O desfecho das eleições de 6 de Outubro marca inequivocamente uma crise do espaço partidário não socialista em Portugal. Em contraciclo com boa parte da Europa — onde são os partidos socialistas tradicionais que se encontram em profunda crise — as eleições portuguesas reduziram o espaço não socialista a pouco mais de um terço dos votos. Esta crise exigirá uma reflexão aprofundada a vários níveis, mas vale a pena para já deixar algumas notas iniciais partido a partido.
O PSD tem um muito mau resultado. É certo que o descalabro não foi tão mau como se antecipava um mês antes das eleições e como algumas sondagens sugeriam, mas ter um dos piores resultados de sempre face ao que foi a governação do PS e a campanha de António Costa só pode ser considerado um desaire eleitoral.
Rui Rio tem cumprido o que prometeu e encostado o PSD ao centro-esquerda e ao PS mas a consistência na aplicação da estratégia não foi acompanhada de resultados. O que não deve surpreender já que a estratégia leva à desmobilização de importantes segmentos do eleitorado à direita que tradicionalmente também se reviam no PSD. Isto além de dificultar passar a mensagem de que o PSD visa ser uma alternativa de governação ao PS — e não um mero potencial parceiro para entendimentos com os socialistas.
Para justificar a sua existência, o PSD precisa de voltar a afirmar-se como ponto focal da agregação de todo o espaço do centro-direita, algo que dificilmente poderá ser conseguido pelo prosseguimento da estratégia de Rui Rio.
Se o PSD está mal, o CDS está ainda pior. Quem se recorda agora das previsões que, no rescaldo das últimas autárquicas atípicas em Lisboa, apontavam a possibilidade de o CDS chegar aos 15% a 20% nas legislativas? Com uma votação fortemente penalizadora e uma drástica redução do seu grupo parlamentar, é a própria sobrevivência do partido que pode estar em risco. Não obstante a qualidade do programa coordenado por Adolfo Mesquita Nunes, a liderança de Assunção Cristas pecou por indefinição, comunicou mal e teve pouco carisma.
Ainda assim, é claramente injusto atirar todas as culpas para Cristas já que, pelas razões que expliquei aqui, seria difícil a quem quer que fosse suceder ao “irrevogável” Paulo Portas e ao deserto que este criou à sua volta. Com Iniciativa Liberal e Chega no Parlamento o caminho para a recuperação do CDS é estreito e acidentado. A ala liberal do CDS (e da JP) olhará naturalmente com apetite para o dinamismo e frescura do projecto da IL, enquanto os segmentos com tendências mais conservadoras e nacionalistas dificilmente deixarão de se sentir atraídos por André Ventura.
A Iniciativa Liberal consegue o feito extraordinário de eleger um deputado nas primeiras legislativas a que o partido concorre – e sem apresentar rostos mediáticos. Mais: consegue entrar no Parlamento com um programa e um discurso em muitos aspectos contraintuitivo e que até há poucos anos atrás era quase unanimemente demonizado em Portugal. Ironia do destino, o grande estratega e obreiro deste notável sucesso – Carlos Guimarães Pinto, que foi cabeça de lista pelo Porto – fica a escassas décimas de ser eleito e será o independente João Cotrim de Figueiredo (cabeça de lista por Lisboa) a ter a responsabilidade de representar a IL no Parlamento.
Com potencial essencialmente nas zonas urbanas com maiores níveis de educação e rendimento, o caminho para o crescimento da IL existe mas está longe de ser linear. Além da necessidade da liderança do partido articular discurso e posições com o seu único deputado, a afirmação da IL vai depender também da sua coesão interna e da sua consolidação como porta-bandeira de um programa consistente de redução do estatismo na economia e na sociedade portuguesa.
Já a eleição de André Ventura teve um perfil substancialmente diferente. Com uma votação mais dispersa (o que quase impediu a eleição de Ventura mas sugere melhores perspectivas de implantação a curto e médio prazo), o Chega afirmou-se essencialmente pelo seu líder e pela mensagem de direita sem complexos e com laivos de populismo anti-sistema. Ao contrário da IL (e do CDS), o Chega não se preocupou com o programa (que chega a ser embaraçoso) e teve uma campanha pouco sofisticada.
Em linha com o que já era expectável no rescaldo das eleições europeias, à direita continua a ser o Chega quem tem maior potencial de crescimento. André Ventura tem perfil para se tornar uma figura ainda mais mediática, é um excelente comunicador e tem boa imagem. Mas talvez mais importante ainda seja o facto de corresponder a um espaço eleitoral em crescimento nas democracias ocidentais e que, como Jaime Nogueira Pinto bem realçou, estava até agora vazio em Portugal.
Ainda é cedo para avaliações definitivas, mas, tendo em conta o que apresentou até agora, é um erro classificar o Chega como um partido de extrema-direita (e simplesmente ridículo acusá-lo de ser fascista ou nacional-socialista). Mas, paradoxalmente, a demonização do Chega é a melhor oferenda que André Ventura poderia desejar para a sua rápida afirmação política. Afinal, como vários exemplos internacionais têm demonstrado nos últimos anos, não há melhor forma de dar credibilidade a um discurso de direita com uma matriz de populismo anti-sistema do que ser unanimemente condenado e colocado de parte pelos partidos e protagonistas desse mesmo sistema.
Afirmar que o Chega será o maior partido da direita portuguesa daqui por 8 anos é uma aposta de alto risco mas, se houver competência na direcção e organização do partido, Ventura tem óbvia margem de progressão eleitoral. Tanto à direita como também em segmentos que tradicionalmente votam na esquerda e extrema-esquerda nas periferias das principais áreas metropolitanas. O futuro é neste caso particularmente incerto mas, se as coisas correrem bem a André Ventura, não é difícil antever um cenário futuro no qual o Chega pode vir a ser essencial à formação de uma maioria de direita.