Em Portugal vivemos num sistema de democracia indireta, em que o povo, grosso modo, participa indiretamente na construção política através do voto, elegendo os seus representantes (presidentes, deputados e autarcas), que tomam decisões em representação daqueles que os elegeram. Uma democracia representativa.

As sociedades ocidentais, no século XX, foram o palco de profundas transformações sociais, económicas e culturais, que se refletiram significativamente no campo político. Com o surgimento de uma classe média mais escolarizada, culta e preocupada como valores associados à qualidade vida, sustentada pelo desenvolvimento da comunicação social, surgiu uma nova atenção a questões que até então eram menores, visto o povo, até ao século passado, se preocupava fundamentalmente com a subsistência do dia-a-dia.

É nesta “sopa social”, em que o advento das tecnologias acelerou as transformações a todos os níveis, que emergem os regimes democráticos e se desenvolvem os partidos políticos, mais ou menos com a configuração que hoje conhecemos, que são a base das democracias representativas.

Mas o tempo não se detém e, pelo contrário, nos nossos dias parece cada vez mais acelerado. Por isso, as mesmas transformações ocorridas nas sociedades ocidentais que ditaram o surgimento dos partidos políticos, são as que, hoje, ditam que o seu modo de organização se tenha tornado obsoleto e desadequado às exigências de participação político-partidária e da cidadania.

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Esta falência do modelo organizativo dos partidos políticos ditos tradicionais é também evidente no partido em que milito, o Partido Socialista (PS), e manifesta-se de várias formas, que restringem a participação política dos cidadãos, inclusive militantes, no exercício democrático, resumindo essa participação apenas ao momento de votar, reflexo da pouco participação social, desinteresse pelas questões públicas e apatia política generalizada. Não se trata da minha opinião, mas sim de factos indesmentíveis, com reflexos profundos e perniciosos na qualidade da nossa democracia.

Urge, pois, assumir este diagnóstico e ampliar em Portugal o campo da participação política, proporcionando condições para o exercício da cidadania. E esta é uma mudança que deve emergir do próprio PS, o maior partido português, que, pela sua história, tem a responsabilidade acrescida de fortalecer a relação democrática entre o poder público e a sociedade, através de políticas que respondam às aspirações e necessidades da população.

Esse trabalho deve ser começado “em casa”, assumindo-se a caducidade do modelo organizativo do PS, revendo regimentos internos e axiomas que definem a relação do partido com os seus militantes, simpatizantes e a sociedade em geral. O PS não pode ficar refém de modelos de organização partidária criados no século passado, para responder a necessidades do presente.

Urge retomar o processo de debate interno ocorrido no PS há alguns anos (que, recorde-se, permitiu que António Costa fosse eleito Secretário-Geral), de forma a democratizar o partido.

Urge retomar, internamente, de eleições primárias abertas a militantes e simpatizantes (ainda que estes últimos não sejam elegíveis para órgãos internos), porque esse é o caminho de reaproximar o PS da sociedade e de escolher representantes que reflitam mais a vontade dos cidadãos e menos a vontade das cúpulas do partido. Urge devolver o PS aos portugueses e às portuguesas.

E, atenção, os “Os Engenheiros do Caos” (título do mais recente livro de Giuliano Da Empoli) estão à espreita também em Portugal, escondidos nos ditos “novos partidos”, com modelos de organização mais atrativos, teorias da conspiração apelativas, “doces” populismos e algoritmos sofisticados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições.

A nossa democracia representativa será tanto melhor, quanto mais democráticos forem os partidos políticos.  Mas é preciso agir!