No passado Domingo, Espanha assistiu – em directo – a uma das maiores alterações sócio-políticas desde a transición dos anos 70. A Andalucíatierra roja por excelência, acordou do grande sono socialista e, apesar da onda de calor, saiu em massa (a abstenção recuou 2% em relação às eleições de 2018) para dar a maioria absoluta a Juan Manuel Moreno – Juanma como carinhosamente ficou conhecido – e ao PP.

Para percebermos a dimensão do feito, importa lembrar que desde 1982 (data das primeiras eleições regionais) até este Domingo, o PP nunca tinha sido a primeira força política na Andalucía – excepto em 2012, quando o partido era regionalmente liderado por Javier Arenas, o histórico popular que chegou a Vice-Presidente no segundo Governo de José María Aznar, e que nem assim chegou ao Palacio de San Telmo. Na altura uma “geringonça” PSOE/Izquierda Unida garantiu a continuidade dos socialistas no poder.

A Andalucía estava para o PSOE como a Galiza para o PP (Comunidade Autónoma governada ininterruptamente pelo centro-direita desde 1981). Era a grande bolsa de votos dos socialistas espanhóis e o “feudo” que em 1982 deu 66 deputados regionais (num total de 109) ao PSOE, e abriu o ciclo político que culminaria meses depois com a primeira maioria absoluta de Felipe González e a sua chegada à Moncloa.

Por tudo isto (e mais), os jornais do dia seguinte às andaluzas de 19 de Junho foram unânimes no uso do adjectivo “histórico”. E têm razão: em menos de quatro anos o PP passou de 26 deputados e 749.275 votos para 58 deputados e 1.582.412 votos, tendo portanto mais do que duplicado a sua força eleitoral, e, já não fosse suficientemente surpreendente, o partido esmagou em todas as províncias andaluzas com votações entre os 40% em Sevilha e os 47% em Málaga. (Curiosidade histórica: esta foi a primeira vez na história da Democracia espanhola que o PSOE não é a primeira força política em Sevilha).

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Expostos os números do sismo sócio-político, importa agora perceber o que aconteceu e porquê.

Comecemos pelos derrotados:

  • O PSOE e Pedro Sánchez. A campanha correu mal e o candidato, Juan Espadas – antigo Presidente da Câmara Municipal de Sevilha e escolha pessoal de Pedro Sánchez – trazia consigo o fantasma de Manuel Chaves – o histórico Presidente da Junta de Andalucía de 1990 a 2009 – e o maior caso de corrupção da Democracia: o Caso ERE e os quase 900 milhões de euros desviados dos cofres público.
    A este erro de casting juntou-se a estratégia política do “fantasma da extrema-direita”, dos señores y señoritos latifundiários e exploradores do oprimido e faminto povo, da encarnação “franquista” do PP e do retrocesso moral e civilizacional.
    Pelas reacções pós-eleitorais a conclusão a retirar é que o PSOE não percebeu o que lhe aconteceu e insiste no erro. No fundo, o partido foi varrido pela maioria absoluta do PP e já não consegue ameaçar com o Vox. Numa palavra, ficou sem discurso.
  • O Vox, Santiago Abascal e Macarena Olona. Os sorrisos amarelos de Santiago Abascal, Macarena Olona e do casal Espinosa de los Monteros – Iván e Rocío – resumiam a noite eleitoral do partido que, durante a campanha eleitoral, chegou a convidar Juanma Moreno para Vice-Presidente do Governo regional.
    Correu tudo mal. A candidata, Macarena Olona, poderia ser uma raising star do Vox nacional, mas foi sempre vista pelos anadaluces como uma outsider sem raízes na Comunidade Autónoma. A encarnação da “mulher vítima” limitada por um discurso híper ideológico e pouco perceptível para os eleitores.
    Olona propôs-se a condicionar o PP e o futuro Governo de Juanma Moreno e não conseguiu uma coisa nem outra. É certo que o Vox subiu de 11% para 13%, mas estancou e não atingiu nenhum dos objectivos que tinha. Tornou-se irrelevante.
  • O Podemos. Além do aspecto numérico do estrondo não há muito mais a dizer. O Podemos e as suas sucursais de dissidentes são hoje uma sombra do que foram. Passaram de 17 para 7 deputados regionais (se contarmos com os 2 deputados do novo partido de Teresa Rodríguez).
    O partido tornou-se uma marca datada e ultrapassada pelo tempo. Hoje, a sua “existência” está limitada às paredes da Facultad de Ciencias Políticas y Sociología da Complutense de Madrid e aos tweets da Yolanda Díaz e do Pablo Echenique.
  • O Ciudadanos. Os laranjas “liberais” desapareceram do mapa político e foram engolidos pelo PP. O fenómeno mereceria um texto autónomo mas, long story short, perdeu utilidade. Ao Ciudadanos resta-lhe a Vicealcaldesa de Madrid, Begoña Villacís.
    Não sei qual será o destino do partido mas parece que começa a ficar sem alternativas além da fusão com os populares.

E, finalmente, o vencedor:

  • O PP, Juanma Moreno e Alberto Núñez Feijóo. Ao contrário do PSOE, do Vox e do Podemos que optaram pela estratégia eleitoral das trincheiras, das guerras culturais e das dos Españas, o PP optou pela moderação do centro e do centro-direita liberal focado na economia, na melhoria das condições de vida das pessoas, na competitividade fiscal da Andalucía no contexto de Espanha, nas pequenas e médias empresas, na diversificação da economia da região – tipicamente dependente do turismo – e no emprego.
    A centralidade das bandeiras foi inteligente – sobretudo numa altura em que a inflação é a maior preocupação dos espanhóis – e os resultados sócio-económicos dos últimos (quase) 4 anos de Governação do PP ajudaram: desde 2018 que Juanma Moreno optou por uma redução drástica da carga fiscal sobre as famílias e as empresas e conseguiu a maior taxa de emprego de sempre na Andalucía­. Isto, aliado à política económica do Governo central de Pedro Sánchez percebida como desastrosa, também ajuda a explicar a vitória absoluta.
    Mais, o estilo sereno, educado e cordial de Juanma Moreno que, entre o ruído do Vox e as profecias do Apocalipse do PSOE, conseguiu emergir como o único presidenciable.
    Finalmente, “el efecto” Alberto Núñez Feijóo. Ao contrário de Pablo Casado que sempre dirigiu (ao milímetro) todas e quaisquer eleições locais e regionais, Feijóo colou-se à disposição de Juanma Moreno e deixou rolar. Em resumo, garantiu a autonomia estratégica do PP Andaluz e interferiu pouco e sempre a pedido de Juanma Moreno. Esta foi a sua primeira vitória desde que dirige os destinos de Génova13.

Como escreveu o Jorge Bustos – Director de Opinião do El Mundo – “la moderación vuelve a ser sexy” e esse mero facto parece-me igualmente sexy.

P.S.: Num próximo artigo tentarei explicar como é possível que Juanma Moreno e Isabel Díaz Ayuso – hoje os dois grandes regionais barões do PP – existam e co-existam dentro do mesmo partido, e como em meses o PP voltou a ser o grande partido catch-all do centro-direita espanhol.