Os últimos dias ficaram marcados pela visita do Presidente francês à China. Macron, num acto considerado contraditório, fez-se acompanhar pela Presidente da Comissão Europeia, Von Der Leyen, mas, ao mesmo tempo, decidiu discordar da política da UE em relação à China e aos EUA.
A Europa, fruto do que tem sido o seu apanágio e realidade recente, recheada de crises e crescimento anémico, tem adotado nas últimas décadas uma abordagem flexível nos negócios internacionais com outros países, a chamada diplomacia económica (termo recente). Esta tem sido uma abordagem mais quantitativa, ao invés de qualitativa e de reflexão aprofundada. A abordagem quantitativa foi a abordagem de Macron em Pequim, mesmo que pense o contrário, alías como referiu na entrevista que deu ao Politico na viagem de volta para Paris. Macron quer posicionar a Europa como 3ª superpotencia atrás dos EUA e da China (distanciando-se dos interesses dos EUA, como referiu), ao mesmo tempo que pretende ser um elemento apaziguador, tanto na questão da guerra na Ucrânia, como do problema no estreito de Taiwan.
O resultado da sua visita à China, tentando mudar a retórica de Xi Jinping para com a Ucrânia, foi o mesmo resultado das suas visitas passadas a Moscovo para falar com Putin, um insucesso do ponto de vista geopolítico. Os problemas continuam. No entanto, Macron seguiu aquilo que tem sido a política do passado recente, uma série de acordos económicos com um mercado muito importante para a Europa, como é o mercado chinês.
Uma característica importante na geopolítica é a perspectiva e essa tem faltado aos lideres europeus. As questões que causam os problemas tanto na Ucrânia como em Taiwan ainda subsistem e vão continuar a subsistir, algo que faz parte daquilo que são as realidades geopolíticas, que não são mutáveis de acordo com os nossos desejos. Isso não significa que não as possamos gerir da melhor forma, tendo em vista a concretização dos interesses. A diplomacia económica deve andar mais vezes de mãos dadas com as dinâmicas geopolíticas.
Não quero ser mal interpretado, os acordos económicos realizados por empresas francesas na China são importantes. A China é um dos principais mercados para as empresas europeias, e a Europa é o segundo mercado mais importante para os chineses. Os laços económicos e comerciais são importantes, promotores de estabilidade e crescimento, e, mais que isso, são um elemento dissuador bastante relevante para possíveis conflitos futuros. O que gostaria de sublinhar é a falta de capacidade de perspectiva, o que faz com que se carregue com demasiadas expectativas estas visitas de Estado, abrindo espaço para contradições como as que aconteceram entre Macron e Von der Leyen.
Temos tido tendência para olhar para a China e Rússia (diga-se, para os problemas na Ucrânia e Taiwan) como um só ou interligados de alguma forma. Nada poderia estar mais longe da verdade, sendo que apenas têm em comum o facto de ambos terem sido causados por razões históricas e de geografia que sempre estiveram presentes. Taiwan e Ucrânia estão separados por 8000 kms de distância. A China necessita de ser uma potência naval de forma a controlar o seu espaço vital mais importante, o Mar do Sul da China, e o conflito na Ucrânia é um conflito terrestre noutro continente.
Também não existe apoio naval russo credível a uma eventual operação anfíbia chinesa em Taiwan. Podemos facilmente observar que não existe pensamento estratégico que sobreviva numa parceria militar aprofundada entre China e Rússia. Mesmo no muito referênciado ponto de vista económico, a relação comecial estratégica entre China e Rússia também pega muito pouco, sendo que a vantagem é a obtenção de energia barata russa por parte dos chineses, algo que não pode ser propriamente transformado numa parceria estratégica global e essencial. A Rússia não é um mercado relevante na China, comparado com outros. Ora vejamos, a Rússia procura distânciar Moscovo da fronteira da NATO/UE, algo que faz desde o tempo dos Czars. Podemos argumentar contra ou a favor da entrada de ex-repúblicas soviéticas ou membros do Pacto de Varsóvia na NATO ou na UE, mas a realidade geopolítca é esta, os russos não confiam na redução do seu espaço estratégico.
No caso de Taiwan, a China necessita também de aprofundar o seu espaço estratégico, neste caso no Mar do Sul da China, para garantir que os seus barcos saiam, por forma a poder continuar a exportar produtos, algo que é vital para a sua economia. Não significa que irá invadir Taiwan, significa que não pode aceitar a independência unilateral por parte da ilha. Enquanto esse status-quo se mantiver, a invasão será muito pouco provável, pois teria um custo político e militar demasiado elevado. Os chineses não irão avançar para uma operação dessa natureza sem ter a certeza do sucesso, e essa certeza não existe. Uma coisa que a invação da Ucrânia fez foi aumentar essa incerteza nos chineses.
Os parceiros e mercados mais importantes para a China são os EUA e a Europa, a uma larga escala. Atualmente os americanos controlam a narrativa, tanto em Taiwan como na Ucrânia. Existe o benefício de as duas situações serem defensivas, tendo o tempo como aliado. Existem também outras variáveis importantes que desiquilibram o tabuleiro para o lado dos americanos, mas que podem ficar para um próximo texto. O que vale a pena referir neste momento é que tanto a Europa como os EUA devem usar as suas vantagens nestes conflitos sem panicar demasiado pelo que entretanto vai ocorrendo no palco de batalha. Panicar significa perder o contexto e perspectiva, ser contraditório e atrasar potenciais soluções.
Macron se não sabe, deveria saber que a única saída da Rússia é um acordo de paz na Ucrânia, porque já perdeu o conflito. As constantes ameaças nucleares são prova disso, uma mão cheia de nada, que têm como objetivo adiar o inevitável e conseguir o melhor acordo possível, um acordo de paz.
Relativamente a Taiwan, para perceber a situação o mais fácil será abrir um mapa. A presença militar americana, os seus aliados asiáticos, e os problemas que os chineses têm com alguns dos seus vizinhos são suficientes para complicar um possível conflito. Bastará tirar a confiança no sucesso para apaziguar os chineses. Olhando para este cenário, parece-me que contradizer o que foi feito até agora não seja muito boa ideia. O que Macron deverá fazer é continuar na narrrativa do que tem sido feito no ultimo ano, porque está a ganhar.