Não surpreende que a campanha pré-eleitoral seja dominada pelas questões económicas e financeiras em detrimento de outras políticas públicas. Como não surpreende que falar de Justiça e eleições seja imediatamente interpretado como uma diretíssima referência a casos de natureza penal bastante mediáticos e não a quaisquer reformas na área da Justiça. E, no entanto, podemos já identificar e analisar as propostas do PS e da coligação PaF (PSD+CDS) para a Justiça. De alguma forma temos já no espaço público um conjunto de linhas que nos esclarecem sobre o que partidos pretendem fazer nos próximos anos. Independentemente de casos concretos.

A coligação PaF tem evidentemente a vida facilitada. Tendo anunciado que fez as maiores reformas dos últimos duzentos anos, em coerência, não há nada de substancial para fazer nos próximos anos. Por isso, o documento da coligação simplesmente diz que pretende avaliar, monitorizar e aperfeiçoar caso se justifique as tais magníficas reformas já legisladas e realizadas, aliás “internacionalmente reconhecidas.”

Já o PS evoluiu nas suas posições. Não tendo criticado as reformas substantivas na área da Justiça (tais como o Código de Processo Civil ou o Código de Procedimento Administrativo), limitou-se genericamente nos últimos anos a criticar a reforma do mapa judiciário (esquecendo as profundas deficiências do “seu” mapa judiciário que não conseguiu executar nos sete anos que governou) e consequentemente prometeu reabrir todos os tribunais fechados. Nos últimos meses acabou por reconhecer que a reabertura dos tribunais encerrados é bastante improvável e terá que ser decidida caso a caso, numa linha de “correção à execução do mapa judiciário.”

O programa do PS aponta agora para um “choque de gestão” ao sistema judicial, a promoção do descongestionamento dos tribunais e a desmaterialização dos processos, a “aproximação aos cidadãos” e a “melhoria da qualidade do serviço público”, num conjunto de cerca de trinta medidas bastante concretas nas páginas 32-34 a que se juntam propostas de natureza criminal nas páginas 29-32 e de natureza administrativa nas páginas 34-36. Reconhece-se um esforço de objetividade e transparências das medidas (indo pois para além das habituais frases bonitas tipo uma justiça mais célere e eficaz). Mas, por outro lado, muitas propostas encontram eco na anterior governação socialista e dão continuidade a uma agenda que foi interrompida em 2011. Há uma filosofia de “pequenas” reformas e alterações fundamentalmente de natureza operacional ou de gestão que inspirou os ministérios de Alberto Costa e Alberto Martins, e que regressa agora. Desse ponto de vista, não podemos dizer que o programa do PS seja verdadeiramente uma surpresa e é fundamentalmente coerente com o passado nesta área das políticas públicas.

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Portanto nem a coligação, nem o PS se apresentam às eleições com muitas novidades na área da Justiça. Está a Justiça pior hoje do que estava em 2011? Não, não está. Globalmente as reformas da coligação foram mais positivas do que negativas. O problema é que não representaram o salto qualitativo que a coligação apregoa, e não há, neste momento, melhorias visíveis muito significativas. As propostas do PS são más? Independentemente de questões pontuais, na generalidade, são propostas interessantes que permitirão mais algumas melhorias mas sem resolver aquilo que me parecem os problemas estruturais. As “pequenas” reformas entre 2005 e 2011 também existiram, mas com resultados deprimentes e bem longe das expectativas anunciadas.

O grande inconveniente não são as “pequenas” reformas ou a óbvia tendência de melhoria passo a passo na área da Justiça. A questão fundamental é que, em quinze anos, não há progressos significativos o que só pode frustrar os operadores judiciários e a opinião pública em geral. O custo das políticas “mais ou menos” é dissuadir futuras políticas bem mais adequadas via efeito cansaço. E é onde estamos ao fim de quinze anos. Os programas da coligação PaF e do PS são apenas o espelho disso mesmo.

Parece-me pois claro que os partidos do arco da governação desistiram de uma reforma profunda da Justiça, procuram apenas mitigar efeitos conjunturais, evitando tanto quanto possível o agravamento dos problemas, e preferem introduzir ajustamentos pontuais que sejam pouco controversos e mexam pouco nos interesses corporativos. Menos promessas, mais realismo. Mas também muito menos ambição e muito mais comodismo.

A época da grande reforma da Justiça definitivamente acabou. E é pena. Não se mexeu no Governo da Justiça, nos conselhos judiciários e na estrutura das magistraturas. E não se pretende mexer. Não se reformaram os tribunais superiores (claramente excessivos e quantitativamente abundantes). E não há qualquer intenção de os reformar. Não se desenvolveu a especialização do capital humano judiciário, mas apenas dos tribunais e de forma ineficaz. E assim vamos ficar. Não se considerou pertinente discutir a extinção do Supremo Tribunal Administrativo, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a integração dos tribunais administrativos e fiscais como tribunais judiciais especializados. E continuaremos sem mexer naquilo que é uma estrutura bem mais própria de estados autoritários. Não se melhorou a programação e produção legislativa (bem pelo contrário, se tivermos em conta a crescente utilização da Lei do Orçamento como método para amplas alterações legislativas encobertas, ou ainda hoje a notícia de alterações ao Código de Processos nos Tribunais Administrativos a quinze dias de fechar a legislatura). Aqui há algumas promessas de mudança mas esperamos para ver. E não se reformou profundamente o Ministério Público. Presos dos casos mediáticos bem conhecidos de todos, nem a coligação nem o PS arriscam abrir esse dossier complicado.