O que se está a passar na fronteira entre a Bielorrússia era previsível, foi previsto e, pelo menos no que nos diz respeito, era parcialmente evitável.

No início de agosto deste ano tínhamos alertado para a abertura abertura de uma nova rota migratória em direcção à Europa com origem em Bagdade e destino em Minsk, na Bielorrússia, para posterior passagem através da Letónia, Lituânia e Polónia. Assim como para a necessidade de a Europa encontrar soluções de acordo com o Direito Comunitário e no compromisso e respeito com o Direito Internacional, assentes em princípios de respeito pelos Direitos do Homem e pela sua Dignidade.

De agosto a esta parte a situação tem piorado devido à crescente tensão dos dois lados da fronteira. Estima-se estarem, só na fronteira Polónia-Bielorrússia, entre 2000 a 4000 requerentes de asilo, a congelar face às baixas temperaturas que ali se sentem, com limitado acesso a água e alimentação e sujeitos a uma violência policial brutal de ambos lados da fronteira. Já morreram 11 pessoas, desde o fim do verão, uma delas uma criança síria de um ano de idade.

Parece-nos que agora a Comissão Europeia conseguiu encontrar uma resposta equilibrada entre aquilo que deve ser a manutenção da segurança das suas fronteiras, sem comprometer o respeito pelos Direitos Humanos e no cumprimento das suas obrigações internacionais.

É um imperativo deixar de confundir migrantes com refugiados. Confundindo uns com os outros não oferecemos soluções e ajuda a nenhuns. O resultado desta confusão é que aos refugiados é-lhes negado o seu direito à proteção internacional e aos migrantes a Europa não lhes responde com uma política migratória concreta, definindo claramente que tipo de migrantes necessita, para que áreas e em que profissões.

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Ora, se a Bielorrússia faz uso de pessoas, em evidente desespero humanitário, para responder às sanções económicas que a União Europeia lhes decretou, promovendo uma nova rota migratória com destino à Europa – em claro proveito da fraqueza europeia na gestão de fluxos migratórios, com destino ao seu território – a Europa, através da reação dos seus Estados-membros, responde com medo, limitando ou impedido o exercício do direito de asilo e barrando o acesso à necessária ajuda humanitária nesta fronteira.

Vejamos que uma análise cuidada deste tema exige saber quem se encontra nesta fronteira. Estes são na sua maioria iraquianos, do Curdistão iraquiano, afegãos e sírios, seguidos de cidadãos da República do Congo e da Rússia. Cidadãos todos, à exceção da Rússia, com origem em países considerados em “Situação de Emergência Humanitária” pelas Nações Unidas.

Polónia, Letónia e Lituânia têm praticado, de acordo com relatórios e várias ONG’s, múltiplos push-backs para território bielorrusso – atos ilegais de acordo com o Direito Comunitário e o Direito Internacional. Assim como têm alterado a sua legislação interna em matéria de asilo e migrações.

A Polónia, em Setembro, declarou estado de emergência na sua fronteira com a Bielorrússia, enviou militares para esta fronteira, anunciou a construção de um muro (um investimento de 350 milhões de euros) e aprovou medidas que legalizam os push-backs. Por outro lado, impediu o acesso à fronteira de jornalistas, organizações humanitárias e observadores internacionais, impedindo que chegue à fronteira a necessária ajuda humanitária.

A Lituânia declarou igualmente o estado de emergência, alterando a sua legislação em matéria de asilo – limitando o seu acesso e facilitando a detenção de requerentes de asilo, decidindo em 10 dias a concessão ou não de asilo. Assim, dos 2600 pedidos de asilo realizados em território lituano até 1 de Novembro deste ano, só a seis pessoas foi reconhecido o direito de asilo. Por outro lado, o governo lituano passou a oferecer 300 euros aos requerentes que decidam regressar ao seu país de origem! Por último, já começou a colocar arame farpado ao longo dos 680km da sua fronteira com a Bielorrússia.

A Letónia, seguindo a Lituânia e a Polónia, procedeu a alterações à sua legislação interna de asilo e migração, declarou igualmente o estado de emergência e impediu o exercício do direito de asilo a qualquer pessoa que se encontre no seu território depois de declarado o estado de emergência.

Nos três países europeus que fazem fronteira com a Bielorrússia a resposta para esta crise é uma: construção de muros e vedações que impeçam estes requerentes de asilo de entrarem em território europeu, limitando o exercício do direito de asilo.

Do lado da Comissão Europeia, pela voz da sua presidente Ursula von der Leyen, o seu discurso de dia 23 de Novembro, no Parlamento Europeu, trouxe novidades quanto ao caminho da Europa.

Apresenta uma resposta em quatro domínios: ajuda humanitária (através de reforço das ações do UNHCR e da OIM e mobilizando fundos para o terreno), ações diplomáticas (trabalhando com os países de origem e as companhias aéreas que transportam estes requerentes para Minsk), aumento das sanções contra a Bielorrússia, combatendo as redes de tráfico humano, e uma melhor gestão das fronteiras da União.

É no entanto neste último ponto que centra a maioria da sua ação. Afirmando ter um orçamento de 6,4 mil milhões de euros para a gestão de fronteiras, financiando tecnologia de vigilância eletrónica, veículos de patrulha, equipamentos para guardas de fronteira e de captação de imagens de satélite. Por fim, anuncia que a Comissão Europeia está a investir na FRONTEX cerca de um bilião de Euros anualmente

Apenas com base neste discurso poderíamos concluir que a resposta europeia à crise migratória com a Bielorrússia estava, na sua maioria, centrada no aumento da securitização das suas fronteiras. No entanto, a Comunicação da Comissão Europeia de 1 de dezembro mostra um outro lado da sua resposta.

É assim que nos congratulamos com o anúncio de medidas que vão no sentido do respeito pelos Direitos Humanos e no cumprimento das nossas obrigações internacionais. Assim, destacamos a criação de mecanismos que permitam a distribuição de bens essenciais e o acesso a cuidados de saúde, no respeito pela dignidade humana.

Por outro lado, parece-nos que a Comissão tirou lições das consequências da sua gestão da crise dos refugiados sírios de 2015. É que a sua política de então ou, para ser mais exato, da falta dela, foi geradora de uma crise humanitária que se vive, nos dias de hoje, nas lhas Gregas, onde se acumulam mais de 56 000 requerentes de asilo, que aguardam pela análise do seu pedido, vivendo em campos de refugiados.

A principal razão deste resultado foi a incapacidade de a Europa apostar em mecanismos que permitam uma análise justa e rápida de pedidos de asilo, aumentando o staff da sua agência de asilo EASO (European Asylum Support Office). Assim como, desde então, nunca teve a coragem política em assumir a necessidade de colocar em prática uma efetiva política de retorno. E é aqui que se deverá centrar grande parte da sua política, uma vez que é a aplicação de uma necessária política de retorno que poderá evitar que na nossa fronteira com a Bielorrússia se crie uma nova Grécia, com centenas de requerentes de asilo a viver em campos de refugidos, dos dois lados da fronteira.

Só desta forma é que a Europa poderá respeitar os seus compromissos internacionais. Por um lado, atribuir proteção internacional a quem de facto dela necessita, mas reenviando para o seu país de origem quem dela não pode beneficiar. Uma clara e mais que necessária diferenciação entre quem é refugiado ou migrante económico.

É assim que nos parece nascer o necessário equilíbrio da resposta europeia à nova rota migratória de Minsk – um equilíbrio entre a garantia da segurança das fronteiras europeias e o reforço dos serviços de asilo europeus – isto é, no reforço e no aumento da rapidez e capacidade da análise justa de pedidos de asilo.

Falta-nos ainda perceber como é que a Europa irá lidar com uma Bielorrússia apoiada pelo regime russo, com caraterísticas tão ditatoriais como iliberais, como as que assistimos na Turquia e na sua relação com a vizinha Grécia.