2016 estava a chegar ao fim. E ainda bem. Estava ser o annus horribilis para quem, como eu, na altura trabalhava na city de Londres e recebia empounds sterling. No fundo, em sentido inverso com a “nova direita”, que estava a viver o seu momentum, o seu big year com o Brexit e com a chegada de Donald Trump à Casa Branca.

Estávamos em Novembro de 2016 e Marine Le Pen, na altura condidata às Presidenciais Francesas de 2017, ia dar uma entrevista ao Andrew Marr da BBC. O jornalista, de poppy na lapela, começou com um disclaimer já que era Remembrance Sunday. Nessa entrevista, Marine Le Pen afirmou várias coisas que merecem ser recordadas: primeiro, que a maior ameaça à Europa era a própria União Europeia com o seu “modelo opressivo” e não a Rússia; segundo, que a NATO perdeu a sua raison d’être. Terminou com uma gargalhada quando Andrew Marr lhe perguntou se Putin era uma ameaça à segurança no continente.

Passados cincos anos, Marine Le Pen volta a ser candidata às Presidenciais Francesas e as suas posições pró-Kremlin envelheceram bem.

Na mesma linha de servidão a Putin, encontramos Éric Zemmour. Também ele candidato às Presidenciais Francesas de 2022 e que, depois da auto-comparação a Putin, acrescentou que admira o estilo autoritário e “forte” do Presidente Russo. Devemos portanto assistir – caso Éric Zemmour vença as eleições deste ano – à entrada de tanques franceses no País Basco Espanhol ou na Catalunha, aconcorados na mesma retórica da defesa da auto-determinação de povos oprimidos (neste caso por Madrid).

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O fascínio da “nova direita” não fica, no entanto, limitado aos franceses.

Em Espanha, qual competição de virilidade, também já vimos Santiago Abascal vestido de verde militar em cima de um cavalo com a paisagem andaluza de fundo, qual Putin em tronco nu na Sibéria.

Em Itália, Matteo Salvini, chegou a pedir o fim das sanções à Rússia, impostas no seguimento da anexação da Crimeia em 2014. Na mesma linha, qual provocador profissional, andou a passear-se no Parlamento Europeu com a cara de Putin estampada numa t-shirt, estilo Che Guevara da “nova direita”. Esta semana, no Twitter, foi deixar uma coroa de flores à porta da Embaixada da Ucrânia em Roma. Fiquei na dúvida se se tratou de uma encomenda de Putin, estilo carpideira do Kremlin, para o enterro anticipado da Ucrânia.

No mesmo sentido encontramos Nigel Farage e a Alternative for Germany.

O primeiro foi um dos maiores entusiastas e campaigners do Brexit, tendo sido cabeça de cartaz num comício de Donald Trump em Jackson, no Mississippi. Um champion a criar partidos anti-sistema que acusou a União Europeia e a NATO de provocarem o senhor Putin. Nada de novo portanto.

Já os segundos consideraram a invasão Russa como uma resposta ao alargamento da NATO a leste, e que Putin apenas está a defender a segurança da Rússia. (Digamos que os alemães sempre foram mais hardcore que os seus homólogos europeus).

Encontramos também, Tucker Carlson, pivot da Fox News e cheerleader de Trump. Sem surpresas, pergunta à audência de fiéis que “problema” é que o mundo ocidental e civilizado do pós-Guerra Fria tem com Putin, acusando ao mesmo tempo a Ucrânia de não ser uma democracia, mas antes um fantoche da União Europeia e da administração Biden. Ora, mesmo admitindo falhas da democracia Ucraniana – que naturalmente existem – devemos perguntar o senhor Carlson se considera a Rússia uma democracia. Aqui talvez os comunistas portugueses possam ajudar, já que têm vasta experiência em mascarar ditaduras e autocracias contemporâneas em Jardins do Éden na terra.

O mesmo senhor Carlson também acusa os EUA de serem os principais responsáveis pela invasão da Ucrânia, chegando mesmo a questionar a não automaticidade ou “mecânica”, como apelida, do artigo 5.º da NATO que, diga-se, é provavelmente o maior filtro às ambições territoriais do Kremlin e a maior defesa dos países do leste Europeu. Em resumo, o senhor Carlson acha que a guerra iniciada por Putin se deve aos “climate people”. Um minuto de silêncio por favor.

Ora, chegádos aqui, só se pode concluir que a “nova direita” ficou desorientada. Depois da derrota eleitoral de Trump e do ataque ao Capitólio, apenas restavam Putin e os seus petro rublos, como faróis e gurus do iliberalismo.

Hoje, muitos dos actores políticos e sua legião de internet trolls da “nova direita” iliberal, nacionalista e anti-globalização (Portugal também os tem), tentam, por oportunismo, instinto de sobrevivência ou vergonha de serem confundidos com comunistas e demais ramos da esquerda radical, passar despercebidos no meio do caos, do pó e do ruído mediáticos da guerra. O objectivo deste texto é precisamente o contrário. Isto é, o de garantir que a memória não desaparece. Nem que seja porque há Presidenciais em França e no Brasil no próximos meses.