126.780 pessoas. Repito, em Portugal 126.780 pessoas estão empregadas em câmaras, juntas de freguesia e naquele universo opaco de empresas, associações, fundações municipais e comunidades intermunicipais. Como não estou candidata a nada posso dizer o que penso sobre estes números: uma parte significativa destas pessoas não faz nada e outra parte, não menos expressiva do ponto de vista numérico ocupa-se em actividades burocráticas sem outro interesse que não seja o da manutenção dessa mesma burocracia.
O poder municipal está transformado numa indústria socialista: não responde às questões dos cidadãos, cria clientes-dependentes. Não trata a realidade, discute cenários. Um misto de caciquismo e assistencialização fazem o resto: dos santos populares ao agora aclamado arrendamento acessível, o poder autárquico mete-se em tudo, sobretudo naquilo que não tem competência para fazer mas que lhe acrescenta a influência e sobretudo faz de cada municípe-apoiado um fiel e constante eleitor.
Sinal do unanimismo reinante a presente campanha autárquica é daquelas em que menos se escrutinou o trabalho dos autarcas, tudo se resume a uma discussão em torno dos dois ou três tópicos que a cartilha socialista agendou: a solução mágica do arrendamento acessível, os malefícios do alojamento local e depois um ou dois assuntos que variam com o município mas que invariavelmente têm de passar pela reivindicação de algo gratuito e/ou “amigo do ambiente”. À partida está pressuposto que apenas se divirja na quantidade de verbas a afectar a estes inquestionáveis propósitos (quanto mais melhor!) O resto está excluído da discussão.
Basta invocar o arrendamento acessível para que os mais destravados programas passem a fazer títulos triunfais. Depois sob esses títulos cai o manto do silêncio e do desinteresse: desde 2019 que tento saber sem sucesso quantas adesões registou o «Chave na Mão – Programa de Mobilidade Habitacional para a Coesão Territorial». Pretendem as cabeças iluminadas que criaram este programa que os proprietários de imóveis que optam por ir viver para “territórios de baixa densidade” (maneira burocrática de dizer interior) vão entregar as suas casas citadinas ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana para que este as administre e coloque no mercado de arrendamento acessível. Quantos portugueses colocaram o seu património?Um? Dois?… Continuo à espera de resposta.
Em Lisboa, a falta de adesão por parte dos proprietários de imoveis aos programas anunciados, tem servido a Fernando Medina para dar conta da sua bipolaridade enquanto governante: qual soviete afável, Medina ora promete mundos e fundos ora ameaça os proprietários. Em Maio de 2020, Medina prometia três anos de rendas adiantadas e isenções fiscais aos proprietários que colocassem os seus apartamentos num dos programas municipais de arrendamento. Mas nem assim os proprietários confiaram na CML e dificilmente tal acontecerá, pois os proprietários de Lisboa não são grandes fundos imobiliários como se gosta de imaginar nos debates autárquicos mas sim minúsculos proprietários — um estudo datado de 2017 concluía que 60 por cento dos senhorios conta apenas com uma propriedade para arrendamento — que vêem no arrendamento dessa propriedade a forma de garantirem a si mesmos um rendimento extra na velhice. Logo dificilmente confiarão numa autarquia para gerir o seu património mais a mais se essa autarquia tal como acontece com a de Lisboa não souber quantas das suas casas estão ilegalmente ocupadas e não conseguir cobrar as rendas nos seus próprios bairros.
Face a esta espécie de protesto silencioso, Fernando Medina partiu para a ameaça aos proprietários e assim já em Agosto deste ano ficávamos a saber que Medina quer “impossibilitar” abertura de novos alojamentos locais em Lisboa. Para o autarca socialista e recandidato à presidência da Câmara, é necessário “recuperar imóveis afetos à função de alojamento local para o mercado de habitação” Não interessa que a maior parte dos imóveis onde estão os alojamentos locais estivessem anteriormente devolutos e degradados. Medina quer a todo o custo casas para os seus programas municipais e está disposto a pagar por elas o que for preciso. Se esta estratégia falhar parte para a mudança da lei!
Ninguém pergunta quanto custam estas casas aos contribuintes. Quantos funcionários, serviços, departamentos e gabinetes vão ser necessários para gerir tudo isto? Como se age em caso de incumprimento? Ou mais propriamente perante os incumprimentos vence a tese do BE de que não se pode despejar ninguém?
O município politico-mediaticamente ideal tornou-se em 2021 aquele em que se assume como objectivo a assistencialização da classe média; em que e pegando na expressão usada por José Manuel Fernandes no Contra-corrente a solução para ter casa se tornou de repente em ter um Estado-senhorio, Onde não existem despejos (também não existe manutenção dos edifícios nem responsabilização de quem os degrada); as crianças frequentam escolas públicas que se pretendem substituir às famílias; os transportes públicos, municipalizados obviamente, são oficialmente gratuitos ou quase (na prática o seu custo cresce exponencial e descontroladamente mas o que conta é que são “gratuitos”); onde se inauguram todos os anos vários espaços municipais que nada acrescentam aos já existentes a não ser em criar-se mais uma cafetaria e vários empregos. Enfim, um município em que todos dependem do Estado ou mais propriamente da câmara. É a fábrica de clientes.
PS. Querem mesmo colocar já alguns milhares de casas no mercado de arrendamento em cidades como Lisboa, Amadora ou Porto? Simplifique-se a burocracia para a passagem das lojas a habitação. Por todo o lado, fora das grandes artérias (e também em muitos bairros municipais) existem lojas que dificilmente encontrarão interessados. Fazer as obras necessárias para passar o que foi uma loja a habitação não é difícil e faz-se sem dificuldades de maior em inúmeras cidades do mundo, difícil para não dizer quase impossível é conseguir em Portugal levar a cabo o processo burocrático para conseguir passar uma loja a habitação. (A burocracia é tão desrazoada nesta matéria que até a reposição da legalidade se torna quase impossível: todos nós nos confrontámos em algum momento com aqueles prédios de habitação em que existe um andar onde funciona um consultório, um serviços público, um escritório… Pois caso o proprietário desse apartamento pretenda que ele volte a ser de habitação, tem de conseguir que todos os condóminos do edifício votem favoravelmente essa mudança de uso mesmo que seja para regressar ao uso que era o indicado! Percebe-se que se exija a aprovação dos condóminos de um prédio residencial para passar uma habitação a comércio ou escritório mas o contrário não faz sentido algum!) A simplificação da mudança de uso de comércio para habitação não é uma solução mágica para a falta de casas para arrendamento, mas certamente que produziria melhores resultados que muitos dos programas anunciados pelo Governo e sem custos para os contribuintes.