Esqueçam o PS incumbente, a AD que lidera as sondagens, as subidas e descidas do Chega, os liberais, os bloquistas, o Rui Tavares, esqueçam tudo; a força política que marca estas eleições são os indecisos.

Nunca, como hoje, se falou tanto deles. Escaldados de erros passados, os media dão agora redobrada, triplicada atenção a um item que antes, na altura de ler as sondagens, pura e simplesmente, ignoravam. O que ainda há pouco era debaixo de um desprestigiante “Não sabe/Não responde” ou, mais desonroso ainda, “ns/nr”, merece agora análise “sem distribuição de indecisos” e “com distribuição de indecisos” e acompanhamento diário nas tracking polls: o número de indecisos subiu em relação a ontem, desceu, há mais, há menos, ainda mais indecisos, mas indecisos entre quê e quê? Não se sabe. E, todavia, toda a gente diz, ó ironia cruel do destino, ó desafio sádico dos deuses, que estas eleições serão eles, os indecisos, a decidir.

É um erro. Toda a gente que já conheceu um indeciso na vida sabe que o pior que lhe podem fazer é colocar pressão em cima. Ele já anda consumido pela dúvida, dilacerado pela escolha, constrangido pela hora – e ainda lhe põem aos ombros a responsabilidade de resolver o impasse. O resultado está à vista: quatro meses de campanha, 783,25 debates, milhões de discursos, intervenções, gaffes e entrevistas de cada candidato, e em vez de ficarem cada vez mais esclarecidos, temos cada vez mais indecisos. Bonito serviço.

E, no entanto, como não simpatizar? Como não os compreender? A indecisão é o estado natural das coisas. O que é estranho são as convicções inabaláveis, as certezas absolutas com que tantos falam, os saltos de fé que dão, as trincheiras que escolhem e escavam.

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Mas há contras, claro que há. Não é fácil a vida familiar para um indeciso. Desde miúdo na dúvida sobre que curso escolher, que desporto praticar, gostar da Soraia ou da Madalena, do Bruno Henrique ou do Pedro Miguel. Mais tarde, consumido pela escolha da profissão, da empresa, do posto de trabalho. Que casa comprar? Que móvel? Que carro? De que cor? Casar ou não casar? Ter filhos ou não ter? É um tempão nas lojas de roupa de cada vez que precisa de uma camisa nova. Os empregados dos restaurantes já o conhecem e dizem logo que não há metade da ementa, a ver se ainda lhe servem o almoço antes das quatro.

Depois, é claro, a angústia estende-se a questões mais profundas. Será que há Deus? Vida depois da morte? Qual o sentido de vida? Que estou aqui a fazer? Donde é que isto vem? Afinal, o que é que se passa com o Roger Schmidt?

Por outro lado, falamos dos indecisos como se fossem uma só coisa, uma massa mais ou menos indistinta na paragem do autocarro da democracia, um clube requintado com boas poltronas e aperitivos, com as quotas pagas até domingo. E, no entanto, numa mesa pode estar um indeciso entre votar PS ou AD e, na do lado, dois indecisos entre votar AD ou IL. E, a seguir, três indecisos entre CDU e MRPP e um mais baralhado entre CDU e Chega. Ao fundo, há ainda outro grupo: o dos indecisos entre ir votar ou passear o cão à praia. Independentemente do resultado do PAN.

No final disto tudo – quando chegar a segunda-feira, quero dizer –, deveriam pensar no que fazer a esta vaga de fundo, a este espaço mediático que conquistaram. Talvez criar um “movimento cívico”, como ainda há poucos anos estava tão em moda na sequência de qualquer candidatura presidencial “independente”. Um sindicato – quem sabe até uma ordem? Falta-lhes um rosto, uma marca. Ouvimos falar de indecisos e vemos apenas alguém de testa franzida, mão cofiando o queixo, a dar voltas à cabeça, sem conseguir tomar uma decisão. Deveriam sair da solidão da dúvida e vir para a rua. Empunhar cartazes onde se leria talvez: “Não sei o que fazer ao país”, “Quem me dera saber”, “E agora?”, “Não tenho propostas, mas tenho umas ideias vagas se alguém as quiser ouvir”. Bandeira é fácil: o ponto de interrogação. Para efeitos de outdoors, é só colocá-lo à frente das mensagens dos outros partidos: Mudar? Confiança? Tachos?

Aguardemos o que domingo trará. Mas, aconteça o que acontecer, estes Hamlets da democracia moderna já venceram. Ganharam os media e o nosso coração. Ser ou não ser liberal ou comunista? Socialista ou social-democrata? Populista ou ambientalista? Esquerda operária ou caviar? Atirem uma moeda ao ar ou, se acharem demasiado capitalista, o smartphone com a bitcoin. Mas decidam-se, por favor. A república agradece.