Vi e ouvi a entrevista que António Costa deu na RTP (no dia 8 de novembro). Costa foi eficaz na mensagem que propagou e concordei com vários dos argumentos que invocou sobre as graves responsabilidades do PCP e do Bloco de Esquerda, bem como dos restantes partidos com assento parlamentar, no chumbo do orçamento.
Porém, sou professor e jamais poderei ignorar as políticas educativas turbulentas e incongruentes implementadas pelos governos a que presidiu. O seu fantasmagórico ministro da Educação, que nunca compreendeu e por isso perverteu a magnitude da sua missão. O seu tecnocrático secretário de Estado da Educação, que desconsiderou e padronizou as dificuldades, complexidades e diversidades enfrentadas pelos professores de sala de aula nos diversos ciclos de ensino. O «eduquês» pós-moderno (os tecnocratas do Ministério da Educação chamaram-lhe «Autonomia e Flexibilidade Curricular») decretado às escolas através de torrentes asfixiantes de leis, portarias e circulares. A agitação dispensável em torno da dicotomia conhecimentos versus competências no processo educativo, que a maioria dos professores sempre soube, por experiência adquirida, serem conceitos indissociáveis. O modo ardiloso, empírico, experimental, formatado e desgrenhado como propagaram pelas escolas — sobretudo pelas escolas mais ávidas por agradar à tutela e aos seus inspetores — metodologias «lúdicas» e critérios de avaliação «modernistas», os quais se estenderam uniformemente do ensino pré-escolar ao ensino secundário, tratando por igual ciclos educativos e disciplinas que têm exigências, peculiaridades e problemas diferenciados. A desvalorização da aprendizagem do conhecimento científico e a rejeição categórica dos instrumentos clássicos de partilha e avaliação desse conhecimento. O «sucesso educativo» forjado por procedimentos de avaliação ainda mais burocratizados e fantasiosos, mas também pela inclusão capciosa dos alunos com maiores dificuldades de aprendizagem e ainda pela dispensa ou simplificação dos exames. A invenção redundante e, por isso, dispensável da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, que usurpou tempos letivos às disciplinas de História e de Geografia e onde é suposto os professores tratarem, com obscena celeridade, assuntos prolixos, complexos, controversos e melindrosos. O processo labiríntico, kafkiano e desonesto de avaliação de desempenho dos docentes, que penaliza demasiadas vezes os melhores, beneficia amiúde os piores e contaminou as escolas com um ambiente tóxico. A prioridade concedida a uma formação de professores absurdamente escorada nos dogmas contemporâneos da «avaliação pedagógica por rubricas» e da «transição digital» em detrimento da formação científica nas diversas áreas disciplinares, que originou a multiplicação de cursos sobre avaliação e tecnologias da informação e da comunicação, em muitos casos desprovidos de aplicabilidade e interesse prático.
Vivemos tempos difíceis e, como escreveu Fernando Pessoa, nas vésperas da sua morte, a 30 de novembro de 1935, «Eu não sei o que o amanhã trará». Mas, não tenciono votar, no dia 30 de janeiro de 2022, num partido político que enfatizou, nos seus discursos, a defesa do progresso da escola democrática e inclusiva, contudo dirigiu um Ministério da Educação que fez regredir a escola pública, depreciou o conhecimento científico no processo educativo, sobrestimou e estandardizou teorias herméticas relativas à avaliação dos alunos e à formação digital dos professores que trabalham em escolas repletas de salas primitivas (e não «salas do futuro»), sem internet e guarnecidas com computadores e projetores obsoletos e danificados, incorporou na sua máquina administrativa lóbis de «cientistas da educação» (verbosos e bem remunerados) que não lecionam aulas a crianças e jovens mas explicam de cátedra aos professores de sala de aula o que devem fazer para alcançar o «sucesso educativo», acirrou a indisciplina dos alunos, desconsiderou os problemas das escolas e dos seus estudantes e professores durante o confinamento pandémico, burocratizou e abastardou a avaliação dos alunos, perverteu a avaliação dos professores e tornou o seu trabalho menos exultante e mais exasperante.