As mortes de migrantes durante a construção dos estádios de futebol e das estruturas de apoio ao Campeonato do Mundo no Qatar 2022, tem provocado reações críticas quase unânimes.

Estima-se que muitos trabalhadores tenham perdido as suas vidas ou sofrido ferimentos por causas inexplicáveis, e muitos foram roubados pelos seus empregadores. Mas assim que começou o Mundial estes factos ficaram esquecidos ou colocados de lado perante a emoção que os jogos de futebol das seleções provocam na opinião pública.

Se no Qatar, nos estádios de futebol onde milhares de migrantes perderam as suas vidas e as diversas seleções disputam o primeiro lugar no Mundial, no Afeganistão os estádios de futebol têm servido outras funções menos lúdicas, menos desportivas e em absoluta violação dos Direitos Humanos.

De acordo com a BBC, doze pessoas, entre as quais três mulheres, foram espancadas publicamente, precisamente num estádio de futebol, pela prática de crimes morais”.

Esta é a segunda vez que o regime extremista islâmico Taliban leva a cabo manifestações públicas desta natureza e com esta dimensão.

Mas estas não têm sido as únicas violações dos Direitos Humanos realizadas pelos Taliban. Mulheres, raparigas e minorias são os grupos sociais que mais têm sofrido. Às mulheres e raparigas têm sido negado, na prática, o acesso ao sistema de ensino (impedido o acesso ao ensino secundário), o direito de expressão e de manifestação. E a todos os cidadãos é impedido o exercício do mais básico direito de opinião e, claro, a liberdade de imprensa.

Infelizmente, os efeitos do regime Taliban no Afeganistão não se manifestam exclusivamente na violação direta de Direitos Humanos. O desastre vai mais longe e a catástrofe humanitária assume uma dimensão igualmente terrível.

Em relatório publicado o Programa Alimentar Mundial estima que quase metade da população do Afeganistão – 19,9 milhões de pessoas – sofra  já de insegurança alimentar aguda”, situação que se manterá nos próximos meses, com mais de 3,9 milhões de crianças gravemente desnutridas”. Situação que se estende às 34 províncias do Afeganistão. Isto é, todo o território afegão enfrenta uma situação aguda de emergência alimentar.

E a descrição dos horrores não fica por aqui. De acordo com outra notícia da BBC, várias famílias afegãs dão sedativos aos seus filhos esfomeados para que estes possam adormecer e enganar a fome, enquanto outros vendem os seus órgãos, ou os próprios filhos, para sobreviver.

Enquanto o mundo, depois de breve e tardiamente incomodado com o que aconteceu na construção dos estados e que agora se entusiasma com a performance das respetivas seleções no Mundial do Qatar, no Afeganistão as populações são vítimas da brutalidade de um regime extremista sem que o mundo à sua volta pareça se importar.

Os que saudaram o fim da guerra sem fim dos Estados Unidos da América e dos seus aliados, sobretudo esses, tinham o dever de não virar a cara nem fechar os olhos. Mas não é o que está a acontecer.

Importar-se com a miséria dos afegãos não faz capas de revistas.

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