Foi com consternação e mágoa que ouvi a mensagem Pascal proferida pelas entidades políticas, nacionais e europeias que nos governam (primeiro ministro português e Ursula Von der Leyen) mais ou menos afinados no mesmo diapasão: O necessário e eventualmente obrigatório enclausuramento dos idosos até ao final do ano, clausura que, idealmente, apenas deveria ser quebrada no momento do aparecimento da vacina, ou seja talvez daqui a ano e meio. Chegou-nos ainda o aviso que nos deveríamos desde já preparar para um novo surto no Outono, e que provavelmente a Páscoa só voltaria a existir lá para o ano de 2022.

Felizmente que o Papa Francisco, na humanidade e sabedoria dos seus 77 anos, não dividiu a comunidade humana em grupos geracionais, mas envolveu-nos a todos numa mesma peregrinação de estações terrivelmente desiguais, ora de abundância e júbilo, ora de escassez e doença independentemente de geografias e idades, não se esquecendo, contudo, de citar casos concretos, em que os sacrifícios, não derivados de qualquer decreto, são muito mais violentos que noutros.

Claro que perante cenários futuros de tão incerta previsão, e face a um imediato tão duro e desconfortável, todos percebemos e até desculpamos equívocos e oscilações nas decisões dos governantes.

Cidades vazias e quase congeladas, crianças e adolescente atingidos no mais fundo do seu ADN ao verem-se privadas da energia da escola e do convívio. Pais e adultos que, no auge da sua vitalidade e responsabilidade, parecem inesperadamente privados de perspectivas de trabalho e empregos, ou de vencimentos e receitas a que tão legitimamente teriam direito, como prémio do seu mérito e esforço.

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O momento é, pois, de desolação para a grande maioria. Acontece que, mesmo nesta realidade de provação e de liberdade condicionada para todos, nenhuma argumentação de autoridade poderá ser invocada para se retirar a uma determinada camada da população dita adulta, a autonomia de decisão sobre o seu modo de viver ou liberdade de circular. A chamada população idosa, os chamados velhos ou seníores que vai dos 70 até aos 100, poderia assim vir a ser indiscriminadamente amputada das suas liberdades mais intimas ou do seu legítimo desejo de viver.

De facto, com base nas mensagens políticas acima referidas e noutras ouvidas a comentadores e até a cientistas vários, a pretexto de uma possível e alegada protecção, pretende-se recolher a dita terceira ou quarta idade num gueto dos «impróprios para consumo» ou «materiais fora de prazo».

Desde já afirmo que sou parte interessada no assunto, já que tenho 72 anos e faço portanto parte do dito grupo de risco, grupo, aliás, que inclui inúmeras figuras no activo, algumas delas com as mais altas responsabilidades do País. Daí acontece que, apesar das minhas fragilidades e natural desgaste físico, não só me identifico como mãe e avó em pleno, como mantenho igualmente uma enorme necessidade e gosto de viver e fazer. Além disso e sobretudo por isso, tenho uma crescente consciência da escassez do tempo que me resta, ou nos resta, para poder viver em condições minimamente aceitáveis. E essa escassez de tempo, ou irremediável finitude já é ameaça e fatalidade que baste. A imposição de mais restrições não será, pois, exigível ou até simplesmente razoável.

Assim, interrogo-me: Com base em que legislação se estará a prever que uma faixa da população possa ser impedida do uso dos seus direitos e liberdades individuais?

Poderão os idosos guiar e circular? Ir até ao supermercado? Sim. Farmácia? Sim. Hospital? Sim. À fisioterapia? Sim. Mas ir ao parque ou ao rio passear? Ou se quiserem ir almoçar ou jantar ao restaurante? Ou participar num qualquer movimento cívico ou de solidariedade ? E cinemas, teatros, palestras, exposições ou viagens ser-lhes-ão vedados? Ou a frequência de qualquer curso? Claro que várias destas hipóteses serão todas, infelizmente, da ordem da ficção nos tempos mais próximos. Mas apresentam-se apenas como banais exemplos de uma normal vida familiar e social que parece querer ser-lhes negada, mesmo que eles obedeçam às regras de protecção colectivamente impostas.

Será que irá ser necessário a criação de um movimento ou petição pública a favor do regresso do bom senso e contra a segregação dos mais velhos, não excluindo até a necessidade de criação de um partido que, à semelhança do PAN em defesa dos animais, se apresente como o partido dos Velhos ou dos Avós?

Mesmo na Troika em que que tantos bramiam contra a desprotecção e a guerra contra os idosos, nunca se chegou aqui, mesmo nos momentos de maior dureza ou radicalismo.

Obviamente que estamos conscientes que, face à situação de crise sanitária, económica e social que parece presentemente configurar-se, o governo tenha que se preocupar prioritariamente com políticas sociais de emprego ou habitação ou com investimentos público de apoio às empresas e famílias.

Não queremos por isso pedir nada. Mas, por favor, não nos discriminem como elementos anónimos de um grupo isolado.

O que vimos pedir e até exigir é que, apesar de reformados e de idade já avançada, não nos seja extinta a liberdade de escolha, autonomia de decisão, consciência crítica e responsabilidade social.

Nada mais que isso e tão só isso. Qualquer outra forma de discriminação a que parecem querer votar-nos, poderá ser considerada, como alguém já alvitrou nos média, uma forma preliminar de eutanásia.

Lisboa, 21 Abril 2020