Nada é tão moderno como passado. Onde é que eu li isto? Não sei. Sei é que tudo o que se apresenta como “moderno” envelhece depressa. Basta pensar em certos edifícios, nas linhas “modernas” de alguns carros de há vinte, trinta anos, romances, previsões do futuro, discussões artísticas, ideológicas, padrões de beleza, roupas, penteados. O que se anuncia como moderno cheira muitas vezes a naftalina ou à putrefacção precoce do que, à viva força, quer estar à frente do seu tempo. Enfim, nada é tão moderno como o passado.

Isto para falar de balizas e de Gianluigi Buffon, decano dessa arte. Há uma elegância cuja semente se pode detectar cedo, mas que só se revela absolutamente com a idade. É o porte cavalheiresco, o sangue-frio, um saber estar (os especialistas dirão que é o “posicionamento”) de que Buffon é a realização máxima, quase arquetípica: no final da carreira, todos os guarda-redes deveriam ser assim.

É uma questão de talento, sim, e é também uma questão de escola. Buffon é o último de uma dinastia impressionante de guarda-redes italianos, nem todos – se calhar, nenhum – tão bons como ele, embora todos marcantes, lendários, no sentido em que até as fífias eram lendárias: Dino Zoff, campeão do mundo aos 40 anos, Walter Zenga, Steffano Tacconi, Gianluca Pagliuca (que, na final do mundial de 94, deu o maior quase-frango de sempre), Luca Bucci (falso gordo de quem guardo más recordações de uma meia-final da Taça das Taças), Angelo Peruzzi e Francesco Toldo, e outros de que eu não gostava tanto como Rossi, Abbiati, Antonioli ou Luca Marchegiani (guarda-redes da Lazio de Signori). Dos nossos, apesar de alguns muito razoáveis, só Vítor Baía e o mítico Vítor Damas poderiam entrar neste panteão (Manuel Galrinho Bento era menos um príncipe do que um cancerbero, palavra espanhola para guarda-redes e que faz referência ao cão de três cabeças que guardava o Hades).

Pensando em Baía, vejo como, na sua geração, ele foi um monstro sem concorrência: Rui Correia, Pedro Espinha, Quim, Nuno Espírito Santo, Alfredo (louco fabuloso), Nélson, Ricardo, guarda-redes com aquele modo muito silvino de estar à baliza, episódios esporádicos de brilhantismo, todos longe da verdadeira grandeza.

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A idade nem sempre traz elegância: o guarda-redes húngaro Gábor Király, com as suas sonolentas calças de pijama, é a prova definitiva, como também era, na sua época, o “palhaço” Ravelli, uma das piores catástrofes que se abateram sobre as balizas mundiais, sem esquecer o etnográfico Jorge Campos, meio metro de mariachi que divertia as crianças e profanava o santuário da baliza com as suas camisolas berrantes.

Buffon é de outra estirpe, cavalheiro que aos salões da aristocracia preferiu o minifúndio da grande área, condottiere a governar a equipa sob um arco que, para ele, aconteça o que acontecer, será sempre o do triunfo.

Já agora

Tenho visto algumas entrevistas dos apoiantes da selecção nacional que se agrupam perto do centro de estágio, entusiasmados, eufóricos, aos gritos quando vêem o autocarro, de iphone em punho para fotografar qualquer pessoa que remotamente possa fazer parte da comitiva. Antes do jogo, o seleccionador tinha dito que o apoio era fundamental. Não sei se falou em 12º jogador, jogar em casa, etc. Ontem, tive de concluir que nós, portugueses, apesar de todo o sentimento patriótico, não somos animais de bancada. Há jogadores afectados pelo pânico do palco, os nossos adeptos têm horror à bancada. Sentado no estádio, o português apaga-se. Talvez seja uma excessiva auto-consciência ou uma particular forma de individualismo que se exprime na recusa orgulhosa de ir atrás dos outros. As câmaras filmavam os adeptos islandeses e aqueles coros vikings que, a certa altura, pareciam imitar um vulcão prestes a entrar em erupção devem ter assustado os nossos compatriotas que lá iam observando o jogo muito metidos consigo, a ruminar interiormente uma massa pastosa de triunfos desejados e temidas catástrofes, embrulhados em bandeiras, cachecóis e pessimismo.