Fico sempre fascinado com o modo como certas ideias, em certas épocas, se tornam um tema absorvente e dominante, ao ponto de congregarem sob si todos os outros temas e formarem com eles um todo que avança pela sociedade dentro como a lava incandescente de um vulcão. Dantes, costumava ser a “luta de classes”, o célebre “motor da história”. Agora, é o “aquecimento global”, que vai destruir o planeta. O que une todas essas ideias é o seu carácter omni-explicativo. Nada, em princípio, escapa ao seu poder e praticamente tudo pode delas ser deduzido. Permitem, num ápice, fazer sentido de tudo, dando-nos uma causa comum, e todos nós precisamos desesperadamente de fazer sentido, se possível unanimemente, deste mundo feito em pedaços.

Para mais, como dizia um filósofo, certas palavras, que ele chamava “ídolos da praça pública”, tendem a ganhar um poder próprio e a desviar o entendimento da rota certa. O investimento passional que elas suscitam, fazendo que tudo ganhe a dimensão de uma escolha existencial imperativa e inadiável, estimula a facilidade de acreditar que naturalmente é a nossa e reforça a nossa tendência a ver sinais da justeza das ideias nos acontecimentos mais díspares e desconexos. Já agora, esta tendência para o entrincheiramento numa opinião leva-nos a procurar a todo o custo confirmações dela, por mais fortes que sejam as instâncias em contrário. É algo que pertence à natureza humana e que se enquadra dentro daquilo que o mesmo filósofo chamava “ídolos da tribo”.

As ideias não precisam de ser falsas. Pelo contrário, convém que contenham, no seu núcleo central, uma parte de verdade que interesse a todos. Acontecia com a “luta de classes”, acontece com o “aquecimento global”. Mas a “ciência” que nos explicava a primeira e que nos explica a segunda raramente resiste à tentação de magnificar esse núcleo central e à anexação imperial de todos os outros fenómenos. Isto que digo é uma banal constatação. Não pretendo, ao contrário do grosso da opinião que me calha ler, ter qualquer competência científica para emitir juízos de fundo sobre a matéria.  Quando muito, e porque, durante algum tempo, li muita literatura respeitante ao assunto, tenho algumas ideias gerais sobre certos aspectos da controvérsia em torno do “aquecimento global”. Trata-se, como é muito compreensível, de uma controvérsia impura, em que os elementos propriamente científicos e os elementos políticos tendem, perigosa mas inevitavelmente, a confundir-se, como, de resto, a muito corrente expressão “consenso científico” o ilustra: a ciência busca a verdade, não o consenso; e a política busca o consenso, não a verdade.

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