Nos EUA, durante 2021, ocorreu um fenómeno laboral atípico. De acordo com U.S. Bureau of Labor Statistics, milhões de indivíduos que estavam empregados decidiram, por sua iniciativa, desistir do trabalho. Enquanto alguns optaram por fazer uma pausa nas suas carreiras profissionais, outros resolveram mudar de emprego, antecipar a reforma ou mesmo deixar de trabalhar para se dedicarem mais à família. Este acontecimento foi designado pelo psicólogo Anthony Klotz como the Great Resignation.

As razões para estas alterações laborais são diversas e não estão ainda totalmente compreendidas. Os testemunhos individuais mostraram que a pandemia e o teletrabalho levaram a que muita gente refletisse sobre as suas vidas. Houve uma tomada de consciência coletiva de que a nossa existência é de facto curta. Muitas pessoas já não estão dispostas a aceitar que o trabalho lhes retire um conjunto de coisas importantes que a vida tem para oferecer.

Além disso, a pressão psicológica e o stress laboral atingiram níveis insuportáveis. Muitos entraram em burnout. Vários indivíduos acabaram mesmo por desenvolver doenças psiquiátricas graves, de difícil recuperação, e que obrigaram a períodos prolongados de baixa médica. Daqui se conclui que o trabalho não só está a impedir as pessoas de viverem e serem felizes, como está a colocar em risco a saúde mental.

Esta situação não é recente. Há cerca de 11 anos que leciono, na área de comportamento humano na organização, no MBA da AESE – Business School. Foram realizados e publicados vários estudos científicos que demonstraram que as condições atuais do ambiente laboral, numa grande parte das empresas portuguesas, estão a colocar em risco a saúde mental dos trabalhadores, privando-os de conciliar o trabalho com a vida pessoal e familiar. Ou seja, as pessoas estão a ficar mais doentes e infelizes, devido à forma como estão a trabalhar.

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Tenho acompanhado vários casos de doenças psiquiátricas associadas à síndrome de burnout. Contudo, nos últimos tempos tem havido uma mudança preocupante: as gerações mais novas estão a ser bastante afetadas. Começam a surgir cada vez mais jovens (24-28 anos), com muito pouco tempo de atividade profissional, com depressões graves associadas ao excesso de carga horária (12-16 horas diárias). Para esta condição também contribui o ambiente permanente de stress no trabalho, fomentado pela pressão de prazos absurdamente curtos e pela obtenção rápida de resultados. Para muitas empresas, o homem passou a ser tratado como um mero instrumento de produção.

 

Mas há sinais que revelam que começa a emergir uma onda de frustração e revolta.  Surgiu recentemente um movimento intitulado como a “demissão silenciosa” (quiet quitting). Várias personalidades usaram as redes sociais para anunciarem publicamente que passaram cumprir exclusivamente as tarefas inerente à sua função e nada mais. Pretendem trabalhar apenas as horas do seu contrato de trabalho, recusando responder a emails ou telefonemas profissionais fora do horário laboral.

Esta posição de “resistência passiva” — situando-se no polo oposto do workaholism ­­—, apesar de poder constituir uma forma de protesto, julgo que não vai ter grande futuro. Ela só é possível, neste momento, porque vivemos uma situação praticamente de pleno emprego; aliás vivemos uma situação em que há falta de candidatos para ocupar as vagas de trabalho que ficam por preencher (por exemplo, na área da hotelaria ou restauração).

Atualmente existem riscos de entrarmos num período de recessão económica. Neste caso, o desemprego irá aumentar e as pessoas, que agora orgulhosamente manifestam a sua “demissão silenciosa” no TikTok, vão ser provavelmente as primeiras a perder os seus empregos. Julgo que este movimento vai acabar mal, pois é concretizado de forma unilateral e com algum radicalismo. São necessárias mudanças, mas não é possível dispensar um compromisso individual e emocional com a empresa (employee engagement), nem deixar de estabelecer uma cooperação, entre trabalhador e empregador, ponderada e saudável.

Mas como que é que se alcança um novo equilíbrio entre o trabalho, a saúde mental e a vida pessoal e familiar? As grandes empresas deveriam dar o exemplo e, por sua própria iniciativa, assumirem um pacto de ética social com os trabalhadores. Aceitando que a motivação humana para o trabalho não se resume apenas à remuneração e à carreira, mas começa pelo sentimento de que a pessoa se sente respeitada e reconhecida. A ética deve servir para garantir uma justa valorização do trabalho porque é fonte de riqueza, e oferece dignidade à vida humana.