar contra os incendiários, era atá-los a um pinheiro e deixá-los arder, e esperar que chova. Por essa altura, as televisões voltarão a chamar os mesmos de sempre, e, também como sempre, ignoraremos o que têm para dizer. Até lá, teremos sempre com que nos entreter, o comentário é inesgotável, a velocidade das notícias provoca-o, sem que haja, por uma vez, um debate sério e profícuo sobre políticas públicas do futuro ou sequer uma avaliação sobre as implementadas.
Resta-nos a táctica, a guerrilha, a análise comportamental dos seres politicamente activos, num debate público que tem mais de forma do que de conteúdo, essencialmente guiado por um presidente da República que é o pai de toda esta criação, dos próprios agentes políticos aos “comentadores” e “analistas” de quase tudo, já consagrados ou ainda aspirantes.
Na verdade, o mundo vive tempos demasiado interessantes, no sentido em que viver em tempos interessantes é uma maldição, para que a pobre política portuguesa, sem relevância, sem estrutura, sem sequer interesse algum, e já com provas dadas da sua incapacidade reformadora, tenha alguma capacidade de atrair vontades ou dedicação. Lá fora, dos cenários políticos aos conflitos bélicos, do comércio aos movimentos sociais, tudo parece acontecer. Cá dentro, o doutor Montenegro reunirá com o doutor Pedro Nuno, sob o olhinho vivo e ameaçador do professor Marcelo, para se debruçarem sobre o Orçamento do Estado, sem o qual, dizem, o país, o mesmo país onde o multibanco está tantas vezes “indisponível”, aparentemente não sobrevive.
Pelo caminho, há que franzir o sobrolho, fazer voz grossa, asseverar os perigos desta ou daquela solução, enaltecer a astúcia deste ou daquele, como se aquilo que se diz, se comenta, se analisa, tivesse sequer alguma importância ou interesse mais do que a do entretenimento de uma minoria que questionavelmente se interessa por estas coisas. Ao mesmo tempo, assiste-se à telenovela, a verdadeira, em sinal aberto, à ficção nas diversas plataformas, à verdadeira ficção, e não a esta outra que é a política portuguesa. Tudo isto é um aborrecimento pegado. E, ao contrário do que previ, não me deixei entusiasmar assim tanto com esta ideia da campanha eleitoral permanente, sem cores e sem bandeiras, sem comícios e sem panfletos, sem beijos a velhinhas e sem aqueles ajuntamentos de “jovens”, como quem assegura a sua preocupação seja lá com o que for. Esta campanha eleitoral permanente é um tédio monumental, não serve nada, não serve ninguém. Excepto, imagino, o jornalista-activista que se gostaria mais como político e ao qual faltam habilidades, e o comentador-sem-mais-nada-que-fazer, que precisa do recibo para viver. Haja alguém.