No fim-de-semana em que se assinalaram os 47 anos do 25 de Abril, saí de Lisboa para visitar um amigo da Sertã, que hoje mora em Pedrógão Grande.
Terminado o bucho e o maranho, o tinto local e a sobremesa conventual, como bom filho da terra para onde voltou após se formar em Lisboa, estudar no estrangeiro e trabalhar em áreas de ponta, o João propôs mostrar-me a zona. E é aqui que as desigualdades territoriais saltam, inevitavelmente, à vista.
Em 2017, o país assistiu ao verdadeiro inferno, com um incêndio que, ali, fez dezenas de mortos, centenas de feridos e desalojados, e cicatrizes que levarão gerações a sarar: «Todos aqui perdemos um familiar ou amigo», conta ele.
O que foi feito no terreno, desde então, para prevenir que o mesmo se repita? Muito pouco. Estruturas de missão e portarias à parte, onde as árvores carbonizadas já não se mantêm de pé, reina uma «massa de combustível, que – em três anos, no máximo – tornará a arder», acrescenta o João, resignado.
Mas o pior nem é isso: são os bombeiros que ficaram gravemente feridos então. Incapacitados para qualquer trabalho, sobrevivem com um subsídio que não chega a 200 euros. Rumo a Pedrógão Grande, damos logo de caras com o edil.
Valdemar Alves, cuja recandidatura deverá ser apoiada pelo mesmo partido deste mandato, mas diferente daquele que o apoiara no anterior. O arguido nos casos da reconstrução de segundas casas queimadas e de 66 mortes em 2017.
E os seus conterrâneos, não se sentem revoltados? Não poderia ter feito mais – e melhor – aquando da reconstrução da zona? «Acho que não», diz o meu amigo, de 26 anos. Não será muito pior do que outro que venha a substituí-lo.
Num edifício com três mastros desbandeirados fica o centro «Qualifica», onde os jovens dali tentam acabar o ensino obrigatório para arranjar trabalho. Alguns têm quase a mesma idade dos professores. O que farão? Logo se vê. Para já, relevante é que serão «certificados», diz o João.
O domingo amanhece frio e chuvoso em Penela. Só n’«O Bigodes» servem café. À porta, três compadres discutem futebol enquanto leem o jornal e fazem a raspadinha. De uma todo-o-terreno da Câmara saltam três jovens janotas para o mesmo serviço do que eu.
Com a bátega de água que nuvens negras descarregavam, voltar para casa era a única opção. Num último olhar ao castelo, vejo as letras «Presépio de Penela» periclitantes, devido à rampa criada pela retroescavadora ainda ali estacionada.
Em Lisboa desfilou a habitual massa de gente pela Avenida da Liberdade, celebrando o menos mau dos regimes com cravos vermelhos ao peito. Aquele que promete, entre outras coisas, a igualdade perante a lei. A 150 quilómetros da capital, fica o «interior» do país. A Sertã, Pedrógão Grande, Penela. E, no entanto, parece que anos-luz separam estes dois mundos.