Nada disto é novo. A história tem o péssimo hábito de se repetir e periodicamente brinda-nos com estes movimentos políticos sinistros, que dependem do aproveitamento constante dos mais frágeis para a sua afirmação e crescimento. Sejam reacionários ou revolucionários, “fachos” ou “antifas”, são mais parecidos do que julgam. Partilham o mesmo método e justificam as suas práticas de abutre com umas supostas boas intenções para com as pessoas e a sociedade: uns apontam o dedo a pretos e ciganos para introduzir o discurso securitário e justicialista, outros fazem uso do racismo e da xenofobia para disseminar o ódio contra a liberdade individual e económica, promover o revisionismo histórico e policiar a linguagem. Se me perguntarem, recomendo – em relação a todos estes – distanciamento social e político permanente.

Sabemos quem são, como se movem e para onde querem ir. Exploram as fragilidades das minorias. Não nos deixemos impressionar, por isso, com a força aparente dos que tomam as ruas e as redes sociais com as respetivas palavras da salvação. Uma das principais características destes projetos políticos é o histerismo apocalíptico e ruidoso na transmissão da mensagem, procurando iludir as massas de que se trata de uma narrativa dominante e inevitável a que terão de sucumbir. Só que, ironia das ironias, aqueles que se aproveitam das minorias são, eles próprios, uma minoria de pensamento e de ação, garantidamente barulhenta e mobilizada, mas sem eco na larga maioria silenciosa que rejeita todos os radicalismos.

Nós, os moderados, não queremos nada com esta baixa política. Preferimos discutir o que interessa, focar nas prioridades e não alimentar o discurso demente dos extremos. É a atitude certa num contexto de normalidade, mas devemos reconhecer quando as circunstâncias exigem outra abordagem, interromper momentaneamente o nosso padrão de decência e enfrentar os inimigos da democracia liberal. Sim, falamos de uma minoria de oportunistas, portadores de ideias ultrapassadas e merecedores da credibilidade de um Artur Baptista da Silva, mas seria a repetição de um erro histórico subestimar a habilidade de explorar os piores instintos da mente humana quando conjugada com o impulso certo, assuma este o formato de um sentimento de inferioridade latente, de insegurança, ou de uma reivindicação social legítima.

Estamos todos conscientes de que existe uma nova direita europeia – que é, na verdade, uma versão reciclada de uma velha direita -, populista, dura, musculada, estatista e em alguns casos protofascista, que já tem tradução em português. Devemos combatê-la com inteligência, esvaziá-la – e não desprezá-la ou atacá-la acriticamente, proporcionando-lhe os desejados holofotes – com melhores soluções para os problemas válidos que identifiquem, convencendo esse eleitorado desconfiado do sistema ou abstencionista, revoltado com um país onde escasseiam oportunidades e a mobilidade social não passa de um conceito teórico, ressentido com a corrupção e o compadrio que alimenta uns poucos, de que existe outro caminho, reformista e consequente, pronto a servir as suas legítimas ambições.

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Mas não são só estes que nos devem preocupar. O discurso populista, divisivo, frequentemente estéril e boçal desta “direita musculada e ruidosa” está sinalizado, é constantemente escrutinado por todas as forças políticas e tem merecido um nível de atenção mediática desproporcional à sua representação parlamentar. O mesmo não podemos dizer do radicalismo daqueles que não passavam de partidos de protesto e que foram normalizados por António Costa em 2015, mais por necessidade do que convicção. Um legado que a história não será meiga a tratar.

Não é um partido, são vários; não é um deputado, são dezenas. É uma “esquerda musculada e ruidosa”. Regem-se por uma estratégia igualmente divisiva e confrontacional, a que dissemina o ódio de classe e o preconceito social; a que vai para a rua e faz um uso descartável dos problemas que afetam as minorias, ou os trabalhadores, ou as mulheres, como pretexto para defender uma ideia coletivista de sociedade, inimiga das liberdades e, por isso, amplamente rejeitada no passado, mas que tentam resgatar através das causas sociais.

Odeiam os “neoliberais” e, no mesmo plano, todos os que consideram racistas, fascistas, misóginos e por aí fora – um “ódio do bem”, tolerado e, não raras vezes, amplificado pelas elites. Lidam mal com a liberdade de expressão, com as regras linguísticas e “cancelam” obras culturais incómodas para espíritos menos livres. Desesperam por um acerto de contas com a história, que querem apagar e purificar através da vandalização do nosso património, da rejeição de símbolos nacionais e da retórica penitencial.

Configuram, como aquela direita nada recomendável, uma ameaça real e perigosa ao nosso modelo de sociedade, mas têm uma espécie de selo “clean and safe” político. Aparecem na televisão e nos jornais como parte do sistema, ao mesmo nível daqueles que, apesar de tudo, construíram o Portugal livre e democrático. Estão em força no Parlamento, nas universidades, nos sindicatos, na rua. E conseguiram, nas últimas duas décadas, conquistar novas gerações, convencendo-as que aquilo que defendem tem alguma coisa a ver com progresso. Não, não tem. Enquanto estes não estiverem no mesmo saco dos “fachos”, onde pertencem, não lhes darei descanso.